quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O ESCOAR DO PRESTÍGIO E DA IMPORTÂNCIA


Fora de Coimbra, tenho procurado acompanhar, concretamente através da comunicação social e em particular das televisões, as consequências das Depressões Elsa e Fabien.

Se as imagens são elucidativas do Vale do Mondego inundado partir de Coimbra e dos graves problemas para as populações de Soure e especialmente de Montemor-o-Velho têm vindo a enfrentar, também é possível perceber que alguns espaços e equipamentos importantes da cidade de Coimbra não foram poupados.

Contudo, tem sido evidente a ausência dos responsáveis institucionais do Município, seja na identificação dos estragos e dos problemas para as instituições e os cidadãos de Coimbra. Admito que no terreno estejam a trabalhar denodadamente mas a verdade é que não me apercebi até agora da existência de qualquer presença mediática a identificar os problemas concelhios e a transmitir uma imagem de liderança na sua resolução.

Já aquando dos grandes fogos, que assolaram dramaticamente a região centro e mesmo Coimbra em anos anteriores, houve um quase institucional silêncio solidário, contrariamente ao que aconteceu com cidadãos e empresas de Coimbra que se solidarizaram com os habitantes dos municípios da região e lhes doaram de imediato bens e assistência de uma forma espontânea mas algumas vezes angustiados e limitados na sua generosidade por não saberem como fazer chegar de forma organizada e controlada os seus contributos.

Ora esta repetição de ausência de, pelo menos, uma palavra institucional de solidariedade – incluindo dos Deputados pelo círculo de Coimbra -, vem agravar a imagem de uma cidade que pretende ser liderante na Região mas que nos momentos difíceis está ausente, entretida muitas vezes em questiúnculas de que são exemplos certos “debates” no Executivo municipal.

É recorrente uns acusarem Coimbra de perda de influência, outros dizerem exatamente o contrário e alguns sonharem-na Capital Regional, mas o que parece evidente é que uma cidade com a sua dimensão e com as óbvias mal-querenças bipolares que enfrenta dos que partilham o país, tem de se agarrar aos seus vizinhos apoiando-os e tornando-os permanentes parceiros de alegrias e sofrimentos se quer singrar.

Há uma prática e um simbolismo que são fundamentais na perceção dos cidadãos à aceitação de uma cidade que não sendo a sua partilha da sua vida e os ajuda, especialmente nos momentos difíceis e isto é um trabalho permanente que não permite omissões sob pena de cada vez mais ver, como vai acontecendo com as águas do Mondego, escoar o seu prestígio e a sua importância.

Mais importante do que parangonas a noticiar grandiosos festejos de fim-de-ano seria importante ouvirmos palavras e conhecermos atos de apoio e de solidariedade de Coimbra para com os atingidos – os de casa e os vizinhos - pelo infortúnio destes dias depressivos de ventos e de cheias.




quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

PERPLEXIDADES NATALÍCIAS


Há não muito tempo o então ministro das finanças da Holanda e presidente do Eurogrupo, Jeron Dijsselbloem, suscitou um enorme clamor por nos ter criticado pela forma leviana como gastávamos dinheiro e a seguir íamos pedir ajuda à Europa.

A forma como fez a critica foi particularmente infeliz e por isso o repúdio foi geral mas, na verdade, há coisas que são difíceis de entender tanto mais que não se compaginam com a verdadeira situação económico-financeira do país e que merecem a reflexão de todos nós cidadãos-contribuintes.

Não somos um país rico e são notórias as reclamações diárias pelas mais variadas carências em equipamentos e serviços públicos essenciais. Mesmo na nossa cidade são evidentes problemas e dificuldades que gostaríamos de ver resolvidas para que pudéssemos ter aqui melhor qualidade de vida e garantíssemos a fixação de empresas e de jovens quadros.

É evidente que há um conjunto de políticas públicas municipais que se anseiam, que exigem uma estratégia de médio e longo prazo e que envolvem a mobilização de significativos meios financeiros, não só para investimento municipal mas também para co-financiamento de projetos com fundos nacionais e/ou comunitários.

Mas é então que surgem algumas perplexidades. Em vez de se intervir na resolução de problemas estruturais entra-se numa estranha espiral despesista de que é exemplo a realização de um concerto, que não terá custado menos de quinze mil euros, num domingo à tarde, para assinalar a inauguração das iluminações de Natal e com o argumento de apoio ao comércio da Baixa. Mas no domingo à tarde poucos estabelecimentos estavam abertos e as iluminações cingem-se apenas a algumas ruas, as mais visíveis e habitualmente mais frequentadas.

Por outro lado se há a intenção, com a colocação de iluminações de Natal de tornar a cidade mais atrativa, o que ninguém contesta, o que não se percebe é porque não há um esforço para tornar a cidade mais atrativa permanentemente, alindado, as suas ruas, os seus espaços públicos e as suas entradas.

Depois também é difícil entender porque é que se fazem tantos concertos ao mesmo tempo na passagem do ano – alguns parece que são tabelados a noventa mil euros cada.

Claro que por estes dias é tudo muito bonito mas amanhã, quando houver dificuldades e não houver disponibilidades financeiras para coisas essenciais, os cidadãos ir-se-ão interrogar como foi possível isto acontecer.

Ninguém defende que nos limitemos a cantarolar o “Natal dos simples” mas importa um olhar sereno para estas situações porque estão em causa dinheiros públicos e é legitimo que não só nós – contribuintes, mas também os cidadãos e os políticos de outros países se interroguem sobre a razoabilidade do seu apoio financeiro, a bem da dita coesão, quando nós andamos a gastar fortunas em festas.


quinta-feira, 28 de novembro de 2019

FESTA SIM, MAS NÃO TANTO


Não sei se há algum ranking das cidades mais festivaleiras. Decerto que a nível internacional as nossas cidades ficariam bem classificadas e num ranking nacional Coimbra também não deve ficar nada mal.

Haver festa é bom, faz bem, é preciso. Claro que o ideal será haver momentos festivos integrados num contexto de permanente qualidade de vida. O que parece é que em muitos casos se fazem festas para que a alegria momentânea esconda alguma da tristeza permanente.

Aliás, quando consultamos os rankings de qualidade de vida e os inquéritos aos cidadãos dos diversos países sobre felicidade encontramos nos primeiros lugares os países nórdicos e isso não tem a ver com a existência ou a falta de festas, mas sim com um conjunto de indicadores positivos de natureza económica, social e política.

Mesmo quando se fala em cidades inteligentes e criativas não me lembro de ver entrar na classificação o número de festas que organizam. O mérito estará num investimento inteligente e numa criatividade bem aproveitada.

Mas também é verdade que há festas e festas. Muitos festivais são organizados por empresas que cobram entradas e como tal são um negócio como qualquer outro. Agora o que me parece estranho é que num país, que se debate com tantas dificuldades sociais e económicas e a falta de importantes infraestruturas, haja tantas festas suportadas com dinheiros públicos.

É sem dúvida uma opção estranha, concretamente parte dos municípios, porque estando os autarcas mais próximos das populações e conhecendo melhor as suas necessidades são os maiores promotores festivos. Será que as principais reivindicações dos cidadãos têm a ver com a necessidade de festas?

Obviamente que há quem entenda que esta política festiva rende votos e há um conjunto de empresas e empresários que ganham com este arraial. Aliás, as próprias televisões aproveitam esta “generosidade festiva” das Câmaras Municipais para os longos programas de fim de semana com que enchem as suas grelhas, poupando recursos e obtendo ganhos para os seus acionistas.

Neste momento, como vem sendo habitual e já está anunciado, está em curso uma grande operação, que envolve a competição entre municípios e cidades, para ver quem organiza a “melhor” festa de passagem de ano. É uma competição que, nalguns casos, leva a uma mobilização de meios e gasto de dinheiros municipais verdadeiramente desproporcionada em relação ao investimento realizado anualmente na cultura, no desporto, em equipamentos sociais, etc.

Repetindo o modelo do ano passado, em que gastou mais de 300.000 euros, a Câmara de Coimbra vai organizar uma festa de passagem de ano que conta com 4 palcos, em simultâneo, na zona da Baixa e fogo de artificio no Mondego. Ora se o ano passado os cidadãos de Coimbra pagaram, em média, 100.000 euros por hora para uma festa, este ano, dado o mesmo figurino, não deverão pagar menos.

Fazer uma festa, aberta a toda a gente, que tem como objectivo celebrar um momento e que no fundo se esgota nesse mesmo momento é verdadeiramente excessivo e não merece a pena falar em investimento na revitalização da Baixa porque os resultados foram nulos.

Não é uma grande festa de passagem de ano que torna Coimbra mais cosmopolita, mais culta, mais solidária, mais bonita e mais rica, como quem aqui vive e trabalha deseja. Pode haver, no dia seguinte, simpáticas parangonas nos jornais mas que, obviamente, não compensam o desconsolo dos problemas e das carências sentidas em tantos outros dias do ano.


O SURPREENDENTE PAÍS REAL

No suplemento de Economia do semanário Expresso do passado sábado, é publicado um curioso artigo: “Concelhos de pobres, carros de rico”, em que é feita uma análise comparativa, com base em dados oficiais, entre o nosso parque automóvel e o rendimento declarado pelas famílias.

Por essa análise circunstanciada conclui-se que Felgueiras é concelho que tem maior concentração de carros de luxo e premium (L&P) face ao total (28%) seguido de Miranda do Douro e Montalegre (27%), Pinhel (26%), Oeiras e Aguiar da Beira (25%).

Mais, neste segmento de carros L&P há 168 municípios onde há um número de carros superior à média nacional - que é de 1,2 carros por €100 de rendimento declarados -, destacando-se Montalegre (2,7), Aguiar da Beira (2,6), Vila Verde (2,4), Póvoa de Lanhoso, Oeiras e Felgueiras (2,).

E, ainda, dos 140 concelhos com menos rendimento declarado ao Fisco por habitante 69 estão entre os primeiros de carros L&P por habitante.

Como por aí se pode ver é no norte e cento do país, em municípios considerados deprimidos e abandonados – o dito país real -, e em que os cidadãos são apresentados como idosos e pobres, que há um parque automóvel que supera significativamente o dos cidadãos dos municípios mais ricos.

Como explicar isto? Há várias respostas, algumas que exigem a nossa imaginação, mas o que se verifica é que o afastamento das grandes áreas urbanas e, nalguns casos, a vida simples, pastoril e de alguma agricultura de subsistência são sinónimo de sucesso em carros de topo de gama.

Há, contudo, algumas situações mais claras e que se compreendem bem, como é o caso de Felgueiras, em que os carros L&P são 28% do parque automóvel local, e é também o 9º concelho do país com mais Ferrari por habitante e o município onde há mais Porsche e Jaguar por cada milhão de IRS pago, porque há aí uma relevante actividade industrial.

Claro que em muitos casos os carros estão em nome das empresas e não dos empresários que os utilizam e que se queixam das dificuldades económicas que vivem e que apelam repetidamente ao Governo por mais e mais apoio, ao mesmo tempo que contestam a decisão de aumento do salário mínimo para uns astronómicos 635 euros mensais.

Vivendo uma situação de apregoada necessidade de coesão territorial, através do reforço da coesão económica e social, parece que temos de considerar uma situação de coesão automóvel e sobretudo de justiça fiscal, para pôr cobro aquilo que os técnicos designam por efeito “Manuel Damásio” - declaração sistemática às Finanças do salário mínimo, como rendimento.





quinta-feira, 14 de novembro de 2019

FESTA SIM, MAS NÃO TANTO


Não sei se há algum ranking das cidades mais festivaleiras. Decerto que a nível internacional as nossas cidades ficariam bem classificadas e num ranking nacional Coimbra também não deve ficar nada mal.

Haver festa é bom, faz bem, é preciso. Claro que o ideal será haver momentos festivos integrados num contexto de permanente qualidade de vida. O que parece é que em muitos casos se fazem festas para que a alegria momentânea esconda alguma da tristeza permanente.

Aliás, quando consultamos os rankings de qualidade de vida e os inquéritos aos cidadãos dos diversos países sobre felicidade encontramos nos primeiros lugares os países nórdicos e isso não tem a ver com a existência ou a falta de festas, mas sim com um conjunto de indicadores positivos de natureza económica, social e política.

Mesmo quando se fala em cidades inteligentes e criativas não me lembro de ver entrar na classificação o número de festas que organizam. O mérito estará num investimento inteligente e numa criatividade bem aproveitada.

Mas também é verdade que há festas e festas. Muitos festivais são organizados por empresas que cobram entradas e como tal são um negócio como qualquer outro. Agora o que me parece estranho é que num país, que se debate com tantas dificuldades sociais e económicas e a falta de importantes infraestruturas, haja tantas festas suportadas com dinheiros públicos.

É sem dúvida uma opção estranha, concretamente parte dos municípios, porque estando os autarcas mais próximos das populações e conhecendo melhor as suas necessidades são os maiores promotores festivos. Será que as principais reivindicações dos cidadãos têm a ver com a necessidade de festas?

Obviamente que há quem entenda que esta política festiva rende votos e há um conjunto de empresas e empresários que ganham com este arraial. Aliás, as próprias televisões aproveitam esta “generosidade festiva” das Câmaras Municipais para os longos programas de fim de semana com que enchem as suas grelhas, poupando recursos e obtendo ganhos para os seus acionistas.

Neste momento, como vem sendo habitual e já está anunciado, está em curso uma grande operação, que envolve a competição entre municípios e cidades, para ver quem organiza a “melhor” festa de passagem de ano. É uma competição que, nalguns casos, leva a uma mobilização de meios e gasto de dinheiros municipais verdadeiramente desproporcionada em relação ao investimento realizado anualmente na cultura, no desporto, em equipamentos sociais, etc.

Repetindo o modelo do ano passado, em que gastou mais de 300.000 euros, a Câmara de Coimbra vai organizar uma festa de passagem de ano que conta com 4 palcos, em simultâneo, na zona da Baixa e fogo de artificio no Mondego. Ora se o ano passado os cidadãos de Coimbra pagaram, em média, 100.000 euros por hora para uma festa, este ano, dado o mesmo figurino, não deverão pagar menos.

Fazer uma festa, aberta a toda a gente, que tem como objectivo celebrar um momento e que no fundo se esgota nesse mesmo momento é verdadeiramente excessivo e não merece a pena falar em investimento na revitalização da Baixa porque os resultados foram nulos.

Não é uma grande festa de passagem de ano que torna Coimbra mais cosmopolita, mais culta, mais solidária, mais bonita e mais rica, como quem aqui vive e trabalha deseja. Pode haver, no dia seguinte, simpáticas parangonas nos jornais mas que, obviamente, não compensam o desconsolo dos problemas e das carências sentidas em tantos outros dias do ano.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

MEMÓRIA E DESPERDÍCIO


Por estes dias vivem-se memórias. Lembram-se familiares, amigos, conhecidos ou simplesmente rostos com que nos cruzámos e que já não estão entre nós.

Entre as celebrações religiosas e os apelos comerciais do halloween anglófono, somos convocados a momentos de recolhimento em que recordamos os seres humanos que partilharam as nossas circunstâncias e foram decisivos na consolidação daquilo que somos.

Colectivamente temos o hábito de lembrar e elogiar as qualidades e os méritos daqueles que vão partindo esquecendo as coisas menos positivas, que tantas vezes nos incomodaram ou actos que protagonizaram e que reprovámos.

Não penso que isto aconteça por hipocrisia ou mero ritual social mas, na verdade, a consciência de que perdemos um ser humano que em vida nos acompanhou, que fez parte do nosso tempo e porque sentimos de modo especial que a nossa vida tem um fim.

Talvez nestes dias possamos também reflectir se soubemos considerar e aproveitar plenamente, até ao fim das suas vidas, as capacidades, qualidades e méritos de todos os que recordamos e que nos aprestámos a elogiar quando já não é possível fazer nada.

Estabelecemos burocraticamente um tempo de vida útil, equiparámo-nos a uma máquina, a um qualquer equipamento, a um electrodoméstico, etc.; esquecendo as características humanas pessoais, os conhecimentos, a experiência acumulada, a sabedoria e a vontade e disponibilidade cidadã, desperdiçando, por isso, a partir de certo momento da vida de cada um de um somatório de saberes que poderia contribuir muito positivamente para o bem comum.

Coimbra é sem dúvida paradigmática neste aspecto. Sem medo de errar, penso que será a cidade do país que, em percentagem per capita, terá maior número de cidadãos com formação superior reformados, aposentados e jubilados, relativamente à sua população, graças à sua dimensão demográfica e fruto da composição do seu tecido económico, em que o ensino superior e os serviços altamente especializados assumem especial relevância.

Ora, acontece que, anualmente, entram aqui na situação legal de reformados dezenas de cidadãos que ficam proibidos de ser activos úteis. É verdade que muitos procuram um envelhecimento activo e continuam a fazer coisas úteis para a comunidade, mas não há dúvida que a cada ano que passa se desperdiça um imenso e precioso capital humano de experiência e de saber.

O problema não é apenas de Coimbra, é geral. Mas não poderíamos, a nosso nível, tentar encontrar soluções institucionais criativas de aproveitamento da disponibilidade de tantos desses cidadãos para colaborar na permanente construção da nossa cidade?












quinta-feira, 17 de outubro de 2019

POR AMOR À CIDADE


Hoje há uma nova geografia das cidades que reflete a sua renovada importância, depois de uma certa subalternização, concretamente na Europa, pela adoção de uma paradigmática ideia da Europa das Regiões.

Não serão as “Cidades Invisíveis” de Italo Calvino, que sabe sempre bem ler, são as cidades reais que durante séculos nos trouxeram o desenvolvimento económico, cultural e social e também algo muito importante de que tantas vezes nos esquecemos – a liberdade. Uma liberdade pura, de alto a baixo.

Hoje as cidades apresentam-nos novos ingredientes, novas magias. É a criatividade que se soma aos seus outros atributos e que tantas vezes nos espanta com coisas novas e inesperadas.

Então, quando as cidades nos contam histórias de séculos, que se entretecem com os novos modos de vida da sociedade de informação, e se assumem como espaços de qualidade de vida porque no seu quotidiano se trabalha em função dos seus habitantes e dos seus utilizadores, percebemos porque certas cidades são tão marcantes e verdadeiros ímanes que atraem e marcam de forma especial.

Aliás, as cidades são também, em larga medida o berço de novas políticas e novos políticos sendo notório que destacados políticos e governantes só o são porque fizeram a sua aprendizagem e o seu trabalho enquanto autarcas.

É neste quadro que temos o dever de olhar e pensar a nossa cidade e de ter conta que não são despiciendas muitas das preocupações que tantos sentem relativamente a um ficar para trás de Coimbra no ranking urbano nacional. Para mais, percebendo-se que estamos perante um novo ciclo de políticas urbanas, particularmente virado para as questões ambientais e culturais, mais do que para grandes obras, é preciso alargar horizontes.

Assim, e num quadro político local, que se fragmentou sem proveito nas últimas eleições autárquicas, devem com tempo - tempus fugit –, nomeadamente os partidos estruturados e com uma base consolidada, trabalhar no sentido de equacionar e apresentar aos eleitores uma nova forma de encarar cidade e de lhe dar futuro.

A este desafio acresce o de conseguir combater o cansaço e o descrédito dos eleitores, bem traduzido na elevada taxa de abstenção. É que a nossa cidade pela sua história e pelas suas reconhecidas potencialidades gera expectativas elevadas que se confrontam com dificuldades e debilidades, nem sempre percetíveis, que depois geram desalento e desconforto.

Certo é que neste tempo de tanta, tão rápida e fácil acesso à informação é possível encontrar boas pistas de trabalho tendo sempre em atenção as nossas especificidades. Potenciar e trabalhar o que é genuinamente nosso com criatividade e ambição é, decerto, uma das chaves do sucesso.

Ler “Por Amor às cidades”, de Jacques Le Goff, e depois “O Urbanismo depois da Crise” de Alain Bourdain é uma boa ajuda.





quinta-feira, 3 de outubro de 2019

DISPUTA PEXINEIRA


Um dos episódio de infância, que me vem ciclicamente à memória, tem a ver com uma disputa comercial entre as duas pexineiras – para os camponeses da região os habitantes da Nazaré eram conhecidos por pexins (os homens) e pexineiras (as mulheres) – que vinham vender o peixe à minha aldeia, a uma dezena de quilómetros da Nazaré.

Já lá vão mais de seis décadas. Os tempos eram duros, muito difíceis para aquelas comunidades, e na Nazaré, onde não havia porto de mar, os naufrágios eram frequentes porque os pescadores na luta pela sobrevivência se lançavam ao mar para apanhar algum peixe que permitisse a subsistência da família, mesmo tendo consciência dos riscos que bem conheciam.

Para além as “sete” saias, o que distinguia as mulheres – as pexineiras – era sobretudo a tristeza dos rostos, o sulco das lágrimas e o preto do luto pelos pais, maridos e filhos que o mar lhes roubava.

Sempre que o mar mais bonançoso permitia uma faina mais serena e enchia as redes as pexineiras partiam para as feiras das vilas vizinhas e para as aldeias da região com as suas canastras à cabeça, para vender o peixe.

À minha aldeia chegavam de manhã, na camioneta da carreira, as canastras vinham no tejadilho da camioneta que depois o cobrador descarregava, com uma extraordinária agilidade, para o muro fronteiro à Capela da Senhora do Amparo e dali partiam, a Arlinda e a Vitalina, para a venda.

Não eram bem concorrentes, tinham praticamente clientes certos a quem tratavam como familiares, e muitas vezes nem havia dinheiro no negócio, era uma troca por produtos do campo que iam enchendo a canastra enquanto o peixe ia sendo esvaziado. Aliás, nos duros meses de inverno, quando o mar não admitia incursões, elas levavam os carapaus secos para troca ou um apelo de mãos vazias, a uma garrafa de azeite – era o tempo da safra – ou a uma pequena tora de toucinho – era o tempo das matanças do porco.

Claro que nestes pequenos mundos nem tudo era “paz e amor”. Havia os normais conflitos e disputas das pequenas comunidades e as pexineiras apesar de uma clientela relativamente bem sistematizada não se coibiam de algumas habilidades que dessem algum ganho para a dura causa da subsistência da família.

Assim eram habituais as discussões, que surgiam entre as duas, enquanto aguardavam a camioneta de regresso a casa. Ora para os miúdos da aldeia estes eram momentos extraordinários sobretudo pelas coreografias que pontuavam a discussão, de que diga-se era difícil perceber alguma coisa, fosse pelo conteúdo, fosse pelo forte sotaque. O encanto estava no extraordinário espetáculo de as ver desgrenhar-se, puxarem os cabelo e levantarem as saias enquanto vociferavam uma frente a outra, num espalhafatoso combate gritado.

Depois a carreira chegava, lá entravam as duas e a Senhora do Amparo sossegava no seu altar e nós divertidos íamos às nossas brincadeiras à espera da próxima sessão, que decerto aconteceria na semana seguinte.

Destas cenas, de que guardo a memória de infância, lembro-me muitas vezes nos tempos das campanhas eleitorais.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O CARBONO E A VACA


A gravidade dos problemas climáticos que se têm vindo a sentir e que estão cientificamente identificados, levou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a convocar uma Cimeira para a Acção Climática, para o próximo dia 23 de setembro, alertando que ignorar as as alterações climáticas é ”suicida” , que “este é o desafio sobre o qual os líderes desta geração vão ser julgados” e que “esta é a batalha das nossas vidas”.

Conhecendo os principais actuais líderes políticos e tendo em conta que a prioridade dos lideres empresariais é, pura e simplesmente, o lucro é de temer que as palavras de António Guterres apenas tenham eco nalgumas franjas da sociedade civil e nalguns académicos, e que, consequentemente os resultados práticos não sejam o necessário nem o suficiente.

O modo de vida, que durante as últimas décadas construímos, está profundamente estruturado e demasiado arraigado para que rapidamente sejam possíveis as alterações profundas necessárias à alteração do paradigma civilizacional pelo qual se lutou. É verdade que vamos tendo algumas manifestações de preocupação perante a “emergência climática” que se vive e que se tem vindo a agravar de modo exponencial, mas as medidas concretas na maior parte dos caso são simbólicas.

Está neste caso a decisão tomada pelo reitor da Universidade de Coimbra (UC) de não haver carne de vaca nas ementas das cantinas universitárias, a partir de janeiro do próximo ano, face à poluição que a criação bovina representa. Independentemente do real mérito da decisão a verdade é que ela assumiu uma significativa dimensão mediática e aí temos instalada a “Questão da vaca”.
É natural que a universidade coloque questões relevantes, que faça uso do seu know-how cientifico para justificar as suas posições e, sobretudo, que actue e corrija naquilo que é responsabilidade própria, dando o exemplo e contribuindo para uma mudança e formação comportamental dos alunos, que são as elites de amanhã.

O reitor também anunciou outras medidas de natureza ambiental de ataque ao CO2, menos controversas mas importantes, havendo uma, que apenas ouvi sussurrar, relativa à circulação automóvel no Polo I que merece atenção urgente, porque ela não tem só a ver com poluição ambiental, mas também com poluição visual e é uma afronta ao património histórico da UC – o estacionamento automóvel no parque da Porta Férrea!

É uma verdadeira afronta à UC aquele estacionamento, que servirá a reitoria e professores, que deveria ser encerrado de imediato constituindo-se numa decisão exemplar, não controversa, dignificadora da imagem da UC e demonstrativa da vontade e da força da actual equipa reitoral.

Aliás, se há elemento poluidor em Coimbra – uma cidade de serviços – são os automóveis. Eles são os principais emissores de CO2 da cidade e por isso, para que a UC, que está situada no coração da cidade, seja a primeira universidade portuguesa neutra em carbono, os Polos universitários deveriam ser considerados, com urgência, “Territórios Livres de Automóveis Privados”, neles apenas podendo entrar e circular transportes públicos e velocípedes.



quinta-feira, 5 de setembro de 2019

IMPORTANTE NÃO É O QUE SE DIZ, MAS QUEM O DIZ


É sabido que mais importante do que o que se diz é quem o diz.

Por exemplo: se eu disser que estou a planear uma intervenção nos jardins, rotundas, separadores centrais de ruas e avenidas, e espaços públicos de Coimbra, plantando flores ou instalando canteiros, de modo a que a cidade vença o ar vazio e pouco cuidado que a diminui e aumente a auto-estima dos seus habitantes e a empatia dos visitantes, ninguém levará a sério esta afirmação ainda que com ela possa concordar.

Com efeito tendo o único poder de sonhar não posso fazer nada de concreto e, como tal, posso dizer coisas interessantes que se limitam a morrer frente aos olhos de quem me lê.

Outra coisa seria o presidente da Câmara dizer exatamente o mesmo. Aí haveria de imediato quem se congratulasse e que aguardasse expectante que no outono que aí vem, bom momento para início dos trabalhos, se começasse a ver a terra remexida para as plantações e a colocação dos primeiros canteiros a expulsarem carros de algumas das nossas simpáticas pracinhas que são importantes espaços de respiração no tecido urbano.

Como se percebe a mesma afirmação suscita duas atitudes diferentes porque quem as faz tem responsabilidades, capacidades e estatutos totalmente diferentes.

Outro exemplo. Em 13 de dezembro de 2018 publiquei, neste mesmo espaço, um artigo “Obrigado à comunicação social”, em que defendi a importância de uma comunicação social livre e forte como condição essencial à nossa democracia e à nossa respiração cívica, e em sugeria que as Câmaras Municipais atribuíssem uma assinatura anual dos jornais locais aos jovens residentes nos seus Municípios, com base numa solução a acordar com esses órgãos de comunicação social.

Claro que a minha sugestão, que não teve qualquer recetividade, permitiria não só ajudar de forma imparcial e isenta uma comunicação social que notoriamente enfrenta dificuldades, mas também ganhar e fidelizar leitores.

Pois bem, não é que por estes dias, o presidente da República veio defender incentivos do Estado aos media, face às dificuldades que estes atravessam, sugerindo, por exemplo, incentivos à leitura de jornais por jovens nas escolas, através do financiamento de assinaturas.

Ora se a minha proposta não terá merecido mais do que um condescendente sorriso momentâneo, a sugestão do presidente da República tem um peso relevante e os responsáveis políticos, concretamente os autárquicos, deviam considerá-la. É que sem prejuízo de medidas de âmbito governamental há uma necessidade, que para Coimbra é uma emergência, de conseguir criar uma visão, uma estratégia e uma vontade regional que precisa da voz da comunicação.

Para que se possa falar de um aeroporto para servir a região centro ou de um sistema de mobilidade trans-municipal é preciso criar sinergias de identidade e de proximidade que só serão possíveis com uma comunicação social regional forte e livre.

Por isso, talvez fosse bom dar atenção não às minhas mas às sugestões do presidente da República, porque verdadeiramente importante não é o que se diz mas quem o diz.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A ARTE DE SER AVÔ


Fui buscar o título deste artigo a um livro que tive o privilégio de receber como prenda “L’Art d’Être Grand-Père”, de Victor Hugo. Trata-se de uma coletânea de poesia, do grande escritor francês, que vou tentando ler ao mesmo tempo que vivo o encantamento de ser avô.

Mas haverá uma arte de ser avô? Estou certo que sim. Cada avô e cada Avó são, à sua maneira, artistas.

O problema que enfrentamos, aqui em Coimbra, está na existência de condições e equipamentos públicos que nos permitam realizar plenamente a nossa arte avoenga.

Com efeito, a definição e existência de uma rede de equipamentos, a nível de parques infantis, no município, não será consentânea com as necessidades e aqueles que existem são pequenos com limitados, e, em muitos casos impossíveis de utilizar no verão e no inverno porque não têm qualquer cobertura.

Aliás, há uma preocupação incomensurávelmente superior em arranjar parques de estacionamento para os automóveis e até mesmo para passear o cão do que fazer parques infantis estratégicos e adequados que permitam às crianças brincar e exercitar-se, sem atropelos.

Também há uma segmentação etária, concretamente com parques para os mais pequenos e depois alguns parques (?) com equipamentos para exercício dos seniores, que não faz sentido. Com efeito seria salutar espaços com equipamentos que permitissem o exercício convivial entre benjamins, infantes e seniores.

É difícil para muitos avós, para mais quando “tomam conta” de mais que um neto, terem de se deslocar de carro a um parque infantil que dista alguns quilómetros da sua casa para que estes possam divertir-se, exercitar-se e socializar.

Aliás, a ida ao parque infantil apresenta-se muitas vezes como uma “aventura”, para que se aguarda com expectativa o fim-de-semana ou uma data especial, quando deveria ser uma possibilidade permanente.

Quando se pensa em Coimbra fala-se de tanta coisa, decerto importante, mas esta é uma questão omissa que não se vê ser colocada na agenda da cidade, como deveria ser, até porque os primeiros anos de vida são marcantes para memória futura, e há coisas elementares que levam a que os mais pequenos nunca esqueçam e que os leve a assumir decisivamente e para o resto das suas vidas, o amor pela cidade.

Hoje a cidade tem um conjunto de parques e espaços verdes, regra geral desarticulados e em muitos casos mal aproveitados, que merecia a pena olhar e considerar de uma forma nova, tanto mais que temos também, na nossa arte de avós, de procurar variar nos espaços para levar os netos e os desenjoar do baloiço de sempre.

Neste contexto, por mim, gostaria muito de ter na minha cidade um parque amplo, com alguns árvores e alguns equipamentos inovadores, mas em que fosse possível correr, jogar, empoeirar-se e enlamear-se sem constrangimentos, novos e velhos. Enfim um “Parque de Liberdade”, para os cidadãos da Coimbra do futuro.


quinta-feira, 25 de julho de 2019

CULTURA CAPITAL


A Câmara quer candidatar Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027, mas não sei se Coimbra quer ter essa responsabilidade.

Nas últimas décadas foi afirmado que Coimbra queria isto aquilo, quase sempre relevantes projetos, que envolveram diversificados grupos de trabalho, reputados técnicos, aprofundados estudos e muito dinheiro gasto, com resultados dececionantes ou nulos.

Coimbra quis ser Cidade da Saúde, investiu numa feira temática, em trabalho técnico com apoio comunitário e foi tudo por água abaixo. Quis participar no EURO 2004, e acabou por ter acrescidos encargos porque os opositores da participação - por causa dos custos -, uma vez no poder, gastaram mais de um milhão de contos (moeda da altura) num outro estádio (?) de futebol de que ainda hoje não se sabe se está em situação legal. Quis ter o seu Programa Polis e porque houve mudança de poder autárquico viu o projeto truncado e acabado a meio.

Coimbra quis ter um metro ligeiro de superfície, como tantas outras cidades europeias de idêntica dimensão, para substituir uma velha e ultrapassada solução ferroviária pesada que, para mais, lhe barrava o acesso ao rio e acabou, muito graças ao contributo duma intensa guerrilha interna, que o poder central agradeceu, por chegar até aos dias de hoje sem solução pesada nem ligeira.

Coimbra foi Capital Nacional da Cultura e o resultado foi frustrante acabando por contribuir para a falência desse projeto nacional.

E, tudo isto, porquê? Razões muitas não faltarão. Mas a inexistência de uma visão global para a cidade, assumida pelos diversos poderes aqui existentes; o medo do futuro, fruto de um saudosismo doentio; a falta de lideranças políticas e sociais qualificadas e mobilizadoras; a infantilização das disputas partidárias; a dificuldade em olhar e cativar a região em redor; e, muito em particular, a incapacidade de mobilização transversal dos cidadãos de uma cidade média que é culturalmente e socialmente diversa.

Claro que um projeto desta natureza, que implica uma visão de médio prazo, suscita múltiplas interrogações e uma basilar, particularmente para o Grupo de Trabalho, será a de perceber que Cidade será ou pode ser Coimbra em 2027. Haverá uma “nova” cidade, um novo paradigma urbano nesta cidade universitária, determinado pelo contexto externo e/ou por vontade e mérito endógeno?

O Grupo de Trabalho da Candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura 2027 vai trabalhando e do seu trabalho vai decerto resultar uma proposta competente, devendo no entanto ter em conta que se a candidatura não tiver vencimento lhe serão imputados todos os males e cobrados todos os cêntimos; e que se for vencedora dificilmente verá muitas das suas propostas concretizadas porque entretanto haverá dois atos eleitorais autárquicos e logo irredutíveis vontades de mudar tudo.

A manter-se o atual ambiente urbano de acédia coletiva e porque a cultura não é aqui hoje capital, será que Coimbra quer mesmo ser Capital Europeia da Cultura em 2027?

quinta-feira, 11 de julho de 2019

ANO DE AMEIXAS


Ano de ameixas é ano de queixas. Uma rima fácil para uma verdade empírica em risco de colapso. Este ano há um excesso de ameixas o que quer dizer que não vão faltar queixas. Contudo, mesmo que não houvesse uma única ameixa ao cimo da terra nunca faltariam queixas porque é um ano eleitoral.

As queixas fazem parte do nosso quotidiano. Queixa-mo-nos de tudo e mais alguma coisa. Até nos queixamos das queixas. Por isso façamos bom uso das ameixas e deixemos de lhes imputar a responsabilidade pela dimensão e intensidade das queixas. Melhor será tentar uma rima ou um trocadilho que envolva as queixas e as redes sociais porque é aí que agora está o busílis.

Queixa-mo-nos do que temos e do que não temos, com a ressalva de que nos queixamos muito pouco de nós próprios. Eu queixo-me de não me queixar mais. É uma falha que reconheço e que resulta do facto de gostar – cada vez mais - do meu país e da minha cidade. Não sou responsável por ter nascido aqui, mas sou responsável por viver em Coimbra e isso inibe-me de alguns queixumes.

Há quem escolha viver num determinado sítio pela negativa, isto é, escolhe viver ali porque não existem coisas de que não gosta. A contrario eu escolhi viver aqui porque aqui existem coisas de que gosto. O que me perturba é ver que há algumas dessas coisas que vão desaparecendo, ou sendo postas em crise e outras, ainda, que não são suficientemente exponenciadas.

Estamos a viver um momento de profundas transformações sociais, económicas e políticas, a uma velocidade estonteante, e não estamos, por aqui, a ser capazes de apanhar o ritmo nem de perceber a melodia. Definitivamente encalhámos. Conseguimos, nestes últimos anos, resolver muitos problemas infraestruturais e agora que temos a possibilidade de dar o passo seguinte dá ideia que não há ideias. Falta rasgo, imaginação, criatividade e, também, um olhar de águia sobre o nosso quotidiano, que nos obrigue a corrigir as pequenas/grandes maleitas que nos desgostam.

Pior. Entrámos, à semelhança do que acontece por esses país fora, em modo festivaleiro, consumindo recursos relevantes, sem mérito e sem retorno, que nos irão fazer falta para projetos estruturais e de futuro. Há uma espécie de esquizofrenia, caracterizada por um mar de queixas de baixos salários, desemprego jovem, taxas moderadoras na saúde, preço dos combustíveis, etc, etc, etc., e, por outro, por um mar de festivais financiados com dinheiros públicos pelas autarquias ou pagos, e bem pagos, por milhares de queixosos.

Hoje, está provado, que podem faltar ameixas mas o que não faltam são queixas.





quinta-feira, 27 de junho de 2019

ONDE ESTAMOS E PARA ONDE QUEREMOS IR


Coimbra é uma boa cidade para viver, mas podia ser melhor. Esta é a síntese do que se ouve, do que se lê e do que se sente. Havendo um contentamento pelo que a cidade oferece nota-se uma certa falta de “joie de vivre”, motivada por insuficiências de planeamento e organização e, sobretudo, pela ausência de um sentido de futuro.

Duas coisas parecem hoje cada vez mais evidentes no processo de gestão das cidades: a procura duma inteligência global na sua organização e funcionamento e um desígnio de felicidade coletiva.

Em Coimbra não tem faltado quem se pronuncie sobre estas questões e agora que se aproxima o Dia da Cidade (4 de julho) decerto que não faltarão mais reflexões, comentários e discursos que, independentemente do ponto de vista dos seus autores, deverão merecer atenção, tanto mais que estamos a viver um momento de elementares indefinições e de incoerências.

Dizia há dias António Guterres que a sua geração, de que faço parte, falhou na resposta à emergência climática e eu sou tentado a dizer que a minha geração conimbricense está a falhar na resposta à emergência de uma Coimbra confusa, insegura e tristonha. Para mais é incompreensível que numa cidade de smart people não haja a capacidade de encontrar pontos de apoio para, parafraseando Arquimedes (Deem-me um ponto de apoio e levantarei o mundo), alavancar Coimbra.

Noticiava o Diário de Coimbra as Festas de Coimbra e dava conta de um extenso programa de 7 dias, com eventos variados, mas em que o destaque vai para músicos nacionais, por isso sublinhava “Made in Portugal” em detrimento de uma ambicionado “Made in Coimbra”. Mas fará sentido uma programação de 7 dias (!) de festa com tantas contratações de espetáculos com elevados custos, para assinalar o dia da cidade? Mais, haverá aqui alguma visão estratégica de preparação da candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027, como outras cidade já estão a fazer? O dia da cidade não deveria ser um momento especial e particular de exaltação dos seus valores, méritos, competências e capacidades, que um programa de festas como este menoriza completamente?

Aliás se pensarmos no que aconteceu na celebração da passagem de ano em que se gastaram milhares de euros em variadíssimos espetáculos na Baixa, que se dizia tinham em vista contribuir para a revitalização daquele espaço, concluiremos que de uma macro despesa resultou um micro beneficio apenas para alguns estabelecimentos comercias que estiveram abertos naquela noite, porque de resto na Baixa nada mudou.

Contando com as festas académicas e com outras festividades avulsas, Coimbra está-se a transformar numa “sempre em festa” em que se pretende animar para colmatar a ausência da verdadeira animação que é a de melhorar inteligentemente o seu quotidiano em termos de limpeza, de arranjo dos espaços públicos e de modernização das suas infraestruturas.

E quando se pensa num dos principais problemas que a cidade enfrenta – a mobilidade, é legitimo perguntar-mo-nos se faz sentido, no mesmo momento em que se aposta e muito bem nos transportes coletivos e na mobilidade elétrica, falar em parques de estacionamento no centro da cidade? Isto não é um contra senso, para mais quando se reativa a Ecovia que é uma aposta em parques periféricos com transporte público urbano dedicado?

Mais ainda, que sentido faz a aposta serôdia em eventos motorizados, para mais dentro da cidade, quando a grande aposta das cidades vai no sentido da diminuição do automóvel e na consolidação da ideia de que as cidades são para as pessoas?

Veja-se Zurique, que é apontada como um exemplo no que se refere à mobilidade urbana e ao uso do transporte público, e oiçam-se os seus responsáveis referir que o processo que hoje é visível mas que começou vai para três décadas. Portanto este é um processo longo e difícil, tanto mais que a poderosa indústria automóvel não vai facilitar, que exige uma estratégia clara, coerente e consequente.

Até apostámos no arranque de um rally no coração da cidade e da universidade por razões de marketing turístico quando a oferta turística na cidade se resume, em larga medida, a uma visita à Universidade – e atenção também aqui deveríamos olhar para o que ainda recentemente Bruges decidiu na limitação do acesso turístico pela degradação urbana que está a provocar – e depois a um carreirinho de formigas que vai por ali abaixo, desce o Quebra Costas e chega à Portagem.

Não sei se será pedir muito mas, no tempo que resta há minha geração, gostaria de ver a minha cidade mais organizada, mais interveniente nos grandes combates como seja o das questões climáticas, que saiba para onde quer ir e, consequentemente, mais feliz e não pressentir a censura futura de que fomos incapazes de preservar e valorizar esta cidade, que é boa para viver mas que poderá ser muito melhor.