terça-feira, 30 de maio de 2017

O COMBOIO-FANTASMA



O comboio é um ícone da revolução industrial e o processo do metro ligeiro de superfície no antigo ramal da Lousã, em Coimbra, a imagem das contradições e da impotência de uma cidade.

Sendo a linha da Lousã uma barreira na relação da cidade com o Mondego houve um dia a ideia de a derrubar adotando uma solução urbana contemporânea, amiga da cidade e dos utentes daquele ramal ferroviário.

O que estava em causa era substituir uma decadente, mesmo ridícula, solução de transporte, constituída por velhas “pandeiretas” adquiridas no ferro velho espanhol, por uma nova forma de transporte ferroviário que aproveitaria o traçado existente, garantindo e melhorando a mobilidade de há muito consolidada numa periferia de Coimbra, incorporando-a, simultaneamente, no tecido urbano e tornando-a fator de requalificação urbana.

Não era a morte do ramal da Lousã era sim a sua ressurreição e a afirmação de que esta era uma solução de futuro, justificada pela satisfação das populações no seu serviço e ainda criadora de expectativas de valorização territorial num espaço significativo, ansioso por modernidade e melhoria de qualidade de vida.

Para mais era o tempo em que o investimento público era uma incontestada opção política e o custo da operação não era significativo relativamente aquilo que acontecia na área metropolitana de Lisboa e no Porto. Por essa altura os cidadãos do Porto diziam que finalmente, apesar de um atraso de 40 anos relativamente a Lisboa, tinham o seu metropolitano.

Mas, como Coimbra é uma cidade ingénua, não desconfiou do modelo societário adotado, em 1996, pelo poder central para a sociedade Metro Mondego, e também porque é uma cidade que paulatinamente veio a degenerar de Lusa Atenas em discípula de Bizâncio, tornando-se coletivamente frouxa e com políticos locais mais ansiosos em utilizarem o comboio para a capital do que as desengonçadas carruagens da linha da Lousã, ficou escrita à nascença a dúvida sobre a realização de um interessante sonho de modernidade.

Aliás, é sintomática uma ideia de “tutela centralista” ao incluir nos corpos socias o Metropolitano de Lisboa como se este tivesse alguma vocação e interesse em envolver-se num processo desta natureza. Foi um sinal de consideração da menoridade politica e técnica de Coimbra para realizar este seu projeto específico. 

No meio das mais variadas peripécias, dos concursos lançados e anulados, das alterações de gestores e de perspetivas de desenvolvimento do projeto, em que se gastaram milhares de contos e milhões de euros, o que é visível é uma cratera na Baixa de Coimbra e um canal de 42 quilómetros, onde se desconfia que circula um comboio fantasma, carregado de boas intenções, de declarações solenes, de despachos e decisões políticas mas, sobretudo, de frustrações e de oportunismos.

Esse comboio fantasma tem a particularidade de aumentar a sua atividade por altura das campanhas eleitorais e por isso não será de estranhar que agora que se aproximam as eleições autárquicas vá entrar em grande atividade.

É sabido que o atual governo prometeu uma decisão definitiva (?) sobre o projeto para o próximo mês de Junho, depois de mais um estudo de reavaliação, ora independentemente da solução que venha a ser adotada e pensando que será mesmo para levar à prática, há uma certeza: ninguém ficará satisfeito e o Metro Mondego vai tornar-se numa importante arma de arremesso político.

É que 21 anos de confusão, de indefinição e de prejuízo para populações de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã deixam marcas difíceis de apagar e há sobretudo uma coisa muito valorizada e que não se sabe como poderá, neste caso, ser reconquistada: confiança. 

Será que uma solução apresentada num tempo de pré-campanha eleitoral merecerá crédito? Será possível acreditar que via haver mesmo uma solução real e que não continuaremos a ter apenas um comboio fantasma a circular numa linha sem carris, por entre ervas e lixo, com mais uma decisão ministerial sem consequências?

Ficamos à espera da decisão do ministro do planeamento e infraestruras Pedro Marques e de que nos convença de que agora é que vai mesmo ser mas, por causa das dúvidas, seria melhor que a palavra definitiva nos fosse dada pelo primeiro-ministro António Costa, porque palavra dada é palavra honrada! 

(Artigo publicado no Jornal Público em 30 de maio)

quinta-feira, 18 de maio de 2017

POR FAVOR



Não sei se será pedir muito mas como estamos à beira de uma campanha eleitoral e já há por aí iniciativas de campanha venho pedir, encarecidamente, a todos os candidatos o favor de respeitarem a inteligência e a memória dos eleitores.

É que para além dos polens, dos raios ultravioletas e da poluição atmosférica e sonora não merecemos uma campanha desbragada e insultuosa, com consequências para a democracia e para a imagem da cidade e dos seus cidadãos. 

Os candidatos e as suas candidaturas são, nesta altura, a imagem política da cidade. Por isso não nos envergonhem e não nos deixem ficar mal. Coimbra tem aguentado muita coisa mas tudo tem os seus limites.

Depois da elevada taxa de abstenção que tivemos nas últimas eleições o mínimo que podemos desejar é que não nos obriguem a fugir e a aumentar ainda mais essa taxa. 

Partindo sem grandes expectativas, quanto à substância da campanha que se avizinha, pelo menos que consigam alguma contenção e respeito pelos eleitores até porque estamos numa cidade do conhecimento. Por favor não nos tomem por parvos.

Percebo que é tentador copiar o Trump, que hoje nem sei se existe ou se é uma ficção, e fazer da mentira, da omissão e do desaforo armas políticas, mas nós temos muitos anos de história e uma sagesse que permite distinguir os candidatos e as suas propostas.

Sabemos que há candidatos que se alimentam, sem pudor, da agressividade e da contundência verbal, mas muito sinceramente e não me parece que a vocação de Coimbra seja a de escolher alguém que sofra dessas patologias. 
Lembrem-se que todos, sem exceção, são conhecidos dos eleitores. 

Coimbra é pequena e todos conhecem o vosso passado e os vossos pecados e omissões, e por isso só terão a ganhar se evitarem o espalhafato e as tiradas tonitruantes. E, por favor não nos prometam o impossível. 

O grande programa eleitoral que podemos esperar e porque não acreditamos em qualquer genialidade, pode-se reduzir a: deixem-nos viver em paz, não estraguem o que de bom temos e puxem pela autoestima da cidade.

As expectativas são baixas, por favor não as diminuam mais para não entrarmos numa espiral depressiva que nos tente a atitudes radicais até porque não temos grande margem de manobra para nos sacrificarmos, dado que não temos linha nem comboio para nos atirarmos e se corrermos para o Mondego o risco é apenas o de batermos com a testa na areia.

Por favor respeitem a inteligência e a memória dos eleitores de Coimbra.

(Artigo publicado na edição de 18 de maio, do Diário de Coimbra)


segunda-feira, 15 de maio de 2017

AUTÁRQUICAS: A MÃE DE TODAS AS AMBIÇÕES



As eleições autárquicas são a mãe de todas as ambições políticas. Por um lado, o número de lugares em disputa leva à necessidade de milhares de candidatos e, por outro, a proximidade e os meios necessários permitem todo o tipo de candidatura e o aparecimento dos candidatos mais improváveis. 
 
As candidaturas às Câmaras são as mais relevantes e de maior impacto, por isso as que merecem uma atenção mais particular e especial e as que melhor representam o nosso universo ambicional. Neste âmbito são, pelo menos, conhecidos os candidatos naturais; os eternos; os disponíveis; os acidentais; e os independentes.

Os partidos optam geralmente pelos naturais, por vezes recorrem aos acidentais, também não deixam de considerar alguns disponíveis, mas debatem-se com o problema dos eternos e confrontam-se com um reforçado contingente de independentes, onde se contam cada vez mais os eternos, os que sonham morrer na cadeira.

Contudo, os verdadeiros independentes são cada vez em maior número, apregoando-se como produtos biológicos livres de pragas partidárias e isentos de pesticidas ideológicos, o que atrai os eleitores que estão cansados das tricas, dos golpes, das infidelidades e das incapacidades partidárias.

Claro que em todas estas categorias há bons candidatos, homens e mulheres com verdadeiro sentido de serviço público e com ideias concretas de melhoria de vida dos seus concidadãos, no entanto é preciso ter em atenção que só se assume uma candidatura havendo ambição pessoal e coletiva. Nalguns casos verifica-se que certas candidaturas são como os icebergs porque a parte menos visível é ambição de poder.

É, neste contexto, que vamos assistindo a factos e a reviravoltas surpreendentes ditadas por estratégias devidamente congeminadas assim como a episódios que roçam o caricato e demonstram a verdadeira natureza da coisa. 

Por exemplo, lemos há dias, no Público, um artigo de um ilustre apoiante do candidato independente, à Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, em que é feita uma avaliação profundamente negativa dos governos autárquicos neste município, liderados pelos partidos, nomeadamente pelo PSD e pelo PS, concluindo com a necessidade de uma nova solução para construir o futuro.

Pois bem, passados alguns dias assistimos ao agradecimento e ao rasgado elogio da ação do ex-presidente da Câmara do PSD, Carlos Encarnação, feito pelo candidato independente José Manuel Silva, porque aquele decidiu dar pública voz e fotografia de apoio à sua candidatura. 

Não vou contrapor ao elogio a minha visão profundamente nefasta para Coimbra do que foram esses mandatos, mas não deixa de ser engraçado, perdoe-se-me a expressão, o elogio da prática política de alguém que, sem aviso prévio toma uma posição acintosa de afronta ao partido a quem deve ter sido: deputado, governante e presidente de Câmara. 

Mais, trata-se de alguém que foi um caso único na governação da Câmara de Coimbra porque teve como seu vice-presidente alguém que acumulava com as funções de presidente de uma associação comercial e industrial, para além de ter nomeado e mantido por três anos como diretor do urbanismo o presidente de um clube de futebol.

Pois bem, como se vê por este breve exemplo, o elogio do candidato, determinado pela perspetiva de uns votitos não cola com as críticas às práticas partidárias nem com a assunção de um novo paradigma de governance apregoado pelos seus apoiantes.

Mas este é apenas um episódio de uma saga que se vai desenrolar pelos próximos tempos, porque as autárquicas, como se verá, são mesmo a mãe de todas ambições.




quinta-feira, 4 de maio de 2017

A SENSIBILIDADE DAS ROSAS



Quem não se lembra dos tempos de indignação? Das manifestações e tomadas de posição públicas sobre as políticas e os políticos acusados de mentir e de desrespeitar os compromissos eleitorais? 

Parece qualquer coisa distante, mas não. Os tempos de indignação foram ontem! Hoje vive-se a pós-verdade. São os tempos de Trump, da vitória da mentira e da desfaçatez. Já não há indignação mas apoio declarado a mentirosos compulsivos e a políticos/não-políticos, que, mesmo desmascarados, continuam a ter o apoio entusiástico dos eleitores, sem que se consiga perceber o que afinal conta.

De um momento para o outro surgiu uma nova e estranha realidade, alheia a valores essenciais e que reflete uma sociedade estranha, descompensada e falsa, que faz pensar naquela frase de Alberto Manguel sobre a complexidade da realidade, no seu fascinante livro “ Uma história da curiosidade”, que nos diz: “A melhor maneira de contar a verdade é mentir”.

Cabendo aos partidos, nas sociedades democráticas, dar respostas aos problemas e aos anseios dos cidadãos o que se vê é que perante a sua incapacidade de perceber atempadamente esta nova realidade, entram em desagregação ao mesmo tempo que surgem movimentos e propostas políticas que ultrapassam aquilo que vinha sendo uma das regras do jogo, isto é: os partidos recolhiam os votos e os movimentos sociais procuravam modificar os temos dessa recolha. Parece que enfrentam um fenómeno idêntico àquele que é descrito como a fadiga dos materiais.

Talvez, um pouco como metáfora, mas sobretudo como procura de solução para a situação que se vive e cuja gravidade é difícil perceber em toda a sua extensão, pensar na técnica usada pelos vitivinicultores para se anteciparem à chegada das doenças às suas vinhas e atuarem com o adequado tratamento preventivo.

Sabendo que o míldio e o oídio, duas das principais doenças das vinhas, atacam antecipadamente as roseiras, porque estas são mais sensíveis, plantam roseiras a bordejar os vinhedos conseguindo, desta forma, um eficaz e belo método natural de informação. 

Ora os partidos também precisam de sensores que antecipem as doenças que se aprestam a atacá-los e o que se vê é que isso não tem vindo a acontecer, limitando-se a repetir estafadas práticas políticas e a adotar narrativas arcaicas.

Os partidos políticos em Coimbra, perante o cenário das próximas autárquicas, precisam urgentemente de plantar roseiras sensoriais para prevenirem graves moléstias.

(Artigo publicado na edição de 4 de maio, do Diário de Coimbra)