Era
aqui notícia de primeira página, na edição de ontem, a avaria do Basófias
motivada pela areia e pelo lixo que afogam o Mondego. Nada que se estranhe
porque é um processo a que se vem assistindo há muitos anos e que tem contado
com uma inércia com os inertes que é bem espelho de uma incapacidade de
planeamento e intervenção de determinadas entidades mas também e, é isso que
mais apoquenta, de uma ausência de reação da cidade e dos cidadãos.
Uma
das razões apontadas para o sucesso e o desenvolvimento de determinadas cidades
ou comunidades é o seu capital cívico. Partindo de situações particularmente
difíceis vimos cidades que emergem com uma vitalidade particular e quando se
analisam as causas desse sucesso encontra-se, invariavelmente, na sua base, um
forte capital cívico. Pelo contrário outras vão sendo ultrapassadas e entram em
decadência pela ausência ou fragilidade desse mesmo capital cívico.
O
esvaziamento da sociedade civil, mormente da sua capacidade de intervenção de
forma permanente e ativa, tem sido um dos grandes handicapes da nossa cidade, questão que não é de hoje e que não
advém, como muitos referem, do uso das novas tecnologias e das redes virtuais
que estas permitem. A este propósito é interessante uma passagem “Da Democracia
na América”, de Tocqueville, que viveu no séc. XIX, que diz: “Vejo uma multidão
incontável de homens semelhantes e iguais que se debatem sem descanso, buscando
os pequenos prazeres vulgares com que preenchem as almas. Cada um, ensimesmado
e à parte, é como um estranho ao destino de todos os outros: os seus filhos e
os seus amigos particulares formam para ele toda a espécie humana; quanto a relacionar-se
com os seus concidadãos, estão eles a seu lado, mas não os vê; toca-os e não os
sente; existe tão só em si para si mesmo apenas (…).
Se
esta “profecia” que se vai confirmando nos incomoda, para mais numa cidade com
a dimensão da nossa, a sua história e características, é fundamental um esforço
de revalorização do nosso capital cívico. A classificação de Património da
Humanidade, pela UNESCO, é uma oportunidade para essa revalorização porque nos
obriga a olhar com mais atenção e minúcia para o nós mesmos, sabendo que somos
alvo de uma reforçada e requalificada atenção a nível planetário.
O
combate ao lixo e ao desleixo do espaço público, à degradação dos monumentos e
do património edificado, têm de ser bandeiras e causas de bons combates em duas
frentes: chamada permanente de atenção das entidades responsáveis, mas, e antes
de tudo, a uma intervenção cívica concreta e permanente de todos.
Também
aqui tem sido notícia uma iniciativa de limpeza do Mondego: “O Meu Rio Mondego
Limpo”. Ora aí está uma boa iniciativa que nos convoca a mostrarmos o nosso
capital cívico.
(Artigo publicado na edição de 11 de setembro, do Diário de Coimbra)