quinta-feira, 27 de março de 2014

O INCONSEGUIMENTO DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

1. Dentro de dias vamos comemorar 40 anos de regime democrático e logo a seguir vamos ter eleições europeias, o que significa que a nossa democracia representativa está a funcionar com normalidade. Só que nesses momentos iremos, decerto, replicar o discurso sobre a má qualidade política e confirmar o que tem sido o alheamento, melhor o afastamento, dos eleitores nos diversos atos eleitorais, levando a uma renovada confirmação da abstenção como a opção mais “votada”.  

Apesar dos pronunciamentos que todos os dias ouvimos é óbvio que em política a honestidade e o realismo não suscitam grande adesão dos eleitores. Há necessidade de acreditar num futuro melhor e diferente e isso leva-os, muitas vezes, por razões emocionais, a uma escolha frequente de projetos inconsistentes e de políticos enganadores. A política é, em larga medida, uma arte e, como tal, joga com a emoção pelo que é frequente a afirmação de que A ou B são “grandes políticos” uma vez que apesar de vazios de ideias e de comportamentos que suscitam dúvidas são bons atores. E os cidadãos até os apreciam por isso. 

Abril trouxe-nos a liberdade, a democracia, o estado social, mas nós esquecemo-nos de investir na sua preservação e desenvolvimento descurando a forma de recrutamento e de preparação dos nossos representantes, que leva a sermos representados por muitos que reconhecidamente não são os melhores. A lista conjunta do PSD e CDS às europeias, que tem a sua génese na crise Paulo Portas, é sem dúvida exemplo de uma lista fraca, mesmo medrosa, quando se exigiria uma representação forte no Parlamento Europeu particularmente neste momento difícil que a Europa vive.

Penso podermos dizer, parafraseando alguém com elevadas responsabilidades políticas, que estamos perante uma situação de inconseguimento de uma adequada representação política.   
  
2. Obviamente que este mal geral, de gravosas consequências, também se verifica por aqui. Temos o exemplo, a nível autárquico, do que foi o mais pernicioso período de gestão autárquica do nosso Município face à liderança camarária que tivemos no mandato iniciado em 2002 e cujas nefastas consequências vamos por muito tempo ter de suportar. Independente de uma gestão caótica, nunca, como no mandato então iniciado, a Câmara foi alvo de uma tão grande e grave desqualificação ética. 

Porque a recuperação deste abalo é lenta, dolorosa e difícil, para mais num contexto eleitoral de grande abstenção e de alguma desnecessária fragmentação político-partidária, os atuais órgãos municipais são chamados a travar um combate quotidiano de transparência e de dignificação através de uma inquestionável ética republicana. Este é talvez o maior desafio que atual Câmara e Assembleia Municipal hoje enfrentam. 

Coimbra tem sabido resistir a muita coisa mas é bom perceber que a cidade está muito ferida e que tem graves maleitas internas, pelo que não pode voltar a suportar o inconseguimento de uma adequada governance autárquica.

(Artigo publicado na edição de 27 de Março de 2014, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 13 de março de 2014

COM E SEM MANIFESTO



1. Ainda não me tinha recomposto do esforço feito a puxar pelas meninges para ver se compreendia como é que o país estava melhor e os portugueses pior, quando soube da descoberta de um novo dinossauro europeu na Lourinhã - o terrível “torvosaurus gurneyi”. Depois, com óbvio deleite, fiquei a saber que os “101 dálmatas” são motivo de inspiração para as europeias e de seguida apanho um brutal murro no estômago com a análise do presidente da República que faz antever que vou morrer caloteiro Parece, portanto, que o país é apetecível desde o jurássico e que agora até está melhor apesar dos portugueses, que encaram a europa com uma perspetiva lúdico-canina e são uns caloteiros sem remissão.  
 
Mas, mal tinha acabado de escrever este parágrafo quando surge um Manifesto, subscrito por um variado leque de personalidades da nossa vida pública e política - e que é talvez a posição pública mais interessante e importante tomada no nosso país nos últimos anos -, a propor a reestruturação da atual divida pública. Deduzi que esta tomada de posição, para mais de cidadãos informados, responsáveis e patriotas, tenderia a ajudar o governo numa negociação com os parceiros internacionais num momento crucial. Pois bem, o primeiro-ministro, apelador de consensos e perante um tão importante consenso, a primeira coisa que fez foi refutar o referido Manifesto.  

Várias serão as razões para a rápida reação do primeiro-ministro mas penso que há uma passagem no Manifesto que o terá motivado sobremaneira e em que se diz: “Sem reestruturação da dívida, o Estado continuará enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade. Deste modo, em vez de os ver resolvidos, assistiremos muito provavelmente ao seu agravamento em paralelo com a acentuada degradação dos serviços e prestações provisionadas pelo sector público.” É que este é, exatamente, um dos objetivos políticos centrais do atual governo.

2. Sobre a política do governo de Coimbra não há manifestos. Também a sua eleição é recente. Mas é bom ter consciência de que, apesar dos nós que tem de desatar e dos problemas que herdou, é urgente dar expressão ao prometido “mandato novo”. Hoje as formas e os tempos tradicionais da gestão e da ação política estão em crise, e os meses, os dias e a horas são cada vez mais curtos sendo, por isso, imperioso “voar politicamente”. A cada dia que passa sente-se, com maior acuidade, a necessidade de combater o desânimo que se nota em muitos daqueles que trabalham, vivem e amam a sua cidade. Todos têm consciência de que este não é o tempo das grandes obras, mas sim o tempo de aproveitamento das potencialidades endógenas e da sua potenciação, particularmente a nível cultural, assim como sabem que há feridas a tratar mas esperam, sobretudo, uma rápida injeção de vitaminas de novidade e de criatividade. 

(Artigo publicado na edição de 13 de Março de 2014, do Diário de Coimbra)