quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 9


Iludir os defeitos da sua nação.

A Água participa das qualidades, boas ou más, dos leitos por onde passa, e o homem participadas do clima do lugar onde nasce. Uns mais que outros estão em dívida para com a sua pátria, uma vez que lhes proporcionou aí um céu mais favorável. Nenhuma nação está isenta de algum defeito inato, masmo a mais culta, defeito que os Estados vizinhos censuram por cautela ou por consolo. Corrigir, ou, pelo menos, dissimular esses defeitos, é um triunfo; com isto se alcança a reputação plausível de único entre os seus, uma vez que é sempre mais apreciado aquilo que menos se espera. Há também defeitos de família, de estado, de ocupação e de idade; se coincidem todos num mesmo sujeito, e não se previnem com prudência, criam um monstro intolerável.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián  

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

DIÁLOGOS NA CÂMARA

- Senhor presidente - começou timidamente o vereador - nós não gostamos de jornalistas?
- Nós!..., nós adoramos jornalistas - respondeu com veemência o presidente e continuou - Por que é que diz isso? Nós temos, aliás, uma enorme consideração por toda a comunicação social que merece bem o nosso apoio quando diz bem de nós.
- Mas então por que é que votámos contra a presença da comunicação social nas reuniões da Câmara - perguntou confuso o vereador.
- Meu caro, então não vê que tomámos essa decisão por gostarmos dos jornalistas. Foi apenas e exclusivamente a pensar no seu bem. Foi para lhes facilitar o trabalho. Então não acha que é muito mais fácil eu dizer-lhes o que se passou e evitar que eles fiquem confusos com aqueles disparates que os vereadores da oposição dizem a respeito de tudo e de nada.
- Tem razão senhor presidente, mas sabe, eu imaginei que a Câmara teria um funcionamento mais transparente se os debates no Executivo fossem assistidos pela comunicação social e os munícipes tivessem oportunidade de conhecer as diversas opiniões daqueles que elegeram - disse contristado o vereador.
- Disparate, meu caro, isso são tretas. Eu é que sei como é desagradável ouvir opiniões contrárias e perguntas sem resposta. Assim isto vai funcionar muito melhor. Ainda me lembro o que aconteceu nos anteriores mandatos em que as reuniões pareciam uma ópera-bufa, sabe, daquelas do Offenbach. Cada semana me lembrava de Les Brigands. Agora vai ser um sossego.
- Mas... senhor presidente, os cidadãos não vão ficar menos informados e  esclarecidos desta forma - insistiu timidamente o vereador.
- Você tem cada uma - ripostou o presidente. Mas para que é que eles têm necessidade de estar melhor informados ou de serem melhores esclarecidos. Não vê o esforço, as dúvidas e o cansaço que isso lhes provoca. Eu quero que os habitantes do meu concelho sejam felizes e para isso nada melhor do que a ignorância. Temos de evitar dissabores às pessoas. E depois, meu caro vereador, se os cidadãos estiverem esclarecidos será que não vão começar a pensar se foi boa ideia votar em nós. E, já pensou o que pode acontecer em futuras eleições. Temos de actuar quanto antes para que tudo vá correndo bem. Esta é uma questão política elementar. Ah, e já agora, nada de declarações públicas. Quando houver alguma desgraça, isso sim, pode explicar aos jornalistas que a Câmara não teve nada a ver com isso, que a culpa é do governo e dos astros, mas, não se esqueça, se for um esclarecimento sobre um acontecimento positivo isso é comigo. Só eu é que sei o que se faz de bom nesta cidade e só eu é que sei informar devidamente os jornalistas. 
O vereador, via-se, estava confuso e o presidente notou-o, e então resolveu, para o animar, contar-lhe aquela velha história de cientistas e perguntou ao vereador - Conhece a história da pulga? 
Não senhor presidente - respondeu desconcertado o vereador.
- Olhe - começou o presidente - Um cientista examina uma pulga pousada perto dele e ordena-lhe: "Salta!" e a pulga salta. O cientista escreve num a folha de papel: "Quando se manda uma pulga saltar, ela salta." Então agarra delicadamente a pulga e arranca-lhe as patas, coloca-a no mesmo sítio e ordena-lhe: "Salta!". A pulga não se mexe  e o cientista volta à folha de papel e anota: "Quando se arranca as patas a uma pulga, ela fica surda."
O vereador ficou "esmagado", levantou-se, despediu-se - Bom dia senhor presidente - e saiu do gabinete.


Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 8


Não se apaixonar: o indício do espírito mais elevado.


A sua própria superioridade o defende da escravidão das emoções passageiras e comuns. Não há maior domínio que o de si próprio, das suas próprias paixões. É o triunfo da vontade. E se a paixão pode afectar a visa pessoal, que nunca atinja a laboral, sobretudo se for grande. Esta é a forma inteligente de evitar desgostos e de alcançar reputação rápida e facilmente.

A Arte da Prudência
Baltasar Graciàn

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A FORMA DA NEVE

Srulek, o Nasreddin ou o Gohâ polaco, chegou um dia junto de um cego e sentou-se a seu lado.
O cego perguntou-lhe:
- Srulek, diz-me, a neve, como é?
- É branca - respondeu Srulek.
Passado um momento, voltou a perguntar:
- Branca, como?
- Branca - diz Srulek procurando as palavras - branca como leite.
Um pouco depois perguntou:
- O leite, é como?
- O leite - diz Srulek - está a ver, é como as aves que pousam no rio, tu sabes, os cisnes.
- Ah - diz o cego. 
Um momento depois, perguntou a Srulek:
- Diz-me,  como é um cisne?
- Bem, é uma ave grande, com assas grandes, um pescoço muito comprido e curvo, um bico assim.
Srulek esticou o braço e curvou o punho para imitar um cisne. O cego estendeu a mão e palpou o braço e a mão de Srulek, lentamente, atentamente, antes de dizer sorrindo:
- Ah, sim, agora já vejo como é ela, a neve...
Tertúlia de Mentirosos
Jean-Claude Carrière

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A ALIMENTAÇÃO DO "BICHO"

Por estes dias, quando for discutido o Orçamento da Câmara de Coimbra, vou atrever-me a falar um pouco de "gastronomia". Não de uma qualquer receita ou de um roteiro gastronómico, até porque, tenho de confessá-lo, não sou um grande garfo ou um gourmet que pesquisa, por esse mundo fora, novidades culinárias ou imaginativos pitéus. 

Para já a minha grande curiosidade gastronómica é a de provar uma trufa das autênticas, trabalhadas por quem sabe, para "perceber" esse tão apreciado manjar dos deuses, que os egípcios e os romanos já apreciavam e comiam como aperitivo. Aliás os romanos acreditavam que os cogumelos e as trufas tinham origem nos relâmpagos quando estes atingiam a terra e que seriam desta forma semeados. Posteriormente no mundo cristão o seu aparecimento era explicado como obra do demónio, uma crença que persistiu até ao século XIX.

Bem, quanto ao Orçamento da Câmara sabemos bem como aparece e, não sendo obra do demónio, é sem dúvida uma obra filha do pecado. O pecado do despesismo e do mau uso dos dinheiros públicos. 

Normalmente os cidadãos-contribuintes não ligam muito à discussão deste documento porque há uma retórica em que os números são apresentados sob tantas perspectivas e com um jargão tão especifico, que é impossível perceber onde está a "verdade".

Depois os orçamentos são documentos provisionais, feitos com base numa configuração técnica e com obediência a determinados pressupostos que "obrigatoriamente" os acabam por viciar.

Mas, no caso de Coimbra, desde há muito que está identificado um "bicho" um "monstro" insaciável, criado a partir de 2002, que vive à custa do orçamento camarário, que vem sendo alimentado com os nossos impostos e que dificilmente será estripado nos próximos anos. É um cancro que suga e fragiliza o Município e que estamos condenados a alimentar sem honra  e sem proveito. 

Vamos deixar passar o Natal e depois falaremos do "bicho" que consome a riqueza e o futuro de Coimbra.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 7


Evitar as vitórias sobre o chefe.

Qualquer derrota é odiosa, e se é sobre o chefe, ou é néscia ou é prejudicial. A superioridade sempre foi odiada, sobretudo pelos superiores. A cautela costuma encobrir as vantagens mais comuns, como dissimular a beleza com o desalinho. Será fácil encontrar quem queira ser superado em êxito e em carácter, mas não em inteligência, e muito menos um superior. Este é o atributo do rei, e por isso qualquer crime contra ele é de lesa majestade. Eles são poderosos e querem sê-lo no mais importante. Os príncipes gostam de ser ajudados, mas não ultrapassados, e é melhor que o aviso aparente ser lembrança do que foi esquecido, que luz do que não se alcançou. Os astros, acertadamente, ensinam-nos esta subtileza, pois apesar de serem filhos brilhantes, nunca rivalizam com o fulgor do sol. 

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián 

BONS LIVROS NO SAPATINHO

Tinha, por estes dias, começado a ler "2666", de Roberto Bolaño, um grande romance sem dúvida, quando me ofereceram "Indignação", de Philip Roth. Como já havia começado mais uns outros livros, não digo quantos por vergonha, fiquei angustiado. Mesmo que queira não consigo ler tudo tão depressa como desejava, mas só ter os livros dá um enorme conforto.


Para mais, hoje, nas minhas habituais incursões pelas livrarias dei-me a folhear uma novidade: "A Vertigem das Listas", de Umberto Eco. É espantoso como nas obras literárias é possível encontrar tantas e tão variadas listas, desde  antiguidade clássica, e é igualmente espantoso como Umberto Eco se meteu na aventura dessa descoberta. Em certa altura fala-se na vertigem do infinito... 

Não escondo a admiração de numa passagem breve de olhos ter descoberto uma lista tão vasta e nomes tão espantosos de demónios e de anjos e, mais, concluir que faltam ali tantos nomes  dos que povoam, neste momento, o nosso inferno e o nosso céu.
 
Bons livros no sapatinho!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 6


Ser o cume da perfeição.

Não se nasce feito. Vamo-nos aperfeiçoando dia a dia como pessoas e como trabalhadores, até atingir o ponto mais alto, a plenitude de qualidades, a eminência. Isto reconhece-se pelo gosto apurado, pela pureza da inteligência, pela maturidade, pela clareza dos propósitos. Alguns nunca chegam a ser cabais, falta-lhes sempre qualquer coisa; outros tardam em sê-lo. O homem completo, sábio nas palavras, prudente nos actos, é admitido, e mesmo desejado, no grupo singular dos discretos.

CIDADE SEM LIVRO DE RECLAMAÇÕES

O Público trazia ontem, Domingo, no seu suplemento P2, um interessante trabalho, assinado por três jornalistas entre as quais Graça Barbosa Ribeiro, sobre a participação e o envolvimento dos cidadãos na resolução dos problemas das suas cidades.

É, sem dúvida, uma temática interessante e é curioso que o artigo com o título Participação tenha como sub-título a frase apelo do Provedor do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana de Coimbra, professor Massano Cardoso: "Incomodem! Por que é que não incomodam mais?" 

O que tem vindo a acontecer nestes últimos anos em Coimbra, no que toca à intervenção e participação cívica dos cidadãos na vida da cidade, tem registado um incompreensível refluxo.

Depois da emergência de um interessante movimento cívico, que teve a sua expressão mais visível na criação da Pró-urbe e no Conselho da Cidade - fruto em larga medida do combate à co-incineração -, que envolveu políticos e figuras académicas de prestígio veio-se a assistir a gradual apagamento dessa vontade cívica de participação.

Não tenho dúvidas que uma das causas foi a do aproveitamento feito, por algumas forças partidárias, dessas plataformas participativas para o combate político-partidário, concretamente contra a gestão autárquica do Dr. Manuel Machado. Houve uma óbvia instrumentalização de generosas vontades e empenhadas atitudes cívicas daqueles que assumiam o desejo de ver na sua cidade uma democracia de grau superior e mais participativa, de que era exemplo a elaboração de um Orçamento Participativo à semelhança, aliás, de experiências conhecidas noutros países.

Claro que o tacticismo e o oportunismo de certas forças partidárias e de certos protagonistas políticos deitou tudo a perder dado que logo que conquistado o poder houve uma silenciamento estratégico das iniciaitvas antes preconizadas e mesmo um retrocesso a nível de transparência da gestão autárquica.

As decisões da Câmara, nomeadamente as de natureza urbanísticas, deixaram de ser publicitadas na comunicação social, como aconteceu durante 12 anos; as reuniões da Câmara entraram num processo de "anarquia funcional" com o agendamento frequente de processos à margem do estabelecido no respectivo Regimento; as reuniões passaram de semanais para quinzenais e, mais recentemente, deixaram de contar com a presença dos jornalistas, contrariamente ao que aconteceu durante os 30 anos anteriores. 

Isto é, houve um fechamento da actividade autárquica, em tudo contrário ao movimento geral de maior abertura e transparência no caminho de uma governança municipal e aqui o meu profundo espanto tudo isto aconteceu gradual e serenamente sem uma reacção colectiva ou individual, mormente daqueles que anos antes preconizaram e trabalharam em prol de uma nova e mais qualificada gestão autárquica.


A cidade perdeu e continua a perder capacidade de reflexão e os cidadãos vão perdendo, obviamente, capacidade e vontade de participação cívica. Reclamar a quem e para quê? As portas vão-se fechando, a ignorância das decisões crescendo e os incómodos aumentando.


Há, aliás, uma sensação óbvia de medo em Coimbra, aquilo que a presidente do PSD tantas vezes referiu: uma crescente asfixia democrática. Neste caso, sem retórica política, com elementos e momentos perfeitamente identificáveis.


Diz o artigo do Público que: "As cidades deviam vir com livro de reclamações". Eu, sem deixar de concordar, digo que as cidades e neste caso Coimbra devia ter cidadãos mais corajosos e coerentes, que fossem capazes de continuar os bons combates, e que não se curvassem medrosamente perante certos autarcas ou forças políticas.


As nossas cidades vão tendo o que merecem e Coimbra é um exemplo concreto de uma cidade em perda por falta de intervenção cívica, espantosamente de muitos que tendo conhecimentos e estatuto debandaram dos combates locais e se refugiam nas teorizações nacionais, omitindo que no seu "condomínio" urbano se passa tudo aquilo que condenam no âmbito nacional.    

SUGESTÃO MUSICAL - CHRISTMAS JAZZ


Mantendo a tradição, mas fugindo um pouco às interpretações musicais mais comuns, sugiro um CD com músicas de Natal mas com arranjos por músicos de  Jazz.

Nesta altura oiço sempre com gosto um simples e velho CD  "Christmas Jazz" e a seguir para não destoar uma versão de músicas de Bach com adaptação e arranjos para Jazz com o título "Swingle singers - Jazz Sébastien Bach".

Acreditem que são simpáticos momentos musicais que nos ajudam a relaxar nestes dias complicados e difíceis de compras e confusões. 


domingo, 20 de dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 5

Tornar-se indispensável.

Não torna sagrada a imagem aquele que a pinta e enfeita, mas aquele que a adora. O sagaz prefere os que dele necessitam aos que lhe agradecem. A esperança cortês tem boa memória, mas o agradecimento vulgar tem fraca memória e é um erro confiar nele. Obtém-se mais pela dependência que pela cortesia; aquele que foi satisfeito volta imediatamente as costas à fonte, e a laranja espremida cai do ouro ao lodo; acabada a dependência acaba a correspondência, e com ela a estima. A primeira lição da experiência deve ser entreter, mas não satisfazer; assim se conserva sempre a dependência dos outros, mesmo a do rei. Porém, não se deve chegar ao excesso de calar para que se equivoquem, nem, para proveito próprio, provocar aos outros danos irreparáveis.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián 

sábado, 19 de dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 4


4. O saber e a coragem contribuem conjuntamente para a grandeza.

Tornam o homem imortal, porque eles o são. Valemos o que sabemos, e o sábio tudo consegue. Um homem sem conhecimentos é um mundo às escuras. É necessário ter olhos e mãos, quer dizer, discernimento e força. Sem coragem, a sabedoria é estéril.

A Arte da Prudência
Balatsar Gracián

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

SONHO DE UMA NOITE DE INVERNO

O Comandante entrou na sala de operações e com o seu olhar distante varreu os ecrãs e as imagens que as 17 câmaras debitavam. Limpou os óculos.

O Agente de serviço cumprimentou, sem desviar o olhar profissional dos ecrãs, e disse, antecipando-se à pergunta: Tudo calmo.

O Comandante sem demonstrar a sua desilusão sentou-se: Vou ficar um bocado. Alguma coisa me diz que vamos ter surpresas.

Não tardou que numa das câmaras aparecesse a imagem de alguém apressado que se colocou à frente de uma montra numa atitude de curiosidade. O Agente disparou de imediato: Vou aproximar a imagem. Há aqui qualquer coisa de suspeito!

O Comandante aproximou-se e os dois tentaram perceber se era aquele o momento tão esperado de gravar para identificação o primeiro assaltante. Passados alguns momentos e com a aproximação das imagens tiveram um suspiro de desilusão. Afinal era alguém que procurava saber qual era a Farmácia de serviço.

Ainda era cedo, pouco passava das 21 horas, a noite ia ser longa ou talvez não.

Passados alguns instantes há uma imagem familiar que aparece num dos ecrãs. O Comandante ordena, com firmeza: Aproxime aquela imagem. Mais, um pouco mais!

E, de seguida, sorriu e exclamou: Olha é o Jorge. Deve ter vindo à rua da Sabedoria. Só espero que não se tenha enganado na porta. São as duas quase juntas. Bom rapaz, aquele Jorge. O jeito que ele me deu. Tenho pena de não poder continuara a contar com ele. Até nadámos juntos, não me esqueço disso.

Passados alguns minutos a atenção é atraída para uma outra figura conhecida. O Agente chamou a atenção: Comandante já viu quem ali vai?! É o nosso Deputado. Olhe, parou na Portagem. É capaz de estar a ver se há autocarros a circular.

Engraçado este Victor, disse o Comandante. Já tenho saudades dele. Para mais quando vamos discutir o Orçamento. Aquilo era uma confusão. O que eu me divertia.

O Comandante tem tido muita sorte, disse o Agente.

Ia-se entrando pela noite e nada de criminalmente relevante. Nem assaltos, nem destruição de bens, nada... O que assustava era o vazio.

Finalmente, mais alguém conhecido. O Comandante cerrou os dentes mas escondeu a tensão. O que é que andará o Pina a fazer por ali àquelas horas, interrogou-se silenciosamente.

O Agente pareceu adivinhar o pensamento e disse: Sabe Comandante desconfio que ele vai ter com aquele músico que lhe andou a infernizar a campanha e que vão fazer uma serenata à frente da Loja do Cidadão. Vamos ter problemas com o barulho. Não será melhor colocar de prevenção uma equipa de intervenção rápida para os afastar dali. É que já passa das 22 horas e ainda vão acordar alguém. Há redes de ouvintes e podem-se criar sinergias preocupantes.
…….
Naquele momento o rádio/despertador tocou. O Comandante acordou do seu sonho de uma noite de inverno. Levantou-se. Foi à janela. Havia uma neblina cinzenta e pesada que envolvia a cidade. A locutora lia as notícias: “A greve dos motoristas dos SMTUCs paralisou a quase totalidade dos transportes públicos em Coimbra. Quem quer ir para o trabalho, naquela cidade, tem muita dificuldade nas deslocações e o comércio tradicional queixa-se amargamente das dificuldades que esta greve está a provocar.”

O Comandante foi tomar o seu duche e, com um breve sorriso, disse baixinho: Finalmente começaram o dia a falar de Coimbra.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 3

3. Tratar dos assuntos com discrição.
  
Os acertos adquirem valor pela admiração provocada pela novidade. Jogar a descoberto, nem agrada nem é útil. Não se revelar de imediato produz curiosidade: especialmente quando o posto é importante, suscita uma uma expectativa geral. O mistério em tudo, pelo seu próprio secretismo, provoca veneração. Mesmo ao dar-se a conhecer se deve fugir da franqueza. Tão pouco se deve, no trato, deixar que todos vejam os pensamentos íntimos. O silêncio recatado e o reaúgio da cordura. Não se aprecia uma decisão se se torna pública, e ao expôr-se à crítica, se é negativa, a má sorte será dupla. É melhor imitar o proceder divino para manter os homens atentos e vigilantes. 


A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DA DESCARACTERIZAÇÃO DE COIMBRA

O dia 15 de Dezembro trouxe-nos mais dois elementos que, ainda que não tendo uma relação directa entre si, são contributos evidentes para o desenvolvimento do processo de descaracterização e também de decadência de Coimbra.

O primeiro é, obviamente, o da colocação de câmaras de videovigilância na Baixa da Cidade. Coimbra entrou assim no rol das cidades inseguras. Sendo a colocação das câmaras não mais do que uma manobra tendente a esconder a incapacidade de desenvolver um processo de urbanismo comercial na Baixa ele é, sem dúvida, sintomática de uma forma de estar e fazer política urbana que não tem nada a ver com a natureza e tradição da cidade.

Mais do que isso. É o começo de um processo que tenderá a desenvolver-se e a “roubar-nos” a liberdade de utilização e fruição do espaço público de uma forma que era peculiar e que singularizavam Coimbra no contexto urbano/universitário nacional. Penso que muitos daqueles que apoiam esta medida não têm a verdadeira noção do seu significado e das suas consequências futuras e que no dia em que perceberem o grave erro que cometeram, ou ajudaram a cometer, será tarde.

Para mais esta é uma política do “bloco central” que não sofreu contestação política de ninguém, nem daquelas forças políticas que se afirmam de “verdadeira” esquerda, o que me parece ainda mais estranho e grave. Decerto serei eu que estou errado mas lamento profundamente que a minha cidade seja incluída num roteiro de insegurança com a agravante de que os mecanismos adoptados não vão resolver nenhum dos reais problemas que a sua área comercial tradicional enfrenta.

No futuro será a gestão do Dr. Carlos Encarnação que ficará com o ónus desta medida, e espero que isso não seja esquecido, mas será também o apoio de autarcas do PS e da CDU que ficará registado, bem como a decisão dum Governo PS que vem politicamente preconizando intervenções deste género, bem diferentes daquelas em que investiu alguns anos atrás e que tão bons resultados trouxeram. Refiro-me, por exemplo ao Programa Pólis e a programas específicos de urbanismo comercial.

Hoje estamos na fase do bigbrother e do voyarismo policial como pseudo mecanismo de segurança quando seria fundamental apostar em políticas de renovação urbana e de humanização funcional dos espaços públicos.

O segundo elemento gravoso para Coimbra, não só no campo simbólico mas também prático e que terá óbvios reflexos negativos a prazo, tem a ver com a criação dum novo curso de medicina na Universidade de Aveiro. Não é tanto a questão do novo curso que nos deve preocupar é a sua estruturação e o que ela representa de desenvolvimento de uma rede articulada que envolve o norte do País e que significa que é aí que se vai desenvolver o cluster da saúde.

Esta é já hoje uma realidade que se deve ao abandono por mesquinhez política do Projecto Coimbra Cidade da Saúde, imediatamente posto em causa com a chegada à Câmara do Dr. Carlos Encarnação, só porque tinha sido iniciado pelo anterior Executivo. Havia trabalho político e técnico feito que a ser continuado teria permitido um salto qualitativo nesta área na nossa cidade mas a falta de visão e a mesquinhez política, que nunca é de mais sublinhar, levaram à morte desse projecto. 

A investigação e a aplicação prática dos seus resultados na área das ciências da vida está agora definitivamente considerada como uma vocação do Norte. Dum Norte com o epicentro no Porto e que se estende de Aveiro até Viseu comprometendo qualquer veleidade de Coimbra assumir no futuro um papel relevante nesta área tanto mais que lhe vai escassear massa crítica suficiente para esse trabalho.

Coimbra, não quis combater o bom combate de afirmação no campo da saúde, outros o fizeram com sucesso. Coimbra vai tendo o que merece. Até mereceu ter como cabeça de lista uma ministra da saúde que, como se vê, tem sido extremamente importante na salvaguarda dos seus interesses mais profundos e determinantes para o futuro.

O dia 15 de Dezembro de 2009 ficará assim inscrito, porque o quisemos e porque não tivemos força interna para o combater, como mais um dia a assinalar no processo de descaracterização e decadência de Coimbra.

Nota: Artigo publicado no Diário de Coimbra, em 17 de Dezembro de 2009

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 2


2. Carácter e inteligência: os dois pólos para abrilhantar as qualidades; um sem o outro é boa-sorte pela metade.

Não basta ser inteligente, é necessária a predisposição do carácter. A pouca sorte do néscio é errar de vocação no estado, ocupação, vizinhança e amigos.


A Arte da Prudência 
Baltsar Gracián 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O PRESÉPIO FOI ENCAIXOTADO

Acabou o Presépio na Praça 8 de Maio. Acabou-se a cabana naturalista, as moedas de esmola roubadas e a guarda persistente dos Carlitos. Ficámos órfãos da descrição dos tratos de polé e das peripécias que envolviam as imagens e que eram descritas de forma tão colorida pelo ex-vereador da Cultura Popular.

Desculpem um parêntesis mas é necessário referir, mais uma vez, que o Dr. Mário Nunes foi designado vereador da Cultura Popular em despacho de delegação de competências assinado pelo presidente da Câmara e é assim que ficará oficialmente, como caso único, na história da nossa Câmara. Não se trata, portanto, de uma qualquer afirmação acintosa ou depreciativa da minha parte. O autor da qualificação foi o próprio presidente da Câmara.

Mas adiante. Depois de 8 anos, de dois mandatos consecutivos com o mesmo presidente e o mesmo vereador, o Presépio não foi instalado na Praça 8 de Maio. Não terá sido por qualquer perseguição movida por um novo Herodes à Sagrada Família, nem porque o ex-vereador da Cultura Popular o tenha escondido. Também não terá sido por razões de segurança, porque agora a Baixa até tem videovigilância. E também não terá sido um acto menor.

A ausência do Presépio na Praça 8 de Maio é um sinal. Uma ruptura com o passado no que toca à política cultural da Câmara, o reflexo de uma nova e diferente visão estética da ocupação do espaço público. É, sem dúvida, o símbolo mais expressivo do fim da marca Mário Nunes na política cultural autárquica.

Temos agora uma expectativa positiva relativamente à política cultural autárquica atendendo à personalidade e ao currículo da Vereadora da Cultura a Professora Maria José Azevedo Assim lhe permitam as condições necessárias ao exercício de um mandato consentâneo com as suas ambições e as necessidades da cidade.

Dificuldades não lhe faltarão, particularmente dificuldades internas, apesar de todas as promessas que lhe tenham feito. É que a vereadora da Cultura vai ter de se confrontar com o facto de integrar um Executivo politicamente fraco, liderado por um presidente desgastado que, por isso mesmo, tenderá a centralizar e a controlar cada vez mais toda a actividade autárquica. Uma Câmara financeiramente exaurida e profundamente endividada, com uma orgânica monstruosa que lhe suga os meios e a enreda em burocracia e, ainda, o descrédito de oito anos de uma evidente falhada política cultural.

Vamos aguardar pelo Plano de Actividades e Orçamento para o próximo ano para ver até que ponto há uma nova atitude relativamente á actividade cultural, mas, mais do que isso, vamos aguardar pelos próximos meses para ver na prática como e em que sentido vai caminhar o actual Executivo na área cultural.

Aliás, neste momento, a única área da gestão autárquica relativamente à qual há uma expectativa positiva é a área cultural, de resto, não há muito a esperar. O fechamento da Câmara é um evidente sintoma de incapacidade e de entorpecimento político e a expressão de uma mais intensa personalização pelo presidente da actividade autárquica.

A “Câmara sou Eu” é o lema do presidente Carlos Encarnação. Os mais jovens e inexperientes vereadores que tenham isto em atenção e que se cuidem.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 1



1. Hoje tudo atingiu a perfeição, mas a maior é ser uma autêntica pessoa.

Hoje, de mais se precisa para ser sábio que antigamente para formar sete, e de mais se necessita para tratar com um só homem nestes tempos, que com toda uma povoação no passado.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián


segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

CRISPAÇÃO DEMOCRÁTICA

É surpreendente o alarido político-mediático que por aí vai sobre: a governabilidade; as chantagens; as ameaças; o não diálogo e o diálogo; etc. A surpresa é sobretudo grande quando esse alarido e esbracejar de indignação vem de comentadores e políticos que fizeram toda uma campanha no sentido de conseguir que das últimas eleições legislativas resultasse exactamente o quadro político que temos.


Reconhecendo a inexistência de qualquer alternativa credível a um governo PS e ao seu "candidato" a primeiro-ministro José Sócrates, o que se ouviu foram anátemas às maiorias absolutas, e os insistentes apelos à derrota do PS e de Sócrates. É evidente que o PS já de há muito se tinha colocado a jeito e tinha demonstrado que não merecia voltar a ter uma nova maioria absoluta.


Com algumas surpresas, sobretudo no que toca aos resultados do BE e do CDS, o quadro político parlamentar corresponde ao que foi o grande desejo da maioria dos teorizadores e dos politicólogos que diariamente apregoavam a boa solução para o nosso futuro e  para a salvação do país.

Não parece, por isso, que haja agora motivo para tanta surpresa e indignação pelo  esplendor do actual Parlamento, pelos jogos partidários de bastidores ou pelas intervenções políticas diárias a que os media dão grande relevo. A Assembleia perfeita e o Governo perfeito então tão apregoados são os que aí estão e por isso nada melhor que pouparem-nos a exercícios de indignação hipócrita perante o que se está a passar. 


Era, por demais, evidente que haveria necessidade de um período de ajustamento politico num quadro totalmente novo e que o facto mais relevante estava e está numa maioria que não quer nem "pode" ser poder mas que quer e pode ter influência. Uma influência decisiva, dentro de certos limites, que ainda está a ser descoberta pelas diversas partes. 

As grandes questões que se colocam são as de saber quanto tempo ainda teremos de suportar tanta "crispação democrática", até que o período de ajustamento político seja concluído, e quando é que começamos a ver aparecer a grande política, aquela que nos aponta soluções para a grave crise que enfrentamos: a crise interna, paradigmática dum Portugal politicamente confuso e irresponsável.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O ESTRANHO CASO DA NOMEADA SEM NOMEAÇÃO

Haver alguém dum corpo de inspecção, que deve, obviamente, conhecer razoavelmente a Lei, iniciar funções sem que a respectiva nomeação esteja devidamente validada é, no mínimo, estranho. Mas acontece e tinha de acontecer em Coimbra.

Tendo-se apresentado e exercido funções durante alguns dias, foi tornado público – versão oficial – que afinal não podia ser nomeada por razões legais e como tal a sua nomeação ficou sem efeito. Ninguém acreditou.

Pelo meio ficou a suspeita de que não é mais do que o resultado de uma “guerra”: Coimbra versus Viseu, ou vice-versa, conduzida pelos respectivos líderes distritais do partido no poder. Toda a gente acreditou.

Para dar mais credibilidade a esta versão o presidente da Federação de Coimbra do PS veio fazer declarações públicas sobre o assunto, com a habilidade que lhe é peculiar.

Sabemos que a colocação em cargos públicos de apoiantes por dirigentes políticos, quando estes integram estruturas de poder, é uma das suas apaixonantes tarefas, sobretudo porque é através destes mecanismos que garantem a sua sobrevivência política. A distribuição de um lugarzinho vale mais do que um compêndio de boas ideias.

No meio de tudo isto e por tudo isto queimam-se soluções e afundam-se credibilidades e, sobretudo, degrada-se a imagem dos partidos e da política. Não há leis que regulem estas coisas nem que protejam a República.

Como diria alguém: É a vida, com estes dirigentes partidários…

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A PRÁTICA VEM PRIMEIRO

Lendo Peter F. Drucker 

"Os decisores - no governo, nas universidades, nas empresas, nos sindicatos, nas igrejas - devem ter em conta nas suas decisões de hoje o futuro que já aconteceu. Por isso, precisam de estar a par do que aconteceu e perceber  o que não se encaixa nos seus pressupostos actuais e, desta forma, criar novas realidades.


Os intelectuais e eruditos têm tendência para acreditar que as ideias vêm primeiro e que depois conduzirão a novas realidades políticas, sociais, económicas e psicológicas. Isto acontece, mas são excepções. Em regra, a teoria não precede a prática. O seu papel é estruturar e codificar a prática já vivida. O seu papel é converter os casos isolados e "atípicos" de excepções em "regras" e "sistemas" e, dessa forma, em algo que possa ser apreendido e ensinado e, acima de tudo, em algo que possa ser aplicado de uma forma global."

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DIA INTERNACIONAL CONTRA A CORRUPÇÃO

No dia em que se assinala, a nível mundial, o Dia Internacional Contra a Corrupção, a Agência Lusa dá-nos conta que a Comissão Europeia num inquérito publicado hoje (Eurobarómetro), sobre «as atitudes dos europeus face à corrupção», mostra que 93% dos portugueses concordam que aquele crime é um «grande problema» do país. É o sétimo valor mais elevado da União Europeia, a par da Roménia, e 15 pontos percentuais acima da média comunitária (78%). 

Todavia, Portugal é um dos poucos Estados-membros onde, ainda assim, a percepção da corrupção diminuiu ligeiramente relativamente à anterior consulta, feita há dois anos, já que, em 2007, a corrupção era considerada um grande problema por 95% dos portugueses inquiridos.

Os portugueses acreditam que há corrupção em todas as instituições. Nove em cada 10 por portugueses acreditam que existe corrupção tanto nas instituições nacionais (91%), como nas instituições locais (89%) e nas instituições regionais (88%), valores, em todos casos, superiores à média da UE (respectivamente 83, 81 e 81 por cento). 

Questionados sobre os círculos onde julgam existir mais situações de subornos e abuso de poder, os portugueses apontam em primeiro lugar os «políticos ao nível nacional» (64%), seguindo-se os políticos ao nível local (58%) e regional (57%), e só depois várias classes profissionais. 

Comentário:
A discussão sobre a corrupção é recorrente e invariavelmente, como solução do problema, são apresentadas propostas de mais e mais legislação. Obviamente que, perante a situação real existente e a sua percepção, são necessários todos os mecanismos possíveis, mas será bom assumir a convicção de que estamos perante um problema colectivo, se quisermos de natureza "cultural", de grande dificuldade pelas alterações comportamentais, de fundo, que implica.

Muito provalmente que os 9 portugueses, em cada 10, que acreditam que existe corrupção em todas as instituições se forem questionados sobre o modo como pautaram as suas relações, em concreto, com essas instituições afirmarão que com eles nunca aconteceu nada e que  nunca tentaram corromper ninguém. É quase certo e seguro que para cada um deles será sempre o "outro" que é corrupto ou corruptor. 


Aliás, posso afirmar por experiência própria, que esta é a visão corrente e que tenho tido a felicidade de, nas mais diversas circunstâncias, ter andado sempre em boas companhias. Na mais comum das situações, como seja viajar nos transportes colectivos, vou sempre na carruagem ou no autocarro dos bons. Em todas as conversas dos que ali vão são sempre os outros os "maus". Os que vão nos outros autocarros ou nas outras carruagens.

SUGESTÃO MUSICAL - DMITRI SHOSTAKOVICH


A música é uma companheira inseparável. Como seria possível ir "compondo" este blogue  sem a companhia da música?! Permitam-me por isso uma, despretensiosa, sugestão: considerem nas vossas prendas de Natal a música e, já agora, Shostakovic. Tem coisas fantásticas!


Deliciem-se com as suas músicas. Saboreiem aqueles 3'34 da fantástica Valsa nº. 2 (Waltz from Jazz Suite n.º 2), que Stanley Kubrick  tão bem soube utilizar num dos seus filmes, e sintam o prazer dum rodopiar de alegria, de nostalgia e de sonho.

Nestes dias cinzentos de crise, de descrédito e de desânimo façam favor de tomar uma "injecção" de revigorante prazer. Vão ver como se vão sentir bem depois de ouvir aquela valsinha.



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O PODER DA ESTUPIDEZ

Não é difícil compreender como o poder político, económico ou burocrático aumenta o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas temos ainda de explicar e perceber o que torna essencialmente perigosa uma pessoa estúpida, ou seja, em que consiste o poder da estupidez.


Os estúpidos são perigosos e funestos principalmente porque as pessoas razoáveis acham difícil imaginar e entender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode perceber a lógica de um bandido. As acções do bandido seguem um modelo de racionalidade. Racionalidade perversa, se se quiser, mas sempre racionalidade. O bandido quer algo "mais" na sua conta. dado que não é suficientmente inteligente para cogitar m,todos com os quais obter algo "mais" para si, proporcionando ao mesmo tempo algo "mais" também aos outros, ele obterá o seu algo "mais" causando algo "menos" ao seu próximo.  Tudo isto não é justo, mas é racional e, se somos racionais, podemos prevê-lo. Em suma, podemos prever as acções de um bandido, as suas manobras e as suas deploráveis aspirações e, muitas vezes, é possível preparar as defesas apropriadas.


Com uma pessoa estúpida tudo isto é absolutamente impossível. Como está implícito na Terceira Lei Fundamental, uma criatura estúpida persegui-lo-á sem razão, sem um plano preciso, nos tempos e nos lugares mais improváveis e mais impensáveis. Não há qualquer maneira racional de prever se, quando, como e porquê uma criatura estúpida vai desferir o seu ataque. Perante um indivíduo estúpido está-se completamente vulnerável.


Dado que as atitudes de uma pessoa estúpida não são conformes às regras da racionalidade, disso resulta que:
  1. gralmente somos apanhados de surpresa pelo ataque;
  2. quando temos consciência do ataque não conseguimos organizar uma defesa racional, porque o ataque em si não tem qualquer estrutura racional.
O facto de a actividade e os movimentos de uma criatura estúpida serem absolutamente erráticos e irracionais não só torna a defesa problemática, como ainda dificulta em extremo qualquer contra-ataque - é como tentar disparar contra um objecto capaz dos mais improváveis e inimagináveis movimentos. Isto é o que Dickens e Schiller tinham em mente quando um deles afirmou que "com estupidez e boa digestão o homem pode enfrentar muitas coisas", e o outro que "contra a estupidez os próprios deuses combatem em vão".


Devemos ter ainda em conta uma outra circunstância. A pessoa inteligente sabe que é inteligente. O bandido tem consciência de ser bandido. O crédulo está penosamente ciente da sua credulidade. O estúpido, ao contrário de todos estes personagens, não sabe que é estúpido. Isso contribui decisivamente para dar maior força, incidência e eficácia à sua acção devastadora. O estúpido não é inibido por aquele sentimento a que os Anglo-Saxónicos chamam self-consciousness. Com um sorriso nos lábios, como se fizesse a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá inopinadamente para lhe dar cabo dos planos, destruir a sua paz, complicar-lhe a vida e o trabalho, fazer-lhe perder dinheiro, tempo, bom humor, apetite e produtividade - e tudo isto sem malícia, sem remorsos e sem razão. Estupidamente.


in, Allegro ma non troppo
Carlo M. Cipolla

AS LEIS FUNDAMENTAIS DA ESTUPIDEZ HUMANA

A Primeira Lei Fundamental da estupidez humana afirma que:
Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação. 


A Segunda Lei Fundamental, diz o seguinte:
A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa.

A Terceira Lei Fundamental (a regra de ouro) esclarece que:
Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disse resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo.


A Quarta Lei Fundamental, afirma o seguinte:
As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se infalivelmente um erro que se paga muito caro.


Macroanálise e a Quinta Lei Fundamental. Esta afirma que:
A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.
O corolário da lei é: O estúpido é mais perigoso que o bandido.


In, Allegro ma non troppo

Carlo M. Cipolla

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

PARA REFLEXÃO

Perante tantas e variadas questões que se nos colocam neste momento transcrevo, para reflexão, alguns parágrafos do livro "A Transformação da Política" , de Daniel Innerarity:

"Mas os sistemas de uma sociedade avançada - política, economia, arte, religião, ciência, direito, saúde, educação, desporto, família - não podem ser conduzidos de fora, numa direcção determinada, com vista à sua compatibilidade social. Só eles podem corrigir a ameaça que para eles próprios constitui a produção de possibilidades inconvenientes, como são a manipulação genética para a ciência, determinado uso da energia para a economia, a pretensão da competência universal para a política, o doping para o desporto, a privatização para a família, o incremento de incompreensibilidade para a arte, etc."

"O mais difícil problema de governo é a coordenação e integração desses sistemas especializados, na medida em que constituem diversos "jogos da linguagem."

"Os jogos da linguagem configuram as suas próprias regras, preferências e desenvolvimentos de acordo com um princípio interno e ciosamente protegido de intervenções exteriores. Cada uma destas esferas tende por si própria a considerar a realidade do ponto de vista que lhe é mais habitual (como uma coisa rendosa, como oportunidade, como coisa boa ou saudável) e custa-lhe compreender que entrem em jogo outros critérios: que a economia tenha dúvidas sociais, que a política deva atender a princípios éticos, que a bondade moral tenha forte relação com a perícia profissional, que a saúde não possa ser economicamente ruinosa..." 

"Contrapesar a dinâmica centrífuga dos sistemas diferenciados constitui o verdadeiro problema da política numa sociedade complexa."

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

MEMÓRIA - A MARCOPOLO


Na campanha eleitoral autárquica, em 2001, houve a ameça da Marcopolo se deslocalizar para Cantanhede. Tal só não aconteceria se a presidência da Câmara viesse a ser ganha pelo Dr. Carlos Encarnação.

O Dr. Carlos Encarnação ganhou, mas a Marcopolo já não existe.

O que fez o Dr. Carlos Encarnação durante dois mandatos - oito anos - para que a Marcopolo se robustecesse e continuasse em Coimbra?

Alguém se lembra de alguma iniciativa concreta e consistente?

Afinal quem é que apoiou quem?!

Questões de memória...

VAMOS AJUDAR O DR. CARLOS ENCARNAÇÃO A EXERCER O SEU MANDATO COM DIGNIDADE


Há várias interpretações para a decisão de não permitir a presença dos jornalistas nas reuniões da Câmara.

Pelo passado e pelo futuro é uma má decisão. 

A cidade perde. O seu governo fica fragilizado porque menos transparente, e os munícipes desconfiam.

É uma decisão de fim de ciclo, tomada num último mandato, que revela uma liderança desgastada e fraca.

É uma decisão de reconhecimento de que o poder é solúvel, que está em fase de dissolução e que tenta resistir escondendo-se.


Para que o actual Executivo autárquico não fique na história por más razões e no sentido de ajudar o Dr. Carlos Encarnação a exercer o seu mandato com dignidade vamos apelar à alteração dessa decisão e subscrever a Petição 

www.peticao.com.pt/comunicacao-social-cmc

Temos o dever de ajudar os nossos autarcas!

DARWINISMO CULTURAL

Novembro de 2009.
Deixámos de ter um Vereador da Cultura Popular a tempo inteiro.
Passámos a ter uma Vereadora da Cultura a tempo parcial.
Coimbra Capital Europeia da Cultura em...




O ESPREITA E O ESCONDE

1. O nosso Presidente diz-nos, com inefável prazer, que a videovigilância na Baixa vai entrar no ar dentro de momentos.

Lá vou ter de pôr gravata, endireitar as costas, colocar um sorriso e caminhar com passo firme. Não quero ficar mal nas gravações. Não sei se me cruzarei com algum malfeitor ou se algum se colocará a meu lado para me comprometer. Vou ter de redobrar de atenção.

Depois terei de ter cuidado e não ter algum olhar menos próprio à passagem de uma qualquer bela e charmosa mulher que, bem enroupada para o inverno ou bem desportiva para a Primavera, enfeite a rua e chame a atenção.

Vamos todos de ter cuidado com as montras que olhamos, como os desvios “acidentais” para não encontrar quem não queremos ou não nos apetece falar e teremos, por ventura, de moderar os nossos cumprimentos a correligionários ou adversários políticos para obviar a suspeitas conspirativas.

Depois vamos de ter de evitar fazer “piscinas” ali pelo “canal” porque pode surgir a dúvida se andávamos a queimar calorias ou a congeminar qualquer “ataque” político ao nosso Prefeito.

Confesso que vou fazer o meu melhor para não ficar mal na fotografia, apesar de saber que não sou fotogénico e que não corro o risco de vir a ser recrutado por nenhuma empresa de casting. Mas, caramba, também não quero ficar muito mal na apreciação do senhor agente que na régie segue atentamente os meus passos e faz as gravações, como vimos naqueles séries americanas.

Antigamente a cidade era o espaço de liberdade por excelência. Na aldeia todos sabem da vida de todos, aqui, na cidade, podia-se ser um entre tantos, livremente.

Mas em Coimbra agora vai deixar de ser assim. Coimbra tornou-se uma grande metrópole onde há assaltos permanentes, vandalismo sem controle, destruição sem fim, particularmente na Baixa, e por isso vamos ter videovigilância. Vamos ter o “espreita”.

Nunca mais vamos ver um polícia na Baixa, o big brother, prenda de Natal do Dr. Carlos Encarnação, se encarregará de resolver os problemas. Se não resolver nada ele virá explicar que há um problema de lentas, da câmara ou dos óculos do agente que não permitiu salvar a Baixa do crime, do vandalismo e da destruição.

Vamos, portanto, ser presenteados com o “espreita”, tenha lá custado o que custou a sua instalação ou custe o que custar a sua manutenção, dinheiro para políticas de urbanismo comercial e de revitalização da Baixa isso não há.

2. O nosso Presidente diz-nos, com inefável prazer, que os jornalistas vão deixar de poder assistir às reuniões da Câmara.

Lá vamos de ter de ficar a aguardar as conferências de imprensa para conhecer a bondade das decisões, o aprumo dos edis e o método e profundidade das decisões.
Convenhamos que é tudo muito mais profissional e sofisticado. A notícia passou a ser filtrada e deixa de haver motivos para dúvidas ou descrições de controvérsia, tudo se vai passar como num aprumado conselho de administração de uma empresa que gere dinheiros privados e se preocupa com o lucro.

Claro que se percebe o inegável mérito desta decisão, depois de tantos anos de Joãos Bravos e companhia que faziam um retrato independente das reuniões da Câmara e explicavam aos munícipes quem dizia o quê e quem votava o quê, chegou o momento de dizer basta.

Mas por que é que os munícipes precisam de saber coisas ouvidas pelos jornalistas, não bastará a palavra do Presidente!?

Temos, assim, mais uma prenda de Natal. Não sejamos mal agradecidos. Agora vamos ficar com o “esconde”. É a prática dos pesos e contra-pesos tão referida. Câmaras na rua para filmar os cidadãos, trancas na porta para esconder os autarcas.

Tudo bem feito. Temos tudo para um Natal Feliz em Coimbra. Não se esqueça de olhar para as câmaras e de desviar os olhos da Câmara.


Nota: Artigo publicado no Diário de Coimbra, em 30 de Novembro de 2009

O POVO

Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão. 

Estes homens são o Povo. 

Estes homens sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.

Estes homens são o Povo, e são os que nos alimentam. 

Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos. 

Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem. 

Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias. 

Estes homens são o Povo, e são quem nos enriquece. 

Estes homens nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater o morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento. 

Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem. 

Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados. 

Estes homens, são o Povo os que nos servem. 

E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens, que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem? Primeiro, despreza-os ao não pensar neles, não vela por eles; trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte; cerca-os de obstáculos e de dificuldades, forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá protecção; e, terrível coisa, não os instrui; deixa-lhes morrer a alma. 

É por isso que os que tem coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo. 

E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema. 

Eça de Queiroz

Está na entrada do seu escritório.
Resolvi colocá-lo no início deste blogue.