quinta-feira, 30 de abril de 2020

COIMBRA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Uma pandemia é uma coisa rara e de enormes consequências. A do covid-19, em que somos sujeitos concretos, vai ficar na história e levar a que sejamos repetidamente avaliados e recordados pela forma como a vivemos.

Sendo uma brutal lição para uma humanidade pouco humana, de uma convencida arrogância de domínio da natureza e de um persistente aprofundamento de desigualdades entre seres humanos, resta saber se vamos aprender as múltiplas lições que nos estão a ser dadas ou se vamos ser uns farsantes que, passado o pior, voltamos à anterior vidinha.

Confinados fisicamente, seguimos com superior atenção o que se passa num mundo doente e confuso, em que diariamente alguns dos principiais atores políticos se empenham em ridículos e tristes espetáculos de stand-up comedy, ao mesmo tempo que os verdadeiros atores vivem momentos extremamente difíceis.

E nós, por aqui, “afastados socialmente”, nesta Coimbra de cantados afetos, como vamos? O que sabemos resulta do olhar solitário pela janela, dum outro olhar caótico e veloz pelos media e do olhar mais particular e humanizado trazido pela comunicação social local.

É nestes momentos que melhor nos apercebemos como são importantes os jornais locais. Jornais que nos ajudam a superar o confinamento e o afastamento do familiar, do vizinho e do amigo com quem sorvíamos aquele delicioso e aromático café, nas pausas de uma cavaqueira sussurrada a centímetros, numa Coimbra luminosa. Jornais que sofrem acrescidas dificuldades para continuarem a sua missão.

Antes da pandemia já por aqui sugeri o apoio à imprensa local com a oferta de assinaturas dos jornais locais para os jovens estudantes do Município, pela Câmara. Era um ajuda preciosa, sem possibilidades de compra de influência, com uma perspetiva de ganhar futuros assinantes e de formsr cidadãos mais informados e conhecedores da realidade que os cerca.

Hoje, mais do que nunca, parece-me que esta seria uma ideia interessante, com assinaturas que até poderão se digitais. Fica, renovada, a sugestão.

Outro ensinamento pandémico é do reconhecimento da importância do nosso Serviço Nacional de Saúde e, para nós conimbricenses, a evidência da falta de uma estratégia clara de consagração de “Coimbra cidade da saúde”, que, aliás, só não existe porque em tempos a mesquinhez político-partidária e os interesses a boicotaram.

Depois a pandemia veio, mais uma vez, evidenciar a pobreza da qualidade da nossa política local. Enquanto assistimos à forma exemplar como os membros dos diversos órgãos de soberania souberam, a nível nacional, concertar posições e atenuar divergências, colocando, acima de tudo, o interesse do país. Por aqui nem o covid-19 conseguiu pacificar relacionamentos e trazer um certo “sentido de cidade”, que tão importante era e é necessário. Quiseram provar como é necessário, perante novos futuros e novos cenários, o aparecimento de novas políticas e de novos protagonistas locais.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

LIVRAI-NOS, SENHOR, DOS GÉNIOS GENIAIS


Diz-se que num barco que se afunda não há ateus, mas apesar de não ser este o caso peço que me autorizem uma prece. Talvez seja uma prece desajeitada e não consiga que qualquer divindade me oiça, mas aqui fica o registo.

Sem qualquer certeza de que o Covid-19 se retire nos tempos mais próximos, tenho, no entanto, a certeza de que a todo o momento vai irromper por tudo quanto é sitio um cacharolete de génios a dar conta dos erros e das insuficiências dos decisores técnicos e políticos, quanto à forma como nos conduziram no enfrentamento da pandemia.

Muitas das criticas serão justas, outras não passarão de sofismas e muitas terão motivações que não consigo nem quero descortinar. Mas, seja como for, o que acontece é que estamos a sair exaustos de um tempo inesperado e ingrato que nos tirou o fôlego e o sorriso e, por isso, precisamos de respirar.

Precisamos de voltarmos a ser humanos, nem anjos nem demónios, simplesmente seres humanos com belos defeitos e tristes virtudes, que precisam de voltar a viver com sonhos, esperanças, tristezas e alegrias, e, por isso, o pedido é de que nos deixem em paz e não nos infernizem as estações do ano que ainda nos restam.

Sabemos que há sempre quem saiba tudo, à posterior claro, e que adora passar-nos um atestado de ignorância por coisas que devíamos ter feito porque fazem parte das profecias de Nostradamus, que tem vacinas contra todas as incompetências dos competentes e que sabe o tipo e número de rolos de papel higiénico necessários para aguentar uma pandemia.

É óbvio que temos de saber tirar lições, e não são poucas, desta experiência excecional que estamos a viver. Lições individuais e coletivas. Mas precisamos de um tempo de reflexão porque a passagem de uma “vida caótica engendrada pelo tecno-capitalismo”, como José Gil a caracterizou, a uma nova normalidade não é tarefa fácil.

Temos de reconstruir um modelo de relação de humanidade; lançar um novo e diferente olhar para o que nos rodeia; distinguir o essencial do acessório; estabelecer uma nova hierarquia de valorização da atividade profissional humana; e garantir, de imediato, que não há hesitações em fortalecer o nosso Serviço Nacional de Saúde.

Temos, também, de saber valorizar o que de bom temos vindo a fazer e de resistirmos à velha tentação lusitana de contestar os nosso méritos e de valorizar os alheios como se tivéssemos condenados a ser os patinhos feios da humanidade.

Mais ainda, temos de combater a tentação de institucionalizar qualquer pensamento único, assumindo cada um de nós com clareza o seu pensamento e a sua agenda.

Por tudo isto é fundamental, que neste mundo ilógico e perante as nossas inseguranças, evitar os génios geniais que vão aparecer em fila para nos esmagarem com as suas verdades e certezas, e, por isso peço, com humildade: Livrai-nos deles, Senhor!



quinta-feira, 2 de abril de 2020

O MELRO


Há muito que o ouvia mas agora, no caseiro distanciamento social, comecei a dar-lhe uma atenção diferente e a escutá-lo.

Intervalando voos rasantes, com pausas interrogativas de olhares percrustantes e encantatórias melodias, o melro vai fazendo a sua vida nos espaços envolventes da minha casa. É primavera e procura companheira mas ao mesmo tempo vai-me dando dicas sobre os dias que correm.

É verdade que já teve por aqui melhores dias, quando o espaço público em cujas árvores se empoleira foi ajardinado. Agora que está cheio de ervas, que são cortadas uma ou duas vezes ao ano e em que o sistema de rega automática desapareceu literalmente, porque nunca foi ligado, ele não consegue encontrar as guloseimas de que se alimenta.

No entanto por aqui vai continuando e nestes dias de humana reclusão e de reduzida circulação automóvel o seu canto é ainda mais melodioso. É a alegria de mais natureza e menos confusão e poluição.

Não sou ornitólogo, mas tenho vindo a ficar com a sensação que canta mais alto uma área que transcende a sua arte de sedução e que me quer fazer sentir que há muitas e belas flores silvestres que merecem a minha atenção, eu que passo a vinda a lamentar que a minha cidade não tenha mais flores nos seus jardins, rotundas e separadores centrais, porque acredito que seria uma cidade mais bela e com gente mais feliz.

Há dias lembrei-me de lhe dar um nome. Corro o risco de aparecer por ai outro melro e acabar por não os distinguir, mas essa é mesmo o encanto da natureza, porque eles não se mascaram para fugir daquilo que são.

Pois bem, decidi, sem lhe dizer nada, que o seu nome seria: Amanhã. É que Amanhã dá para todos os dias que aí hão-de vir, seja com vírus ou sem vírus, esteja cá ou não para o ouvir, e porque acredito que amanhã também os meus filhos e os meus netos o vão escutar.

Claro que espero que o melro, o Amanhã, não se descaia um dia a dizer-lhes que a sua cidade poderia ter sido a Cidade da Saúde, mas, que por razões mesquinhas e tacanhas visões partidárias, alienou essa possibilidade que hoje lhe daria uma importância e dimensão diferentes, assim como espero que não lhes diga o quanto tem sido dramático para o Serviço Nacional de Saúde uns caçadores de tesouros que durante anos andaram a encher a boca com o seu nome mas que na prática o foram debilitando por amor ao dinheiro.

Mas o meu melro, ladino como é, também já me deu a entender que agora que todos andam a dizer que a partir desta pandemia nada será como dantes, estão é desejosos que rapidamente tudo volte a ser como dantes O que anseiam é retomar os tão caricatos confrontos político-partidários na Câmara e a disputa de uns momentos de fama mediática.

Desconfio, tenho mesmo a certeza, que o Amanhã há dias, num dos seus gorjeios, me deu a entender que mesmo depois de tudo o que nos aconteceu, a nossa Coimbra, não vai ver emergir os novos protagonistas políticos capazes de nos fazerem sonhar e de nos brindar com um novo ciclo de políticas autárquicas, para construir o amanhã.