sexta-feira, 21 de setembro de 2018

DESCUBRA AS DIFERENÇAS


Nas andanças que vou fazendo encontro sempre motivos de reflexão e sentimentos muitas vezes contraditórios relativamente à minha Coimbra. Da satisfação de nela viver e de aqui ver crescer a minha família a uma certa tristeza por a ver desnecessariamente ultrapassada vai um pequeno passo.

Sei, por experiência própria, que não é fácil realizarmos muitos dos sonhos cívicos, mas também sei que é possível dar passos significativos no sentido de a tornar mais acolhedora e vibrante. Talvez que o método a adotar seja o de caminhar com pequenos passos, consentâneos com uma realidade especifica e tendo em conta não estragar o existente, incorporando o que de melhor se vai concebendo e fazendo por esse mundo fora.

O que me parece essencial, para mais neste tempo de “invasão” turística, é a necessidade de identificação das nossas especificidades e das nossas diferenças, e depois entende-las, trabalhá-las e valorizá-las.

Nenhum turista virá a Coimbra para comer um hambúrguer de uma cadeia internacional de fast-food, que existe igual e com o mesmo sabor em todo o lado, ou comprar vestuário numa grande superfície em que as peças são exatamente as mesmas por esse mundo fora. Mas, haverá muito quem venha se souber que existem restaurantes tradicionais com gastronomia única, onde se pode saborear um tradicional prato de ossos de sabor especial, ou comprar roupas ou têxteis dependurados nas lojas das ruas estreitas da Baixinha.

Vários exemplos como estes podem ser encontrados e urge que pensemos coletivamente no assunto, porque somos todos parte da solução. Um, que não me canso de repetir, tem a ver com a música, onde Coimbra tem uma enorme tradição. Há aqui uma orquestra clássica, imensos coros, muitos grupos folclóricos, vários grupos de diferentes expressões musicais, melómanos competentes, etc., e uma coisa única (cá está a especificidade) o Fado de Coimbra.

A Música que neste país tem sido, em termos museológicos, vergonhosamente mal-tratada, devía-nos merecer particular atenção. O Museu Nacional da Música está instalado provisoriamente, mas há vários anos, numa estação do Metropolitano de Lisboa. Por isso parece-me, sublinho parece-me, que seria uma mais valia para Coimbra a instalação de um Museu da Música, que se poderia chamar Carlos Seixas (o nome de um músico de Coimbra, com peso institucional) e que incorporaria tudo aquilo que um museu comporta e também áreas cientificas sobre o som, a voz, etc., sem esquecer o valioso espólio musical existente na Universidade de Coimbra. Seria um projeto de parceria da Cidade e da Universidade de dimensão nacional que atrairia nacionais e estrangeiros.

Para começar a ganhar balanço o projeto poderia começar com uma candidatura à UNESCO de Coimbra como Cidade da Música, no âmbito de das Cidades Criativas. Recorde-se que ainda há relativamente pouco tempo a Universidade homenageou o Professor Rui Vieira Nery, conceituado musicólogo, que teve um papel determinante na aprovação do Fado como Património Imaterial da Humanidade, e que poderia ser solicitado a colaborar no processo.

Outro, que me parece merecer consideração tem a ver com o Jardim Botânico, de que só existem três no país: Lisboa, Porto, e Coimbra, que é o segundo mais antigo. É um jardim que, apesar de todas as dificuldades, teve sempre as portas abertas à cidade - de que é um pulmões -, e que tem vindo a fazer um enorme esforço de renovação, como aconteceu com a recente intervenção nas estufas. É um exemplo perfeito dessa parceria vital: Universidade/Cidade, que merece um apoio institucional forte, de modo a tornar-se um espaço de atratividade e visita incontornável.

Fica o desafio de que cada um agarre em papel e lápis e comece a descobrir diferenças que nos possam dar mais futuro.



sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O RANKING NOSSO DE CADA DIA


A saída da Universidade de Coimbra (UC) do top 500 do “Ranking de Xangai” foi uma má notícia, que levou o Reitor a uma tomada de posição e a um esclarecimento à comunidade universitária e o Presidente do Conselho Geral, professor João Caraça, à publicação de uma artigo no jornal Público, em 23 de agosto p.p.: “Para quê os rankings?”, procurando desvalorizar a situação sem, contudo, deixar algumas interrogações que devem merecer atenção e reflexão.

Independentemente das explicações para o sucedido, parece importante e urgente que a comunidade universitária considere o sucedido como sintoma de que alguma coisa não vai bem, porque, como diz o professor João Caraça, os rankings vieram para ficar e são um instrumento de negócio ou de poder.

Contudo, numa cidade como Coimbra em que a universidade e a cidade estão de tal forma interligadas, que a cidade se apresenta como um verdadeiro campus universitário, é imperioso que todos nos empenhemos na consideração de tudo o que possa contribuir para a melhoria do seu ranking global = cidade+universidade.

Se o ensino, a investigação e a produção cientifica são questões académicas, o espaço físico em que essa atividade se desenvolve é, sempre foi - Coimbra sabe-o bem – uma componente de grande importância, que tem de ser devidamente considerada, pelo que, vencer capelas de poder e criar um estado de espírito positivo e cooperativo entre o governo da cidade e o governo universitário é fundamental.

Quando, neste mundo global, um estudante faz uma opção por uma universidade considerará, decerto, vários indicadores: as ofertas formativas; os rankigs; os custos diretos e indiretos; e muitos outros fatores como a segurança, os transportes, o ambiente cultural, desportivo ou de lazer que a cidade de acolhimento oferece.

Hoje, em Coimbra, por exemplo, o estado dos espaços envolventes dos estabelecimentos universitários é deprimente. E ninguém está isento de culpa. Foi uma luta de anos para conseguir que o Paço das Escolas deixasse de ser um parque auto. Mas, ainda agora, o espaço fronteiro à sua entrada e à Faculdade de Letras e Biblioteca Geral continua a ser um parque de estacionamento universitário. Ali, onde impera o ensino das Humanidades, os deuses são os carros. No Polo II há uma caótica sensação de abandono – veja-se os passeios. No Polo III a confusão e a má qualidade de acessos é gritante. E ninguém sabe verdadeiramente de quem à responsabilidade por este estado de coisas.

Há, portanto, muito a fazer para melhorar o ranking, um ranking diário que a todos aproveita, o que impõe uma verdadeira e consistente aproximação institucional. Uma reunião do Presidente da Câmara e do Presidente da Assembleia Municipal, com o Reitor e o Presidente do Conselho Geral da UC para definir uma estratégia de avaliação, reflexão e atuação concertada de valorização e desenvolvimento da Cidade e da Universidade seria um bom começo. E, depois, trabalho concertado!


COIMBRA E OS JOGOS EUROPEUS UNIVERSITÁRIOS


Era desnecessário escrever sobre este assunto porque, estou certo, todos os leitores sabem que por estes dias se realizam em Coimbra os Jogos Europeus Universitários (EUG2018), que, como diz o secretário-geral da organização, é o maior evento multidesportivo realizado em Portugal.

Trata-se de um evento que está profusamente divulgado, nomeadamente pela cidade e municípios vizinhos, até porque as provas de canoagem vão ter lugar em Montemor, e que, como todos os conimbricenses sabem, envolverá 4500 atletas, de 13 modalidades, em representação de 40 países e 350 universidades.

É um grande acontecimento de dimensão nacional e repercussão internacional, qualquer coisa como metade de uns jogos olímpicos, que levou a uma preparação complexa e a um investimento importante em instalações desportivas, coisa que todos os conimbricenses conhecem e os enche de satisfação.

Já que o EURO2004, por desencontro de vontades, não permitiu a renovação do Estádio Universitário, agora passados 14 anos, há por ali beneficiações importantes e vê-se que a Cidade está entusiasmadíssima com o facto.

Aliás, só alguém muito distraído ignorará este acontecimento, porque, desde as entradas da cidade até aos locais estratégicos de maior circulação, são visíveis cartazes e outdoors de divulgação, o que, obviamente, eleva a auto-estima dos habitantes e suscita a admiração dos visitantes, particularmente dos turistas, pela a importância da cidade e da sua universidade e a dimensão que a mesma têm a nível internacional.

Hoje, quando é cada vez mais importante a “economia” do ensino e se disputam alunos de todos os cantos do mundo para frequentarem as nossas universidades, este é sem dúvida um excelente elemento de marketing que foi devidamente aproveitado e por isso a enorme divulgação que está a ter.

Numa cidade do conhecimento - que parece desconhecer-se por andar permanentemente a questionar-se sobre a sua identidade e futuro -, e que continua a ser vista como a Cidade Universitária do país, este é um momento que está a ser muito bem aproveitado e para o qual a cidade no seu todo se preparou devidamente, sabendo que há poucos acontecimentos como este que, de forma tão eficaz e económica, lhe permitirão divulgar a sua vocação universal de ensino e investigação e de smart city.

De repente lembrei-me daquela história do mestre e do discípulo que caminhavam lentamente, a meio da noite, e de súbito o discípulo diz, a meia voz: “Que silêncio”, a que o mestre responde: “Não digas que silêncio. Diz, não oiço nada.”

quinta-feira, 28 de junho de 2018

A LENDA DOS PARTOS DE CINDAZUNDA


Aproxima-se o dia da cidade e por isso será uma boa altura para revisitar a Lenda da Cidade de Coimbra, na versão poética de Frei Bernardo de Brito.

Como nos foi transmitido a contenda de Ataces com Hermenerico, no século V, acabou numa história de amor – nem poderia ser de outra maneira tratando-se de Coimbra – em que Ataces casa com a bela princesa Cindazunda filha de Hermenerico.

Partindo daqui, será legitimo imaginar um bárbaro lar cheio de amor, com principezinhos e princesinhas (atenção que referi a forma masculina e a feminina - as duas que conheço) em alegres brincadeiras e a banharem-se no Mondego.

O que Frei Bernardo de Brito não nos disse é que atendendo ao ADN da cidade, terá havido fortes discussões no paço real sobre o local onde Cindazunda deveria dar à luz os seus rebentos. Note-se que digo dar à luz e não parir, porque estamos a falar de uma princesa e não de uma qualquer mulher do povo.

A questão, na verdade, não foi pacifica. Uns saudosos dos tempos na margem esquerda do Mondego e convencidos de que ali os ares eram melhores, havia abundância de terrenos, boas condições de acolhimento para as parturientes e seus familiares e interesse estratégico em desenvolver a cidade naquele lado do rio, pretendiam que Cindazunda fosse dar à luz naqueles territórios.

Outros, os barões e as corporações da altura construiram uma narrativa, apoiada por insuspeitos conselheiros - sempre simpáticos para com o poder -, dizendo que na margem direita havia mais e melhores curandeiros e que por isso Cindazunda tinha que dar à luz na margem direita. Na verdade, eles sabiam que ali, estando mais juntinhos, se controlavam melhor e garantiam um maior poder e influência junto do rei, o que lhes era fundamental.

Ora, esta tese acabou por ganhar vencimento e a nossa princesa teve mesmo de dar à luz numa casa enorme, ali numa zona a que hoje chamamos Celas e em que, diz a lenda (se não diz vai passar a dizer), havia uma enorme confusão de carroças e cavaleiros que se acotovelavam e disputavam agressivamente local para prender as suas alimárias.

E foi assim que a partir daquele distante século V, nesta cidade que vai celebrar o seu dia e festejar Isabel de Aragão - a Rainha Santa, grande benfeitora da margem esquerda, se consolidou a lenda de que apenas é possível haver maternidade(s) em Coimbra na margem direita do Mondego. Aliás é mesmo mais natural não haver nenhuma maternidade do que uma nova construção na, ainda hoje, longínqua zona dos Covões.

PS: Peço, humildemente, aos leitores que me desculpem algumas incongruências ou erros de natureza histórica, mas como compreenderão: trata-se de uma lenda.

SETAS CULTURAIS


Passo frequentemente pela aldeia onde nasci. Digo passo e não vou, porque permaneço lá pouco tempo e conheço cada vez menos os seus habitantes o que também motiva a minha ignorância dos motivos que levam a que os responsáveis locais não estejam a preparar uma candidatura a Capital Europeia da Cultura.

É sabido que em 2027 haverá uma Capital Europeia da Cultura portuguesa, o que está a suscitar uma intensa e até insuspeita ambição cultural que tem vindo a fazer surgir candidaturas de norte a sul, o que é digno de registo e de elogio, e que nos faz lembrar que estamos a viver um novo tempo, a nível de políticas públicas, em que a cultura assume um papel cada vez mais relevante.

Mais ainda, quando se pensa que se preparam candidaturas para um evento a realizar daqui a nove anos, num país que se identifica muito mais com o desenrasca do que com o planeamento, não podemos deixar de nos congratular com todo este movimento e de agradecer a iniciativa a Melina Mercouri e à União Europeia que lhe tem dado continuidade.

Sobre as equipas de trabalho das candidaturas confesso a minha ignorância genérica quanto à sua constituição. No que toca a Coimbra, cuja constituição foi recentemente dada a conhecer, é reconhecido o mérito pessoal e profissional de alguns dos seus membros e a surpresa de vê-la integrada por dois dirigentes políticos do PSD, um de Coimbra e outro de Leiria. Tanto quanto se percebe não há uma outra tão forte representação de dirigentes partidários.

Assim, caso a candidatura de Coimbra seja vitoriosa, o PSD reivindicará legitimamente uma vitória, e o projeto cultural que irá emergir na cidade dependerá decisivamente do seu contributo. É uma vitória política à la longue de que, face ao atual contexto político-partidário, não seria de todo expectável.

Dir-se-á que não faz sentido esta consideração de índole político-partidário, mas a verdade é que ela foi tornada evidente no exato momento em que foi conhecida a equipa e até me parece que em Leiria há quem olhe para a candidatura de Coimbra como um ato político revanchista e que fale, não sei porquê, em traição.

Vamos aguardar pela decisão final e esperar que não subsistam animosidades tão recorrentes na nossa cultura política, e, sobretudo, que a ambição cultural não esmoreça porque o que menos se deseja é que a paixão pela cultura seja efémera e utilizada como arma de arremesso.

Podendo Coimbra e Leiria constituir-se como um polo determinante na afirmação do centro do país, pelas características próprias e complementares e pela proximidade geográfica, espera-se que não haja por aí uma seta a mais que acrescente dificuldade a uma aproximação e cooperação, que é importante para as duas cidades e para o país.





quinta-feira, 31 de maio de 2018

DESAFIO PERIPATÉTICO


Uma palavra que me encantou, no primeiro momento em que a ouvi, é peripatético. Pela sua estranheza e musicalidade ficou-me gravada para sempre, desde as distantes aulas de filosofia no liceu, já lá vão uns anos largos.

Não sendo um filosofo dou, contudo, muitas vezes por mim a caminhar e a reflectir, não sobre os temas que Aristóteles e os seus alunos debatiam, mas a tentar perceber alguns dos enigmas da minha cidade.

E porque as caminhadas são um excelente exercício, merecendo recomendação médica e até aconselhadas áqueles que vão ao ginásio de carro mesmo morando perto, venho recomendar (presunção não me falta) umas caminhadas reflexivas por espaços da nossa cidade, sugerindo como primeira opção uma deambulação pelo campus dos Hospitais da Universidade de Coimbra, já que está em equação a construção ali de uma nova maternidade.

Li que há um surpreendente apelo político-partidário no sentido de não discutir ou pôr em causa esta solução, mas peço que perdoem este meu apelo à desobediência. É que eu que julgava que os partidos políticos tinham, entre outras, a missão de promover o debate de intervenções relevantes no espaço público e de obras publicas estruturantes, mas, claro, estamos em Coimbra...

Pois bem, equipados de calçado adequado – atenção aos passeios degradados e ocupados por carros -, façamos uma caminhada pelo território da proposta construção da nova maternidade. Claro que o primeiro grande desafio é descobrir o local de implantação. Não vou dar pistas, porque não as tenho, mas um passeio peripatético serve para isso mesmo – descobrir coisas enquanto se caminha.

Talvez que os prescritores da construção da nova maternidade num recanto daquele espaço, possam ajudar, até porque sendo alguns médicos estou certo que terão feito (até por deformação profissional) um diagnóstico cuidado – holístico - de todo o espaço e terão entendido que há boas soluções de cura para a enorme confusão que diariamente rodeia o hospital já existente e o Polo III, sem esquecer a envolvente urbana.

Peço-lhes que, perante o olhar atento que um momento peripatético implica, não estranhem que hoje o parque industrial de uma qualquer cidade ou vila seja mais bem organizado, tratado, sinalizado e estimado do que é a área importantíssima do Polo III da Universidade de Coimbra.

Claro que haverá no meio de tudo isto uma inspirada visão de futuro que me escapa, lamento confessá-lo, em que a densificação hospitalar somada à confusão de circulação e mobilidade sejam um paradigma de sucesso.

Não sei se face à minha idade e mesmo tendo em conta o atual indicador de esperança de vida, conseguirei ver como a maldição das obras públicas em Coimbra acaba por ser um fator de sucesso.



DEPOIS NÃO SE QUEIXEM


A partir de agora passámos a uma nova categoria: somos interioridade académica. Face à concentração de alunos inscritos no ensino superior em Lisboa e Porto o ministério decidiu reduzir o número de vagas nestas cidades, procurando assim “obrigar” alunos a irem para o interior.  

Não parece que, nos tempos que correm e nesta área, imposições desta natureza produzam bons resultados. O que seria relevante era uma visão do país, e consequentes medidas políticas globais, nomeadamente a nível de investimento público, que combatessem a bipolarização que se tem vindo consistentemente a concretizar, fazendo de Lisboa e Porto um país de primeira, no restante país de segunda em que Coimbra e o centro estão transformados.

A decisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de tomar uma medida administrativa de planeamento territorial é, também, sintomática de que hoje a procura de formação superior e a realização de investigação não tem a ver apenas com a qualidade do ensino e dos projetos de investigação mas muito a ver com o ambiente urbano em que o estabelecimentos se inserem.

Já lá vai o tempo em que Coimbra era o paradigma da cidade universitária. Esse tempo acabou e se ainda há alguns fatores de atratividade eles têm vindo a desaparecer de forma preocupante.

A universidade ainda se vai aguentando nos rankings internacionais no que toca ao seu nível de ensino, facto que hoje como se percebe não é, só por si, determinante. Por seu lado a cidade tem tido uma imensa dificuldade em conseguir encontrar um caminho atrativo e entusiasmante para estudantes, investigadores e professores.

É que uma cidade de média dimensão, tratada como periférica e agora até integrada no conceito de interioridade, tem de realizar um esforço complementar e ter uma dinâmica especial para conseguir vencer os estrangulamentos de que é alvo, o que não tem vindo a acontecer.

A complicar tudo há um óbvio divórcio entre a cidade e a universidade, sendo evidente que não só não se tomam decisões concertadas e articuladas, como há uma degradação global de áreas urbanas e universitárias que é preocupante. Os polos II e III da universidade são disso um exemplo gritante.

Depois há um desaproveitamento lamentável de divulgação, com prejuízo mútuo, de iniciativas de dimensão relevante e com projeção internacional, como foi, recentemente, a realização do World Health Summit (VHS) e agora são os EUSA 2018 – Jogos Europeus Universitários 2018, que deveriam estar a ser profusamente divulgados por toda a cidade e nos sites institucionais.

Por tudo isto só apetece dizer: continuem assim e depois não se queixem.

GRATIDÃO E LEALDADE


Tenho um divida de gratidão para com Coimbra que nunca conseguirei pagar.

Na conta corrente do meu viver há um imenso débito que tenho para com ela, que vou procurando amortizar defendendo-a e tentando que lhe deem o carinho, a atenção e o cuidado de que entendo ser merecedora.

Escrevo, por isso e também por lealdade, frequentemente sobre Coimbra, sabendo que corro o risco de múltiplos entendimentos, nomeadamente os de que as minhas palavras criticas têm um destinatário preciso. Não é verdade, o que escrevo é a favor de Coimbra!

Para mais, Coimbra tem a particularidade de ser uma cidade onde coexistem diversos poderes, muitas “igrejas” e “capelas” e por isso admito que os meus escritos sejam lidos pelos crentes desses “templos” de forma variada.

A questão essencial é que a minha cidade não tem conseguido ultrapassar certos estrangulamentos e confusões e tem, por isso mesmo, ficado para trás num campeonato exigente e complexo que não permite hesitações, tibiezas e, sobretudo, inercias, o que não se pode deixar de lamentar.

Sabemos que o demasiado novo (neofilia) desconcerta e que o demasiado velho (neofobia) aborrece, mas há que saber aproveitar os contributos dos defensores dessas teses, tendo em conta que o importante é que olhemos para onde devemos e não para onde querem que olhemos.

É, igualmente, sabido que as doenças que atingem muitas cidades têm a ver com mudanças subterrâneas, quase impercetíveis, e que outras emergiram de situações difíceis e se tornaram espaços vibrantes porque houve a capacidade de escutar e ouvir, e de perceber novas realidades.

Uma outra divida de gratidão que tenho é para com o 25 de Abril. Não consigo imaginar o que seria a minha vida sem esse dia extraordinário. Se relativamente a Coimbra tenho de enaltecer os méritos do espaço onde vivo, relativamente ao 25 de Abril tenho de agradecer a liberdade e os valores que me permitiram ter futuro como cidadão. Por isso também aqui a minha gratidão e a minha lealdade.

Acontece que nas recentes comemorações do 25 de Abril, em Coimbra, um dos momentos mais destacados foi o da inauguração de um parque de estacionamento na Praça das Cortes, junto a uma entrada da cidade. Confesso a minha dificuldade em conciliar estas duas coisas. Para mim a cidade necessita de intervenções de requalificação do espaço público que tenham em conta as pessoas e um olhar para o futuro.

Colocar o carro como objeto de preocupação principal e elevá-lo a ícone, ainda que momentâneo, de uma revolução libertadora não me parece que tenha sido um contributo positivo para este dia, para mais uma Praça que tem o nome de um relevante acontecimento histórico.

Contrariamente ao que muitos dos meus concidadãos defendem, não são os carros e a profusão de estacionamento que farão de Coimbra uma cidade de futuro, bem pelo contrário. Um dia os nossos filhos e netos condenarão a nossa cegueira automóvel e o que temos destruído, ou não realizado, em seu nome.

Esta não foi a celebração que Abril e Coimbra mereciam. Digo-o por gratidão e lealdade.