quinta-feira, 30 de junho de 2016

SOB O SIGNO DOS REFERENDOS



Em 2003 fomos ameaçados com um referendo ao projeto de cobertura da Baixa de Coimbra (ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz), pelo executivo municipal de então. Como se viu não passou de um anúncio inconsequente, determinado pelo desespero político que, como se sabe, não é bom conselheiro. 

Agora, enquanto se desenrolava a campanha referendária no Reino Unido, voltou à baila a ideia de um referendo sobre a construção da Via Central. Isto da Via Central, é uma ideia que há décadas faz parte do imaginário conimbricense e que nos últimos anos foi sendo esboçada no âmbito do traçado para o metro ligeiro de superfície. 

As confusões e os descarrilamentos do metro paralisaram as obras já iniciadas e a Baixa, que foi vendo a Alta voltar-lhe sorrateiramente as costas, ficou com mais uma grave ferida exposta. Depois do Bota Abaixo de má memória, a Baixa viu-se, assim, a braços com mais um buraco a necessitar de tratamento urgente, através de uma operação de limpeza dos tecidos mortos, seguida de uma competente cirurgia estética  

Ora, é neste contexto, em que a Baixa grita angustiada por uma rápida intervenção requalificadora, que surgem renovadas polémicas sobre a Via Central e a proposta de um referendo à sua execução. 

Acredito na bondade dos proponentes e nas suas preocupações quanto ao mérito da intervenção mas, sinceramente, tal como aconteceu com o referendo britânico parece-me que um processo desta natureza, no estado da arte em que nos encontramos, seria, se realizável, muito mais contraproducente do que favorável à causa da reabilitação da Baixa, no seu todo.

Reivindicar energicamente uma intervenção de qualidade, esse, sim, parece-me ser o bom combate, que estou certo merecerá a consideração e o apoio de todos, tanto mais que não acredito que o presidente da Câmara, seja ele quem for, perante uma intervenção desta dimensão e importância, não seja o primeiro a desejar uma obra asseada que faça perdurar, de forma positiva, a sua memória na cidade.

Este é mais um caso que me faz interrogar sobre a ação política numa cidade, que, tendo um enorme potencial de reflexão e conhecimento, que tem tanta gente boa e altamente qualificada e que tendo tantos problemas para resolver, passa a vida enredada em questiúnculas, agastamentos e desanimadoras controvérsias.

Tristemente, hoje, Coimbra é muito mais uma Lusa Bizâncio do que uma Lusa Atenas, que se dá ao luxo de andar entretida a discutir permanentemente o já discutido, para mais sob o signo de incompreensíveis referendos.

(Artigo publicado na edição de 30 de junho, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A CARTA CONSTITUCIONAL DE COIMBRA



Não deixa de ser curioso que agora, passados 15 anos sobre a sua aprovação, se volte a falar, depois de um longo período de pousio, na Carta Constitucional de Coimbra. 

Sendo um documento meritório, surgido num contexto de reflexão sobre o poder local e a democracia participativa, é estranho e merece análise o reconhecimento do Professor Boaventura Sousa Santos, um dos seus principais impulsionadores, de que foi um “insucesso”.

Para as razões deste insucesso são aventadas várias razões, todas elas respeitáveis e decerto corretas, parecendo-me, a mim, autarca na altura, que se havia um caldo de cultura teórico em Coimbra suscetível de permitir a elaboração e aprovação de um documento desta natureza e recorte houve duas coisas que obstaram à sua afirmação prática e ao surgimento dos resultados na governação autárquica que se pretendiam.

Por um lado o documento surgiu muito como a tradução de um certo descontentamento com a governação da cidade e por outro acabou por ser utilizado como um cavalo de Troia pelos partidos e forças partidárias da oposição, cada qual à sua maneira, para combater e desgastar o executivo municipal de então, do PS.

Talvez, também, os “constituintes” tivessem exagerado nas suas expectativas, sobretudo porque muitos não conheciam suficientemente bem a Coimbra profunda, não dominavam os meandros da política concreta e não conheciam os verdadeiros anseios da grande maioria dos cidadãos eleitores. 

Houve voluntarismo, temperado com alguma ingenuidade e aproveitado com sábia hipocrisia política por uns tantos, como, aliás, o tempo veio a demonstrar, e que está bem patente no gradual e pleno esvaziamento do movimento que deu origem à “Constituição”.

A questão de porquê desenterrar agora a “Constituição” é interessante porque decorreu tanto tempo sem que dela se falasse e se percebe que está em curso a preparação, pela generalidade dos partidos e forças políticas, das próximas eleições autárquicas e que este será, por isso, um bom leitmotiv para ajudar a tratar o assunto.

Penso que é pena, se assim é, porque a Carta Constitucional de Coimbra merecia ter sido objeto de uma leitura e uma atenção cívica e política despartidarizada, ao longo destes seus 15 anos de existência e transformada efetivamente numa lei fundamental, sem donos nem tutelas.

(Artigo publicado na edição de 2 de junho, do Diário de Coimbra)