quarta-feira, 3 de março de 2010

O CAVALO MARINHO

Muitas vezes me tenho interrogado o que terá levado Jorge Luís Borges a escrever, em colaboração com Margarita Guerrero, "O Livro dos Seres Imaginários". Talvez "o apetite de magia", como escreveu  Carlos Mastronardi. Um apetite que terá percorrido Borges e que nos levou a esses seres, um dos quais não resisto a descrever, não só pelo prazer da leitura que sabe bem partilhar com os leitores deste blogue, mas também pelas referências que são feitas à Lusitânia e a Olisipo.

"A contrário de outros animais fantásticos, o Cavalo-Marinho foi criado pela combinação de elementos heterogéneos; não é mais do que um cavalo selvagem, cuja morada é o mar e só pisa a terra quando a brisa lhe traz o cheiro das éguas nas noites sem luar. Numa ilha indeterminada - talvez Bornéu - os pastores domesticam na costa as melhores éguas do rei e escondem-se em espaços subterrâneos; Sinbad viu o potro que saía do mar e logo saltou para cima da fêmea e ouviu o seu grito.

A redacção definitiva d'As Mil e Uma Noites data, segundo Burton, do século XIII; no século XIII nasceu e morreu o cosmógrafo Al-Qazwini que, no tratado Maravilhas da Criação, escreveu estas palavras "O Cavalo- Marinho é como o cavalo terrestre, mas as crinas e a cauda são amais crescidas e a cor mais lustrosa e o casco está partido como o dos bois selvagens e  a altura é menor que a do cavalo terrestre e um pouco maior que a do burro." Observa que o cruzamento da espécie marinha e da terrestre dá crias formosíssimas e refere um potro pequeno de pêlo escuro "com manchas brancas como moedas de prata".

Wang Tai-Hai, viajante do século XVIII, escreve na Miscelânea Chinesa:

"O Cavalo-Marinho costuma aparecer nas costas em busca da fêmea e por vezes apanham-no. A pelagem é negra e lustrosa; a cauda é comprida e varre o chão; em terra firma anda como os outros cavalos, é muito dócil e pode percorrer num dia centenas de milhas. Convém não o meter no rio, porquanto quando vê água recupera a sua antiga natureza e afasta-se a nadar."

Os etnólogos procuram a origem desta ficção islâmica na ficção greco-latina do vento que fecunda as éguas. No seu livro terceiro das Geórgicas, Virigilio registou esta crença. Mais rigorosa é a exposição de Plínio (VIII,67):

"Ninguém ignora que a Lusitânia, nas proximidades de Olisipo (Lisboa) e das margens do Tejo, as éguas voltam a cabeça para o vento ocidental e ficam fecundadas por ele; os potros assim gerados possuem uma admirável ligeireza, mas morrem antes dos três anos."

O historiador Justino pensou que foi a hipérbole "filhos do vento" aplicada a cavalos velozes, que originou esta fábula."

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