quinta-feira, 23 de março de 2017

UMA PROPOSTA TOPONÍMICA



Era minha intenção escrever sobre outro assunto mas não podia ficar indiferente à onda de indignação que as declarações daquele holandês malandrote, que terá andado a mentir sobre as suas habilitações académicas e que preside ao Eurogrupo, resolveu fazer sobre os nossos gastos em copos e mulheres e que lhe terão custado um dinheirão.

É verdade que vivemos tempos de indignação. Hoje indigna-mo-nos por tudo e por nada e então quando se trata de política a indignação atinge uma amplitude que só a voz de Maria Callas ou de Pavarotti conseguiam.

Por mim, deixava o governo e os partidos políticos tratar das indignações diplomáticas e de outras mais desabridas, porque eles saberão melhor do que ninguém se o homem estaria numa fase de carência ou se estava a investir numa relação com um outro personagem bem nosso conhecido, que é ministro das finanças na Alemanha.

Pois bem, reclamando para Coimbra o estatuto de cidade do conhecimento e querendo-a uma cidade cosmopolita, procuraria aproveitar o momento para, graças às declarações do tal senhor, projetar internacionalmente a nossa cidade.
Para mais o que proponho até me parece que não terá a oposição de qualquer candidato à Câmara e que não correrá o risco, como aconteceu com a Ponte Europa de ter sido rebatizada em conselho de ministros o que, diga-se em abono da verdade, muito contribuiu para a nossa felicidade.

Aliás, a minha proposta é simples e modesta e estou certo que poderá acolher o acordo de toda a Câmara uma vez que levará à substituição de um nome de rua, demasiado estigmatizado, por um novo nome que induzira, hélas, qualquer português a expressar-se em neerlandês.

Sei que esta coisa de alterar topónimos não é fácil e que no princípio se geram confusões com os correios, as finanças, os gps, etc. mas será uma decisão particularmente compensadora em termos de negócio e que até reporá alguma lógica.

Pensemos bem, se a rua é torta porque é que lhe chamamos Rua Direita? Ilógico, não é verdade. Depois se na Rua Direita se bebem uns copos e há por lá outros prazeres tudo bate certo. Mais até os barbeiros da zona poderão aproveitar para lançar a moda do penteado aos caracolinhos, tão ministro das finanças holandês.

Por tudo isto, a minha proposta é a de que a Rua Direita se passe a chamar Rua Jeroen Dijsselbloem. Ao princípio pode parecer difícil de pronunciar mas, depois de uns copos, não vai custar nada.  

(Artigo publicado na edição de 23 de março, do Diário de Coimbra)


quinta-feira, 9 de março de 2017

A ARTE DA MENTIRA



A mentira na política é uma senhora muito mais estimada do que aquilo que se afirma. Estranhamente os eleitores valorizam muito favoravelmente a capacidade dos seus candidatos para mentirem. 

Quem assiste a uma campanha eleitoral não pode deixar de se surpreender com o aplauso de discursos que, se percebe, não passam de um arrazoado de mentiras, de promessas impossíveis, ou de propostas irrealizáveis. 

Aliás, é frequente serem os próprios eleitores a forçarem os discursos mentirosos porque são estes que verdadeiramente rendem aplausos. Diz-se, e parece que com bom fundamento, que um político que fale verdade não ganha eleições. 

Sempre foi assim e por isso sempre foi muito importante para os políticos o domínio da arte da retórica até porque, como alguém disse, a política é também fazer coisas com as palavras. 

Mas a arte da mentira em política tem evoluído, depois do famoso “read my lips” de Bush sénior chegámos aos Trump’s twitters que surgem dia e noite, numa mistura surreal de mentiras e factos alternativos com múltiplas consequências, ou não fossem os EUA a grande potência mundial. 

É evidente que o problema é universal, basta ver o que se passa nas campanhas eleitorais na Holanda e na França, só que na América a nota máxima em mentira está atribuída ao já presidente que entende, bem como os seus apoiantes, que os principais inimigos do país são a imprensa e os jornalistas, o que nos leva a dizer abençoada imprensa e abençoados jornalistas que se batem na luta pela verdade.

Por cá também não faltam mentiras institucionais e a mais recente, a do Núncio, é prenúncio que outras virão. É que não é pensável que num tempo de enorme escrutínio sobre as finanças públicas, os responsáveis pela área que tiveram de elaborar orçamentos do Estado e fazer várias retificações orçamentais, em que os impostos foram obviamente alvo de profunda análise, não tenham percebido o que se estava a passar com o movimento de capitais para offshores. Aliás a não divulgação estatística não é mais do que uma decisão deliberada de encobrimento de uma situação conhecida.

Mas como diz o povo a mentira tem a perna curta e, por isso, apesar da sua estatura primeiro-ministro, vice-primeiro-ministro (responsável pela diplomacia económica), ministros das finanças e secretários de estado, rodeados por chefes de gabinete, adjuntos, assessores e consultores vão ser apanhados na corrida a favor da verdade.

(Artigo publicado na edição de 9 de março, do Diário de Coimbra)