quinta-feira, 19 de março de 2020

CHOQUE VÍRICO


Houve um tempo em que se reclamava por choques, o choque fiscal é um exemplo, fazendo crer que era através de um ação rápida, forte e determinada que seria possível resolver reais ou fictícios estrangulamentos na vida económica, social ou política.

Hoje, de sopetão, temos aí um choque vírico que assumiu a forma de pandemia e nos remete para uma guerra biológica para a qual não estávamos preparados.

É verdade que os tempos que vínhamos vivendo eram politicamente estranhos e socialmente confusos, mas nada fazia prever que a tolice e fanfarronice trumpiana, somada à tropical bolsonarite e à despenteada boris-brexit, sem esquecer tantas outras maleitas ditatoriais e de incompreensível violência e sofrimento humano, nos poderiam conduzir à presente quarentena universal.

Mas se estamos angustiados e em estado de choque com as consequências negativas do Covid-19, tanto mais que ele para além das graves consequências para a saúde humana, também tem tido um efeito que nos remete para o deus Jano da antiguidade clássica, um deus de duas caras. Por um lado sentimos a enorme generosidade e coragem de tantos - sejam os profissionais da saúde, sejam de tantas outras profissões -, que trabalham permanentemente com risco permanente para a sua vida para que tantos outros, a outra face de Jano, possam no conforto e na ignorância criticar sem conhecer, lançar boatos sem escrúpulos e acusar sem fundamento.

A este respeito, porque temos tempo para a leitura e perante tantos exemplos que vão surgindo, merece voltar ao clássico Carlo M. Cipolla e às suas “Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, em que nos ensina que: “Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação.”

É nestes momentos que verdadeiramente se conhece a natureza humana e é também nestes momentos que se conhece a fibra de uma comunidade e de um país, assim como é perante circunstâncias desta magnitude e importância que se percebe a verdadeira inteligência coletiva para enfrentar os problemas e tirar ensinamentos para o futuro, porque vai haver futuro. Um futuro melhor.

No isolamento social a que somos compelidos, por boas razões, aproveitemos para refletir serenamente sobre o nosso modo de vida, bem como todos os aspetos da nossa organização social e política, retirando daí os múltiplos ensinamentos que o choque vírico a que estamos a ser sujeitos nos pode dar, sem nos esquecermos de nos prepararmos para o dilúvio de ferozes críticos de tudo e de todos que inevitavelmente vão aparecer, bem como dos geniais salvadores que vão sair das suas tocas para nos explicarem o que verdadeiramente deveria ter sido feito.

Como em quase tudo na vida os piores momentos podem servir para aprender e melhorar. Aproveitemos, por isso, com este dramático choque vírico, para aprender a resistir ao vírus da maledicência, da mentira e da estupidez e preparamos o dia seguinte com mais humanidade, mais solidariedade e mais fraternidade.






quinta-feira, 5 de março de 2020

A POLÍTICA E OS MACACOS


Ao mesmo tempo que seguimos as primárias da grande eleição mundial – a eleição do presidente dos EUA – também percebemos que por aqui se vão realizando os preliminares das eleições autárquicas do próximo ano.

É óbvio que é uma mera coincidência que os Estados Unidos celebrem a sua independência no mesmo dia em que comemoramos o Dia da Cidade de Coimbra – 4 de julho, assim como pode parecer que a eleição presidencial americana não tem nada a ver com as nossas eleições autárquicas, mas a verdade é que as duas têm importância na nossa vida e nas duas existem elementos de reflexão política que se tocam.

Não sou um politólogo, nem nada que se pareça, não passo de um cidadão interessado “urbi et orbi”, que assiste com perplexidade e angustia a muito do que acontece por esse mundo fora e que por isso gosta de olhar para a “arte” que é a política, e tentar perceber as suas implicações na construção do futuro.

Mais do que as lamentações sobre o atual estado da política, o que parece importante é ter em atenção que ela é um sistema de aprendizagem, que nos convoca permanentemente a encontrar formas de inteligência coletiva para encararmos os problemas e encontrarmos soluções, que muitas vezes não serão as melhores mas que pelo menos sejam as menos más.

Por exemplo, numa disputa entre rotundas e semáforos que tantas vezes somos tentados a fazer, há que considerar qual o verdadeiro problema de mobilidade e de circulação local mas também o espaço envolvente e as múltiplas confluências existentes, de modo a que aquilo que pode ser um solução para um problema não leve a uma cadeia de problemas mais vastos.

Pequenas coisas como esta apelam a uma inteligência coletiva e por isso seria interessante ter em conta o que se faz em algumas cidades mais organizadas e ricas do que a nossa, que é a de não implementar soluções desenhadas em gabinete sem primeiro as testar no terreno de forma precária e, só depois duma avaliação de todos os seus méritos e defeitos, lhe dar forma definitiva evitando custos de diversa ordem e conseguindo ganhos de prestigio técnico e político.

Desta micro situação, irrelevante para o mundo mas importante para a vivência local, podemos partir para grandes questões que nos incomodam, que têm igualmente a ver com a inteligência coletiva e que implicam com a generalidade das organizações assim como com a grande política.

Uma das questões que se colocam com frequência é como conseguimos sobreviver a maus banqueiros, maus gestores e a maus governantes. Numa tentativa de encontrar respostas dois investigadores britânicos, Robert Geyer e Samir Rihani, realizaram uma investigação, designada por experiência mental, que implicava uma resposta à seguinte pergunta: o que aconteceria se os governadores do Banco de Inglaterra fossem substituídos por um quarto cheio de macacos? A resposta rápida levava a afirmar que haveria um colapso da economia britânica. Mas uma resposta mais ponderada levava a um resposta diferente porque a estrutura do Banco de Inglaterra e o seu sistema de funcionamento não permitiriam os danos que se podiam supor.

Partindo daqui a questão que se nos põe em termos políticos é se os nossos sistemas eleitorais e de governo, sejam nacionais ou locais, têm capacidade de gerar os equilíbrios necessários a evitar uma má governação e, à partida, rejeitar maus candidatos.