quinta-feira, 2 de junho de 2016

A CARTA CONSTITUCIONAL DE COIMBRA



Não deixa de ser curioso que agora, passados 15 anos sobre a sua aprovação, se volte a falar, depois de um longo período de pousio, na Carta Constitucional de Coimbra. 

Sendo um documento meritório, surgido num contexto de reflexão sobre o poder local e a democracia participativa, é estranho e merece análise o reconhecimento do Professor Boaventura Sousa Santos, um dos seus principais impulsionadores, de que foi um “insucesso”.

Para as razões deste insucesso são aventadas várias razões, todas elas respeitáveis e decerto corretas, parecendo-me, a mim, autarca na altura, que se havia um caldo de cultura teórico em Coimbra suscetível de permitir a elaboração e aprovação de um documento desta natureza e recorte houve duas coisas que obstaram à sua afirmação prática e ao surgimento dos resultados na governação autárquica que se pretendiam.

Por um lado o documento surgiu muito como a tradução de um certo descontentamento com a governação da cidade e por outro acabou por ser utilizado como um cavalo de Troia pelos partidos e forças partidárias da oposição, cada qual à sua maneira, para combater e desgastar o executivo municipal de então, do PS.

Talvez, também, os “constituintes” tivessem exagerado nas suas expectativas, sobretudo porque muitos não conheciam suficientemente bem a Coimbra profunda, não dominavam os meandros da política concreta e não conheciam os verdadeiros anseios da grande maioria dos cidadãos eleitores. 

Houve voluntarismo, temperado com alguma ingenuidade e aproveitado com sábia hipocrisia política por uns tantos, como, aliás, o tempo veio a demonstrar, e que está bem patente no gradual e pleno esvaziamento do movimento que deu origem à “Constituição”.

A questão de porquê desenterrar agora a “Constituição” é interessante porque decorreu tanto tempo sem que dela se falasse e se percebe que está em curso a preparação, pela generalidade dos partidos e forças políticas, das próximas eleições autárquicas e que este será, por isso, um bom leitmotiv para ajudar a tratar o assunto.

Penso que é pena, se assim é, porque a Carta Constitucional de Coimbra merecia ter sido objeto de uma leitura e uma atenção cívica e política despartidarizada, ao longo destes seus 15 anos de existência e transformada efetivamente numa lei fundamental, sem donos nem tutelas.

(Artigo publicado na edição de 2 de junho, do Diário de Coimbra)

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