quinta-feira, 21 de abril de 2016

O INSUSTENTÁVEL VAZIO DO CENTRO



Na sua última edição o semanário Expresso tem um artigo com o título “Onde estão os maiores projetos”, em que identifica os projetos de investimento superior a €5 milhões no âmbito do Portugal 2020. O artigo, que é ilustrado com uma infogravura é, na perspetiva do cidadão que vive entre Aveiro e Leiria verdadeiramente deprimente. É que não há notícia da existência por aqui de um único projeto.   

É a confirmação da afirmação de que tem havido a nível da superestrutura política uma estratégia de desconsideração do centro do país e, consequentemente, do seu esvaziamento. Mas, é também a constatação de uma incapacidade endógena de afirmação e de emergência de capacidade empresarial e de união de esforços a nível público e privado para combater este estado de coisas.

Dos muitos milhões que o Portugal 2020 vai trazer, neste caso com consequências de médio e longo prazo, o centro do país vai ficar deserdado e não se diga que a culpa é só e exclusivamente dos outros, está aqui refletida muita da nossa incapacidade de união, afirmação e reivindicação. 

Um dos casos que me parece exemplar, e de que há dias era dada notícia, tem a ver com a questão do abastecimento de água. Sendo uma matéria da maior importância, é público que neste momento há um conjunto de 6 (?) municípios do litoral do distrito de Coimbra que estão empenhados na criação de uma empresa multimunicipal para gestão do abastecimento de água. 

Esta iniciativa que resulta da consciência de que é importante ganhar escala, racionalizar custos e articular investimento, para melhor servir os cidadãos, com mais qualidade e menores encargos, levanta a questão de não se perceber por quê apenas estes municípios e onde está Coimbra neste processo.
É que à partida parece que existiriam todas as condições para um envolvimento tendencialmente regional, de que Coimbra seria o evidente polo central, para, numa área fulcral e determinante para a qualidade de vida dos cidadãos, haver uma conjugação de esforços e uma articulação intermunicipal, que permitisse a necessária massa critica para investimentos de maior dimensão e rentabilidade.

A resistência e o combate às forças centrífugas inerentes à nossa idiossincrasia, e que o centralismo cultiva e aproveita sabiamente, exigem, sem dúvida, um enorme esforço e persistência e não parece que esta seja, lamentavelmente, uma das nossas prioridades, por isso quando pensamos nas consequências da ausência de investimentos relevantes neste território central talvez não nos reste mais do que um eterno lamento. 

(Artigo publicado na edição de 21 de abril, do Diário de Coimbra)


quinta-feira, 7 de abril de 2016

CARTÃO DE APRESENTAÇÃO



Há várias formas de nos apresentarmos e outras tantas de sermos apresentados. Nós; as nossas casas – é sabido que as paredes dos prédios são a pele dos seus moradores -; as nossas cidades; etc.

Há uns anos apareceu um painel informativo na A1 a sinalizar Coimbra com Cidade Museu. Não se percebeu como é que a Brisa chegou àquela conclusão, mas também ninguém quis saber, e houve de imediato um enorme clamor que levou à retirada dos painéis. A ideia de museu até poderia ser bondosa, ancorada numa visão de um espaço arquitetonicamente rico e simultaneamente cheio de vida em que acontecem coisas culturalmente interessantes, mas não era essa a visão da maioria dos cidadãos e por isso a ideia foi de imediato rejeitada. 

Não se admitia a ideia de uma cidade estática ainda que as criticas e os temas das tertúlias locais fossem recorrentes na afirmação de que a modorra tinha aqui uma das suas sedes, e houve que avançar uma alternativa tendo surgido a ideia salvadora da Cidade do Conhecimento.

Só que muitas vezes não é fácil vender certas ideias, particularmente num tempo de sobrevalorização da imagem, quando depois de ler o “cartão de apresentação” não se consegue encontrar uma clara correspondência na realidade. 

Aliás, um dos dramas lusitanos tem a ver com o cartão de cidadão em que fomos tornado no povo mais feio da Europa e arredores, com aquelas fotografias em que para além de nos despirem dos óculos, quem os tem é claro, dá, a todos, uma imagem de inaudita fealdade.

Habitantes de uma cidade também podem ser vistos, por quem chega, sob uma ótica referida por Marcel Proust: “As estações ferroviárias… não constituem, por assim dizer, parte da cidade, mas contêm tanto a essência da sua personalidade, como o nome pintado no letreiro”, o que se confessa não nos mostra lá muito jeitosos.   

Assim os pontos de chegada e as entradas da nossa cidade são sempre um dos cartões de apresentação de algo não abstrato mas da cidade e dos seus habitantes – de todos nós.

Ora será que quem chega a Coimbra nos vê como um coletivo de sábios e em que observa em cada esquina o conhecimento a escorrer pelas paredes dos edifícios? Não sei!

Há uns anos o presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, deu pública nota que iria oferecer a Coimbra uma estátua para embelezar a grande rotunda na entrada sul de Coimbra, junto ao Parque Verde. Isaltino foi para a prisão e a estátua nunca chegou. Foi pena. Quem nos diz que não teria sido uma interessante obra de arte e um simpático cartão de apresentação. 

(Artigo publicado na edição de 7 de abril, do Diário de Coimbra)