quarta-feira, 31 de março de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 42



A capacidade natural de liderança.

É uma fonte secreta de superioridade. Não deve ter origem num enfadonho artifício, mas numa natureza imperiosa. Todos se rendem sem saber como, ao reconhecer o vigor secreto da autoridade inata. Estes homens (temperamentos majestosos, reis por mérito próprio e leões por privilégio inato) tomam o coração e a mente dos outros como prova de respeito. Se têm outras boas qualidades, nasceram para ser os primeiros agentes políticos, pois conseguem mais com um gesto que outros com uma prodigalidade.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

terça-feira, 30 de março de 2010

DIÁLOGOS NA CÂMARA - XIV

O vice-presidente estava nervoso, não sabia onde colocar as mãos e o sorriso amarelo era indisfarçável. Por seu lado o presidente mostrava descontracção e até um certo ar de inexplicável felicidade.

- Então, meu caro, o que me diz dos resultados - perguntou o presidente.

- Ora, senhor presidente, não era aquilo desejávamos era o que temíamos e por isso não posso deixar de dizer que não me sinto lá muito satisfeito - respondeu o vice-presidente.

- Não me diga isso. Então não era isto que esperávamos e que desejávamos!? Onde é que foi buscar essa ideia? Sempre disse que ia ser este o resultado e por mim estou muito satisfeito. Ele até nasceu em Coimbra. Aliás, aconselho-o vivamente a expressar a maior alegria pelo resultado obtido pelo nosso novo líder - atalhou convicto o presidente.

- Mas... senhor presidente, nós apoiámos publicamente outro candidato, não sei se recorda!? - referiu confuso o vice-presidente.

- Olhe, meu caro, veja o que me acabou de dizer. Se reparar, falou no passado. Isso é uma questão ultrapassada e esquecida. Na verdade o nosso apoio ao novo líder é inequívoco e entusiástico. Neste momento temos tão só de começar desde já a organizar devidamente as coisas - acrescentou o presidente.

- Organizar as coisas... Mas a que coisas se refere, senhor presidente - interrogou um confuso vice-presidente.

- Bem, por exemplo, temos de escolher a música que devemos usar nas nossas recepções. É importante adoptar música clássica, concretamente árias de ópera e acabar com isso do fado de Coimbra, pois como sabe ele faz exercícios de canto e de certo não é canto gregoriano. Mais, temos de pensar nas nossas gravatas e sobretudo no nó. E eu que gosto tanto deste nó largo..., mas enfim o mais importante é o poderzinho. Vá por mim, meu caro - disse com tom decidido o presidente.

- Olhe, senhor presidente, eu decididamente não tenho a sua capacidade de encaixe - disse amargurado o vice-presidente.

- Pois é, é por isso que é só vice-presidente, mas olhe que como já lhe disse tem de treinar para assumir isto. Anime-se, homem. Vá lá, ombros para cima, encha o peito de ar e repita comigo: Fizemos uma excelente escolha. Foi sempre a nossa verdadeira opção. Temos um grande líder! - exclamou o presidente e acrescentou - Não se esqueça, a partir de amanhã gravatinha lisa e tons azulados. Vai ver que até lhe fica bem. Quanto ao nó, vamos esperar mais algum tempo para ver...

O vice-presidente sentia-se, ele sim, um pouco azulado e com um nó na garganta.

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO


Diferença entre crescimento e desenvolvimento:

AS LIXEIRAS CRESCEM MAS NÃO SE DESENVOLVEM

segunda-feira, 29 de março de 2010

O PEDRO, O PASSOS E O COELHO



1. O Pedro

O Pedro é um jovem, que nunca foi bem jovem, com pouco mais de quarenta anos. Cultiva uma imagem de galã, com fatos de bom corte e gravatas monocolor, porque está convencido de que este é o vestuário recomendado para primeiro-ministro. Como hobby faz gargarejos, não tanto na procura da perfeição no belo canto, mas para aprimorar a técnica da entoação na oratória e assim arrebatar as massas com liberais discursos políticos.  O Pedro nunca acreditou que existisse um qualquer "Pulo do Lobo" e sempre esteve convencido de esta era um referência a um tema de reportagem do National Geographic.

2. O Passos

O Passos é um jovem, que nunca foi bem jovem, com pouco mais de quarenta anos. Social-democrata de cartão e liberal de coração, ameaçou um dia o rigoroso Cavaco a quem agora, neste tempo de "paixão", conseguiu derrotar, acrescentando-lhe mais uma "estação" na via-sacra presidencial. Cultor do vazio, o Passos, não gosta de conviver com quem não sabe comer bolo-rei e admite que só aceitará tomar chá com pastéis de Belém se estes tiverem muita canela.

3. O Coelho

O Coelho é um jovem, que nunca foi bem jovem, com pouco mais de quarenta anos. Tendo mostrado vontade de correr começou a ser treinado e apoiado por um sabedor angelo, que sendo filósofo nos tempos livres e tendo sido acidental gestor de polícias é um activo cultor de negócios.  Contudo, a corrida do Coelho é tecnicamente muito criticada pelo grande especialista  Pacheco Pereira que, em tempos, escreveu que ele tem "uma biografia do nada".

Nota final. O Pedro, o Passos e o Coelho são um ser uno, que vai assumir o papel de principal rosto da oposição e sobre o qual pairam dúvidas e expectativas muito especialmente em Cascais, no Estoril e em Sintra, sítios muito cosmopolitas onde os grandes chefes fazem elaboradas ementas e cozinham requintados pratos.

VALORES E CORRUPÇÃO

Dado que o debate sobre a corrupção continua na agenda política e mediática e porque hoje é começo de semana, apenas uns breves parágrafos, para reflexão, retirados do livro "Resistir", de Ernesto Sabato:

"Outro valor perdido é o da vergonha. Notaram que as pessoas já não têm vergonha e que, então, acontece que entre pessoas de bem se pode encontrar, de sorriso aberto, qualquer sujeito acusado das piores corrupções, como se nada fosse? Noutro tempo, a sua família ter-se-ia enclausurado, mas agora é tudo o mesmo e alguns programas de televisão solicitam-no e tratam-nos como a um senhor.

Na perspectiva do homem moderno, as pessoas de antigamente tinham menos liberdade. As possibilidades de escolha eram menores, mas a responsabilidade era, sem dúvida muito maior. Nem sequer lhes ocorria que pudessem descartar-se dos deveres a seu cargo, da fidelidade ao lugar que a vida parecia ter-lhes outorgado.

Era notável o valor que as pessoas davam às palavras. Nunca eram armas para justificar factos. Hoje todas as interpretações são válidas e as palavras servem mais para nos descartarmos dos nossos actos do que para responder por eles.

...

Quando a quantidade de culturas relativiza os valores e a "globalização" as esmaga com o seu poder arrogante, o ser humano, no seu desconcerto, perde o sentido dos valores e de si próprio e já não sabe em quem ou em quê acreditar."

ARMAZÉM DAS ARTES - ALCOBAÇA


Estes dias da Páscoa, meteorologicamente incertos, propiciam, não raramente, boas surpresas quando se vai por aí, sem destino certo, aproveitando uns dias de descanso.

Por mim deixo uma sugestão sem pinga de imaginação: vão até a Alcobaça. É uma cidade simpática, com uma boa gastronomia e em cujo Mosteiro, que todos já conhecem, merece a pena beber o silêncio e refrescar os olhos. 

Dos túmulos de Pedro e Inês já terá sido tudo dito mas talvez mereça a pena pensar quem seriam os canteiros que deixaram as suas iniciais gravadas nas pedras que talharam e assentaram com sabedoria.

Mas, se foram a a Alcobaça, seguindo este meu "sábio" conselho, guardem uns minutos para visitar o Armazém das Artes, um espaço cultural que fica logo ali à frente do Mosteiro e onde podem ver arte contemporânea - pintura e escultura, em que sobressai o escultor José Aurélio - e, complementarmente, uma exposição de instrumentos de precisão que, tenho de confessar, é  inesperada e extraordinária.

Acreditem que há verdadeira magia em todos aqueles parafusos e rodas dentadas e uma perfeição estética que deslumbra. 

E neste momento também ali estão expostos gramofones, rádios, etc.,  equipamentos de cuja existência nem se desconfia mas que nos orgulham  tal como as pedras que o canteiro assinou e que sustentam aquela grandiosa nave que acolhe um símbolo maior do amor humano.

Os contactos do Armazém das Artes - Fundação Cultural são os seguintes: geral@armazemdasartes.pt - www.armazemdasartes.pt

Nota: Não acreditem no que eu digo, vão mesmo ver para terem a certeza.

sábado, 27 de março de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 41


Nunca exagerar.

É importante para a prudência não falar com superlativos, para não faltar à verdade e para não ofuscar a cordura. Os exageros são abusos na estima e indícios de escassez de conhecimento e gosto. O elogio desperta vivamente a curiosidade, excita o desejo. Depois, se o valor não corresponde ao preço, como sucede com frequência, a expectativa volta-se contra o engano e desforra-se com o desprezo do elogiado e daquele que elogiou. Por isso o prudente anda devagar e prefere pecar por defeito a por excesso. O excelente é raro: é necessário moderar a estima. Exagerar é uma parte da mentira. Por isso perde-se a reputação de bom gosto e, o que é mais grave, a de ser erudito.
A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

@ (ARROBA)

 Uma vez por outra marco encontro com o livro "Lettres Latines", de Laurent Pflughaupt (grafista, pintor e calígrafo), que tem para mim qualquer coisa de mágico e encantatório. 

No fundo trata-se do encontro, como é dito no sub-título do livro, com "formas notáveis". É um encontro com as letras. 

Mais, é um encontro com a história, com a beleza, com o desenho aperfeiçoado durante séculos por aquela mão que levava Anaxágoras  a afirmar que: "O homem é inteligente porque tem uma mão".  

É a consciência que só posso estar aqui a tentar comunicar porque há formas que o permitem - as letras.

Por isto e na sequência de uma conversa amiga, a seguir transcrevo - numa tradução livre e truncada -, uma breve explicação sobre a @ Arroba, inserida no referido livro.

"Dum ponto de vista formal, o sinal resulta da contracção gráfica do a e do d, formando a proposição latina ad que indica o movimento e a direcção como na expressão "ad urbem venire", que significa "vir à cidade". Tem o mesmo significado da preposição inglesa at.

Etimologicamente, a palavra arroba vem do espanhol arroba que designa uma antiga unidade de medida de peso (utilizada igualmente em Portugal) que equivalia a 11,5 kg.

O sinal @ é igualmente conhecido com a designação "a comercial".

Em 1972, o informático Ray Tomlinson utiliza-o como separador de palavras nas moradas e-mail."

E, assim, aqui temos a nossa @ sem a qual já não saberíamos viver.

sexta-feira, 26 de março de 2010

AFINAL ESTÁ TUDO DOIDO

De acordo com os resultados preliminares do primeiro estudo sobre a saúde mental em Portugal,  apresentados, recentemente, pelo Coordenador Nacional de Saúde Mental, um em cada cinco portugueses sofre de doenças psiquiátricas. 

Comparativamente com outros países Portugal é o que tem a prevalência mais alta a nível europeu, com um padrão atípico e com números que só se aproximam dos Estados Unidos.

Se a questão não fosse demasiado grave poderíamos vangloriarmo-nos de, finalmente, termos um indicador em que somos os primeiros na Europa  e que nos coloca ao nível da maior potência mundial. 

Por outro lado o Coordenador Nacional refere que: "apesar de se falar muito da depressão, as patologias ligadas à ansiedade são as mais prevalecentes, como é o caso das perturbações de pânico, de ansiedade generalizada, fobias sociais (como o medo das alturas e de espaços fechados), stress pós-traumático e perturbações obsessivo-compulsiva."

Não sei porquê mas dá ideia que nada disto é novidade. Aliás, a comunicação social deu um reduzido destaque à apresentação deste estudo, talvez por não lhe ter encontrado nada de especial, tanto mais que, quase no mesmo momento, relatava o comportamento de muitos dos adeptos que foram assistir à final da Taça da Liga.

A questão é séria. Dá que pensar nas consequências para o país o facto de ter um quinto da sua população com doença mental, o que significa, por exemplo, que também é possível que um quinto dos nossos políticos, dos nossos banqueiros, empresários, gestores, etc., tenha problemas mentais.

Aliás, fica a dúvida se no nosso país não é uma arte ser doente mental e se não haverá mais leitores, do que aqueles que se imagina, do divertido e provocador livro do professor e psiquiatra Pio de Abreu: "Como Tornar-se Doente Mental.

Lamentavelmente somos muitas vezes confrontados com situações bem preocupantes, com as quais não temos sabido lidar, e que  representam graves consequências não só em termos de imagem nas também económicas e sociais.

Tenham-se em conta os relatos e as imagens que Luís Fernandes, no seu blogue "Questões Nacionais" http://questoesnacionais.blogspot.com/, tem dado do que se passa na Baixa de Coimbra, onde cidadãos carecidos de ajuda e tratamento na área psiquiátrica vagueiam perturbadoramente, afugentando clientes e turistas.

No meio de tudo o que vai acontecendo fica agora o temor de que seja mesmo verdadeira a habitual expressão: "Afinal está tudo doido!".

OS DEMÓNIOS DE SWEDENBORG


Por casualidade e não porque hoje seja Sexta-feira e haja umas eleições, descobri a descrição que Swedendorg faz dos demónios e que eventualmente poderá enriquecer o conhecimento de alguns:

Os Demónios de Emanuel Swedenborg (1688-1772) não constituem uma espécie; procedem do género humano. São indivíduos que, depois da morte, escolhem o Inferno. Não estão felizes nessa região de pântanos, desertos, florestas, aldeias arrasadas pelo fogo, lupanares e obscuras guaritas, mas no Céu seriam mais desgraçados. Por vezes, um raio de luz celestial chega-lhes lá do alto e os Demónios sentem uma espécie de queimadura e um cheiro fétido. Julgam-se formosos, mas muitos têm rostos bestiais ou caras que são meros pedaços de carne ou não têm cara. Vivem no ódio recíproco e na violência armada; se se juntam, fazem-no para se destruírem ou para destruírem alguém. Deus proíbe os homens e aos anjos traçar um mapa do inferno, mas sabemos que a sua forma genérica é a de um Demónio. Os Infernos são mais sórdidos e atrozes e ficam a ocidente.

quinta-feira, 25 de março de 2010

DIÁLOGOS NA CÂMARA - XIII

O vereador olhava atento o vice-presidente que, com ar displicente, sorvia o café. 

No intervalo entre dois golos, o vice-presidente percebendo a ansiedade do vereador disse pausadamente - Também eu fiquei preocupado. O presidente pareceu-me irritado com aquele seu sorriso baço e umas frases enigmáticas. Acho que ele está à espera dos resultados eleitorais para reagir.

- Olhe, eu penso o mesmo. Parece-me que esta história da água ainda vai dar água pela barba a alguém - retorquiu o vereador.
 
- Pois é. Quando começam a falar muito, a apresentar muitos power points e a aparecer muito engravatados nos jornais, o presidente fica logo de pé atrás. Para mais há por ali umas histórias antigas, mal contadas, e a coisa ainda vai dar para o torto - acrescentou o vice-presidente.

- Sabe, eu custa-me a perceber onde está o problema mas a verdade é que o passado já devia ter ensinado ao nosso companheiro como as coisas funcionam. Aliás, eu até me parece que ele está a esticar a corda deliberadamente na convicção de que o seu candidato vai ganhar - respondeu o vereador.

- Tem razão. Mas eu, seja qual for o resultado, não estou muito certo de que as coisas fiquem por aqui e, então, se ele reincidir mais dia menos dia vai com uma perna às costas - retorquiu o vice-presidente, e acrescentou - Aliás, não sei se ouviu a história que o presidente resolveu contar, depois de ver os jornais?

- Não. Não ouvi, não estava presente - respondeu, curioso, o vereador.

- Olhe, sem mais nem menos resolveu dizer qualquer coisa assim: "Um homem sonha que é uma borboleta. Saltita de flor em flor, abrindo e fechando as asas sem se lembrar da sua natureza humana. Quando acorda, percebe que é um homem. Só que aquele sonho deixou-o confuso e fica a interrogar-se se será ele um homem que acaba de sonhar que era uma borboleta ou se é uma  borboleta a sonhar que é homem. Como não conseguia decidir-se houve alguém que teve de o trazer à realidade" - contou o vice-presidente.

- Não há dúvida, o presidente é um homem sabedor - disse, pausadamente, o vereador.

- E implacável - acrescentou o vice-presidente. 

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

COIMBRA E O VALOR DA CULTURA

Há um debate sobre o valor (ou os diversos valores) da cultura que de tempos a tempo ocorre, como um convidado sazonal que chega para ocupar parte do serão e que depois parte sem consequências.

No passado mês de Março foi apresentado à ministra da Cultura um estudo elaborado pelo professor Augusto Mateus: "O Sector Cultural e Criativo em Portugal", de que se poderá consultar um "Sumário Executivo" no sítio do Ministério da Cultura. Aí podemos obter, mais uma vez, de forma sintética um interessante conjunto de elementos para análise e ponderação sobre a importância da cultura.

Ontem o Público dava destaque a esse estudo, à política cultural (com uma entrevista à Ministra da Cultura) e fazia uma referência a sectores criativos que podem fazer crescer a economia.

O tema não é, como já disse, novo e aqui por Coimbra tem sido alvo de sucessivas abordagens motivadas, sobretudo, pela angustia de  assistir à decadência cultural de uma cidade graças aos erros e  à falta de visão da política autárquica seguida nos últimos anos, que foi destruindo paulatinamente o seu nervo cultural e cultivando a a mediocridade.

Politicamente os últimos 8 anos foram, sem dúvida, marcados, a nível autárquico, por um atroz distanciamento relativamente aquilo que é hoje o entendimento sobre a importância  da cultura e à necessidade de definição de adequadas políticas públicas que potenciem o seu desenvolvimento consequente e sustentado. 

Fruto dessa política cavou-se um fosso, cada vez maior, relativamente a Lisboa e ao Porto, e se estabelecermos um ranking cultural estou certo que Coimbra ficará muito abaixo da pretensa terceira cidade que ainda pretende ser.

No actual mandato autárquico a nomeação de uma nova vereadora da cultura suscitou expectativas positivas e acreditou-se que haveria um novo olhar e uma nova política cultural. Se a expectativa ainda se mantém é, contudo, necessário ter presente que o verdadeiro centro de decisão está na presidência da Câmara, para quem a cultura se resume a uma palavra circunstancial e a uma visão meramente instrumental em tempo eleitoral.

Um estudo interessante seria o de avaliar o valor da cultura  para Coimbra  e perceber como o desprezo a que tem sido votada tem levado a uma objectiva queda da cidade em termos económicos, de qualidade de vida e até académicos.

Hoje escolhem-se cidades e não países para viver, trabalhar, ou estudar e um dos factores determinantes de competitividade urbana é o cultural, por isso não é de admirar a reconhecida fuga da cidade.

Uma nota final, o responsável por essa decadência tem um rosto.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 40

"Dom de gentes".

Conseguir a admiração geral é muito, mas ganhar o afecto é mais. Tem algo de boa estrela, e mais de diligência. Começa por aquela e continua com esta. Não basta ter excelentes qualidades, ainda que sejam necessárias, uma vez que é fácil obter o afecto com uma boa reputação. Para a benevolência necessita-se beneficência: fazer o bem com as duas mãos, ter boas palavras e melhores obras, amara para ser amado. A cortesia é o melhor sortilégio político das grandes personagens. Primeiro factos depois palavras: ir da folha da espada à do livro, pois os escritores têm também um dom e é eterno. 
A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

segunda-feira, 22 de março de 2010

VISÃO E VONTADE POLÍTICA

O Senador Barack Obama escreveu, em 2006, um livro com o título A Audácia da Esperança, que era mais do que um programa de candidatura. Ali se encontram a reflexão decorrente da experiência pessoal, os meandros da política americana e a visão de uma nova América e do seu papel no mundo.

Dizia a certa altura: "Ao contrário da Segurança Social, os dois principais programas de cuidados de saúde financiados pelo Governo - O Medicare e o Medicaid - estão de facto falidos. Caso não haja alterações, em 2050 estes dois programas, juntamente com a Segurança Social, podem passar a consumir uma percentagem da economia nacional igual à de todo o orçamento federal actual. A adição de benefícios na compra de medicamentos revelou-se extraordinariamente dispendiosa, com cobertura limitada e incapaz de de controlar o custo dos medicamentos, e só piorou a situação. O sistema privado, por sua vez, evoluiu para uma manta de retalhos de burocracia ineficaz, papelada atrás de papelada, fornecedores sobrecarregados e doentes insatisfeitos.
    Em 1993, o Presidente Clinton deu um primeiro passo para a criação de um sistema de cobertura geral, mas foi bloqueado. Desde então, o debate público encontra-se num impasse, com algumas vozes à direita exigindo uma dose maior de disciplina do mercado, através de contas de poupança-saúde, outras vozes à esquerda exigindo um plano de cuidados de saúde com pagador individual, semelhante aos que existem na Europa e no Canadá, e especialistas de todo o espectro político a recomendar uma série de reformas do sistema existente, notórias mas graduais.
   É chegada a altura de quebrarmos este impasse, e para isso temos de reconhecer algumas verdades simples.
   Dada a quantidade de dinheiro que gastamos em cuidados de saúde (per capita, é mais do que qualquer outra nação), deveríamos poder garantir uma cobertura básica para todos. Mas não é possível sustentar as actuais taxas de inflação anuais de cuidados de saúde. Temos de conter os custos para todo o sistema, incluindo o Medicare e o Medicaid.
   Tendo em conta que os Americanos estão a mudar de emprego com maior frequência, têm mais probabilidades de passar por fases de desemprego e de trabalhar em part-time ou como trabalhadores independentes, os seguros de saúde já não podem funcionar através da entidade empregadora. Têm de ser transportáveis.
   O mercado sozinho não consegue resolver as maleitas dos nossos cuidados de saúde - em parte, porque o mercado provou já ser incapaz de criar reservas de segurados suficientemente grandes para manter acessíveis os custos para os indivíduos, em parte porque os cuidados de saúde não são como outros produtos ou serviços (quando adoece um filho, não vamos à procura da oferta mais em conta).
   E, por fim, independentemente das reformas que implementemos, estas devem garantir fortes incentivos para melhorar a qualidade, a prevenção e a aplicação mais eficiente dos cuidados."

Hoje o Presidente Obama, como, aliás, já teve oportunidade de dizer, vive um momento especial da sua presidência ao ver a sua reforma da saúde ser aprovada no Senado. Depois de todos os esforços que outros presidentes, antes dele, fizeram e que foram votados ao fracasso, eis aí uma reforma particularmente importante para o país mais poderoso do mundo, onde 46 milhões de habitantes não têm seguro de saúde e 25 milhões têm uma cobertura insuficiente para as suas necessidades.

Não se imagine que vai surgir na América um Serviço Nacional de Saúde idêntico ao nosso mas que há um passo significativo no sentido duma cobertura universal pelo sistema público isso é evidente.
 
É nestes momentos que se percebe a importância da visão e da vontade política. 

ARTE DA PRUDÊNCIA - 39



Perceber quando as coisas atingiram o seu ponto, a sua maturidade, e saber desfrutá-las.

Todas as obras da natureza atingem a plenitude da sua perfeição: até aí foram ganhando, a partir daí irão perder. São raras as obras de arte que a alcançam, pois não se pode melhorar. Gozar cada coisa na sua plenitude é próprio de um excelente gosto; nem todos podem, nem todos os que podem o sabem fazer. Até os frutos da razão atingem esse ponto de maturidade; é importante conhecê-la para estimá-la e utilizá-la.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

sábado, 20 de março de 2010

UMA PRIMAVERA INVERNOSA

A Primavera escolheu este sábado para começar. Lá pelas 17 horas. 

O dia, por aqui, começou chuvoso e prevêem-se trovoadas. 

O País é percorrido por um movimento cívico de limpeza de lixeiras que merece respeito, mas que é típico de um país porco. Que bom seria um esforço diário de organização, limpeza, respeito cívico! 

Não se fala das andorinhas que já chegaram, nem das mimosas que amarelam a paisagem. A propósito, Gabriel Garcia Marquez faz questão de ter sempre por perto um ramo de flores amarelas - parece que para dar sorte ou afastar o azar. 

Mas, o mais estranho não é o tempo meteorológico é o tempo político e o tempo social - é de inverno e não de primavera que se fala.

Apesar de tudo não se esqueça o ritual de ouvir as "Quatro Estações", de Vivaldi - il prete rosso (o padre vermelho), sem conotações políticas, tinha o cabelo ruivo - que não celebrava missa. E, já agora, ouvir a versão do violinista Nigel Kennedy.

sexta-feira, 19 de março de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 38

Saber retirar-se quando se está a ganhar.

É o que fazem os jogadores profissionais. É tão importante uma retirada graciosa como um ataque esforçado. É necessário colocar a salvo os êxitos quando são suficientes, e mesmo que sejam muitos. Um êxito continuado sempre foi suspeito; é mais segura a boa sorte quando alternada;  e se tem um trago agridoce é mais desfrutada. Quanto mais correm os êxitos, atropelando-se, maior o risco de resvalarem e caírem no chão. Às vezes é compensada a brevidade da duração com a intensidade da sorte. A fortuna cansa-se de nos levar às costas por muito tempo.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

quinta-feira, 18 de março de 2010

O PEC E A COR DA ROSA

A leitura do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) é um exercício importante, mas preocupante.

Com efeito, ver condensado em números e desenhado em consequentes medidas políticas o nosso presente e o nosso futuro, tal como nos é apresentado, não é confortável, apesar de se saber que a realidade é dinâmica e não vai ficar prisioneira de alguns dos cenários propostos. 

Mas, é sobretudo desconfortável a convicção de que aquilo que está previsto é indubitavelmente negativo para muitos dos cidadãos que mais fragilidades económicas e sociais enfrentam e, por isso, as preocupações situam-se nas medidas concretas que "parecem" pôr em causa políticas sociais fundamentais; agravar desigualdades; e retirar sustentabilidade a um modelo social europeu cuja preservação é condição essencial à construção da Europa, tal como a temos sonhado.

Governar e fazer opções é um exercício  particularmente difícil, sobretudo em momentos de crise, mas é também nestes momentos que vimos claramente vistas as opções políticas e são elas que falarão no futuro.

Para mais há vários futuros que, com este PEC, vão estar em jogo: o do país; o de todos nós; e o do próprio partido do governo - o PS.

Espero que a discussão na Assembleia da República ajude a perceber, com clareza, certas opções, nomeadamente quanto às politicas sociais e fiscais, que mereceram uma tão rápida bênção do presidente da Comissão Europeia, o que, devo confessar, de imediato, me preocupou.

Não gostaria de ver, neste momento de dificuldades mas por isso mesmo também de oportunidades, a rosa, com a sua cor natural, substituída por uma preocupante rosa negra.


UMA FOTOGRAFIA PREMONITÓRIA?


A propósito da realização da Red Bull Air Race de 2010 o jornal Público insere na sua na primeira página - não decerto por acaso - uma fotografia  de António Costa com Rui Rio que poderá ter o seu quê de premonitório.

Será que não estarão ali os dois futuros líderes dos principais partidos deste país?

A ROLHA STALINISTA


Em vésperas de eleições o dirigente nacional PSL, do PSD,  perguntou aos seu companheiro de partido PP:

   - O que pensas do nosso líder?

Ao que PP respondeu:

   - O mesmo que tu.

Ah sim! - exclamou o dirigente PSL - Então vou ter de te abrir um processo disciplinar.

quarta-feira, 17 de março de 2010

BULLYING POLÍTICO

Dizia o escritor Richard Zimler, na última edição do semanário SOL (local sem dúvida apropriado), que não compreendia tanto ódio nem tantas emoções primárias em relação a Sócrates.

Com efeito, é difícil compreender certas acusações e ataques de pessoas que temos por "equilibradas e inteligentes", que ultrapassam a esfera política e se inscrevem numa irracionalidade e num primarismo verdadeiramente perturbadores.

Sabemos que o poder sempre suscitou "ódios", particularmente daqueles que o ambicionam e não são capazes de o conseguir, mas entre esse "comportamento normal"  e o que tem acontecido relativamente ao actual primeiro-ministro vai uma enorme distância. É um fenómeno que merecerá estudo e que, para nosso bem, se espera não faça escola.

Se quisermos olhar para o que se tem passado, podemos dizer, utilizando um jargão em moda e tendo em conta aquilo que é a sua caracterização técnica, que estamos perante uma situação de bullying político.

Com efeito há, por parte de um vasto conjunto de políticos, analistas, comentadores e jornalistas, um reiterado comportamento agressivo e negativo para com José Sócrates que implica o insulto, a divulgação de rumores negativos, a depreciação política e pessoal, o sarcasmo e, inclusivamente, o envolvimento da sua família em questões que em nada têm a ver com a actividade política.

Há, portanto, um conjunto de factores que caracterizam o designado bullying, que nunca foram vistos relativamente a outro primeiro-ministro. 

Estamos perante uma deriva analítica e de combate político que é perigosa, a que não estávamos habituados e que contém um conjunto de germes de destruição com evidentes consequências futuras.

Sabemos que a política é violenta, que não há contemplações, e que exige, mesmo, um constante e profundo contraditório e um combate ideológico, sem os quais não há possibilidade de um governo democrático, mas isso é muito diferente do que se tem vindo a passar. Hoje prevalece o insulto gratuito, a insinuação e a afronta pessoal e não a afronta ao poder e às ideias de quem o exerce. 

Dir-se-à que José Sócrates não é uma vítima indefesa, porque tem poder, tem um partido que o apoia e está respaldado no voto popular, mas não é bem assim. Não tem nem pode usar armas iguais às dos seus  opositores,que abandonaram a contenção democrática das palavras, dos meios e dos valores e se assumiram como inimigos figadais para quem vale tudo.

Pode-se discordar das políticas, do modo de governação, do estilo do governante - até dentro do PS há quem tenha estas discordâncias - mas é difícil entender o aviltamento reiterado e permanente e a substituição de tudo o que são pressupostos de acção política, ou de princípios deontológicos, no combate a um homem e ao homem.

Há um excesso hoje patente na nossa vida política, nunca antes visto, que vai ter graves consequências futuras e que não é nada saudável.

O necessário combate ideológico e político de que o país precisa está a ser submergido pela calúnia e pelo ódio pessoal e isso é algo profundamente lamentável, de todo desnecessário e que merece, também ele, ser condenado como um verdadeiro acto de bullying político, que efectivamente é.

terça-feira, 16 de março de 2010

HOMENAGEM À LEI DA ROLHA

Nestes dias tão estranhos, em que se misturam coisas sérias com tontarias político-partidárias, proponho àqueles que "passam" por este blogue uns momentos de boa disposição.

Primeiro, agarrar nos "Contos Satíricos" de Mark Twain e depois colocar no leitor de cds "El sombrero de tres picos", do compositor Manuel de Falla.

Poderá parecer uma associação particularmente estranha mas vão ver que resulta bem. 

Para aguçar o apetite limito-me a transcrever um breve trecho de "O roubo do elefante branco", um elefante que se chamava Hassan-ben-Ali-ben-Selin-Abdalah-Mohamed-Moisés-Alhallmal-Jamset-Jjeeboy-Dhuleep-Sultão-Eb-Bhudpur e que tinha por alcunha Jumbo.

Tanto quanto se sabe o elefante não apareceu em Mafra nem a voz cristalina de Tereza Berganza ali foi ouvida.

Mas vamos a uns breves parágrafos da história enquanto ouvimos Manuel de Falla:
  "Fiz a descrição pedida e ele anutou tudo o que eu disse. Qunado terminei comentou:
 - Agora oiça e, se reparar nalgum erros, faça o favor de corrigir.
 Em seguida leu:
 - Altura seis metros. Comprimento do cimo da cabeça à inserção da cauda, oito metros. Comprimento da tromba: cinco metros. Comprimento da cauda: dois metros. Comprimento total, considerando a cabeça e a cauda: quinze metros. Comprimentos dos dentes: três metros. Orelhas proporcionadas com estas dimensões. Pegada semelhante à que fica impressa na neve quando se vira uma pipa. Cor do elefante: branco sujo. Possui um buraco do tamanho de um prato em cada orelha para inserção de jóias. Tem por questume, em grau muito acentuado, atirar água para cima dos espectadores e maltratar com a tromba não só as pessoas que conhece mas também mesmo as que lhe são absolutamente estranhas. Coxeia ligeiramente da pata traseira direita. Tem uma pequena cicatriz debaixo da axila esquerda, proveniente de um furúnculo antigo. Levava, quando foi roubado, uma torre com assentos para quinze pessoas e uma cobertura de pano dourado do tamanho de um tapete vulgar.
 Não havia qualquer erro. Então, o inspector-chefe tocou uma campainha, entregou o papel com estes dados a Alaric e disse:
 - Imprimir imediatamente 50.000 exemplares e enviá-los pela mala-posta a todos os serviços de segurança e a todas as lojas de penhores do continente.
Alaric retirou-se.
 - Por agora é tudo o que há a fazer. Precisamos que nos arranje uma fotografia do objecto roubado.
 Dei-lhe uma, que ele observou com ares de conhecedor; por fim, disse:
 - Não temos outro remédio senão contentar-nos com esta, visto não haver outra melhor. É pena ter a tromba metida na boca, porque isso pode levar a falsas pistas, visto ele não permanecer, evidentemente, sempre nessa posição."

DIÁLOGOS NA CÂMARA - XII

- Então, senhor presidente, gostou do congresso do nosso partido - interrogou, jovial, o vice-presidente.

- Olhe, por um lado sim, por outro não - respondeu, com ar distante, o presidente.

- Não me diga. Não esperava vê-lo com esse ar tão dividido. Eu até acho que correu muito bem - assumiu o vice-presidente.

- Bem, meu caro, gostei da decisão de proibir posições públicas de militantes contra os dirigentes do partido antes dos actos eleitorais mas achei pouco. Também não devia ser possível criticar os presidentes de Câmara. Lembre-se do que eu passei com um ex-vice-presidente...Depois também entendo que a comunicação social devia ser proibida de transmitir determinadas imagens e os jornalistas proibidos de fazer certas perguntas. Veja o sossego que agora temos na Câmara sem a presença deles - esclareceu o presidente.

- Mas, senhor presidente, isso seria impossível e nós precisamos da comunicação social para divulgar as nossas mensagens. Mais, isso é que seria verdadeira asfixia democrática - contrapôs o vice-presidente.

- Ora, isso da asfixia democrática são é connosco. Veja como governamos bem na Madeira e como a actual líder do partido, que é especialista nessa matéria, esteve de acordo com a alteração aprovada. Digo-lhe mais, isto faz-me lembrar aquela velha história japonesa -  segundo creio - em que um velho monge critica a estupidez daqueles que não são capazes de moer os cereais em duas gamelas ao mesmo tempo com o mesmo pilão - respondeu o presidente com um ar visionário.

- Mas, senhor presidente, não conheço a história e sou-lhe sincero também não vejo como isso é possível - arriscou o vice-presidente.

- Olhe, é muito simples. Coloca-se uma das gamelas no chão e a outra pendura-se voltada para baixo. Assim ao levantar e baixar o pilão bate-se nas duas gamelas ao mesmo tempo - explicou o presidente.

- Senhor presidente... isso seria possível se o cereal não caísse da gamela que está virada para baixo - contrapôs, convicto, o vice-presidente.

- Pois é, meu caro, é esse precisamente o problema - rematou o presidente, enquanto fazia um pequeno avião de papel.

O vice-presidente hesitou em ripostar mas resolveu calar-se e saiu do gabinete a desejar que começasse a Primavera.

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 37


Conhecer as insinuações e saber usá-las.

É a área mais subtil do trato humano. Utilizam-se para testar as vontades e, de forma mais dissimulada e penetrante, o coração. Existem outras, maliciosas, audaciosas, tocadas pela inveja, untadas com o veneno da paixão, que são raios imperceptíveis para destruir a graça e a estima. Alguns caíram no seu posto elevado feridos por um simples dito desse tipo, quando toda a conjura da maledicência geral e malevolência particular não foi suficiente para causar o mais leve estremecimento. Pelo contrário, outras insinuações agem favoravelmente, apoiando e confirmando a reputação. No entanto, com a mesma destreza com que são arrojadas pelas más intenções, é necessário recebê-las com cautela e esperá-las com prudência, porque a defesa assenta no conhecimento e o dardo prevenido é sempre frustrado.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

segunda-feira, 15 de março de 2010

O PRIMEIRO CONGRESSO DO PSL

O Congresso de Mafra do PSD foi uma invenção de Pedro Santana Lopes.

Alguns temeram que dele pudesse resultar a emergência de um PSD revigorado e credível no preciso momento em que o PS enfrenta o enorme desgaste de governar no contexto de uma crise excepcional e com o primeiro-ministro sob intensa pressão mediática.

Difícil seria pensar que, perante o vazio de liderança e a confusão reinante, o Congresso de Mafra não fosse um sucesso, dado que pouco bastaria para lhe dar lustro e o transformar num momento de projecção do principal partido alternativo de poder. Mas verdadeiramente não foi isto que aconteceu.

É que foi subestimado que aquele não era um congresso do PSD, em tempos estatutariamente previstos e com objectivos estratégicos próprios, mas era, isso sim, o congresso de um emergente PSL. Um partido cuja ameaça de constituição Pedro Santana Lopes tinha feito, em tempos, e que acabou por ter ali o seu  momento fundador. 

Foi um acto bem pensado, numa atitude de cuco que coloca o seu ovo no ninho de outra ave para que esta o choque e alimente até que consiga voar. Penso que foi que verdadeiramente aconteceu no passado fim-de-semana em Mafra e que merece ser ponderado.

De recente condecoração ao peito, Pedro Santana Lopes perguntou a Cavaco Silva afinal quem era a má moeda, ajustou contas com o PSD, que o atormentou quando ainda estava na incubadora, e fez aprovar um conjunto de disposições estatutárias tornando evidente que era ele o único que tinha uma estratégia clara e que detinha uma rede de poder e de condicionamento como nenhum outro congressista.

Por outro lado conseguiu evidenciar, ali dentro de portas mas com janelas para o exterior, sem abrir a boca, as debilidades de Pedro Passos Coelho e de Paulo Rangel.

Ficou escrito, no passado fim de semana em Mafra, que há um PSL, por enquanto disfarçado de PSD e que este vai ter em breve um líder, que á luz do que foi aprovado, vai ter de dançar a dança que ele Santana Lopes quiser e que será ele que lhes ditará os passos e a pronúncia.

Em 13 e 14 de Março, de 2010, realizou-se em Mafra o primeiro congresso do PSL.

sábado, 13 de março de 2010

VERDADE



SE UM HOMEM TEM TÃO POUCA FANTASIA QUE TENTA PROVAR UMA MENTIRA, MELHOR SERIA QUE FALASSE VERDADE DESDE O PRINCÍPIO.

Óscar Wilde

sexta-feira, 12 de março de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 36

 Tentar a sua sorte para agir, para se comprometer.

É mais importante que conhecer o temperamento: se é um néscio aquele que, com quarenta anos, clama, pela sua saúde, a Hipócrates, maior é aquele que clama, por sabedoria, a Séneca. É uma grande arte saber governara a sua sorte, esperando-a (pois a espera faz parte dela) e obtendo-a (pois tem tempo favorável e oportuno). Mas o seu comportamento é tão anómalo que não se consegue compreendê-lo totalmente. Quem a encontrou favorável, prossiga com atrevimento, pois costuma apaixonar-se pelos audazes e , como mulher deslumbrante que é, pelos jovens. O desafortunado que não se esforce; é melhor retirar-se e não deixar que a sorte o torne duplamente desditado. Quem a domina deve seguir em frente.

A Arte da Prudência
Baltasar Grácian

quinta-feira, 11 de março de 2010

DIÁLOGOS NA CÂMARA - XI

Via-se que o presidente estava bem disposto e isso tranquilizou o vice-presidente.

- Sabe, meu caro, estes últimos dias têm me trazido boas notícias - disse, com um sorriso aberto, o presidente.

- Pois é, senhor presidente, o nosso candidato têm boas condições para ser eleito o novo líder do partido e isso vai ser bom para si. - respondeu o vice-presidente.

- Não, não é nada disso. Para mim seja qual for o que ganhe eu depois lá lhe darei a volta. Digo-lhe mesmo que não quero que andem para aí dizer que eu apoio A ou B. Pode haver alguma surpresa e não merece a pena criar anti-corpos - retorquiu o presidente.

- Mas então quais são as boas notícias de que o senhor presidente fala? - perguntou o vice-presidente.

- Olhe, então não ouviu que vão adiar a construção do TGV entre Lisboa e o Porto? - disse, enfaticamente, o presidente, e acrescentou - Eu sempre estive de acordo com as cinco linhas do TGV, que em tempos o nosso governo acordou com Espanha, também concordei com as soluções em T e em H, acabei por achar que o melhor era a linha Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto/Galiza mas agora digo-lhe, com franqueza, que a boa solução é apenas a linha Lisboa-Madrid.

- Mas, senhor presidente, isso não só parece uma posição pouco coerente como prejudicial a Coimbra - atreveu-se o vice-presidente.

- Nada disso. Veja bem. O TGV é um transporte rápido e flexível tal como eu, que também sou flexível  e rápido nas minhas posições e depois para Coimbra a sua construção é que seria muito prejudicial - afirmou o presidente.

- Sinceramente não entendo, senhor presidente - assumiu, hesitante, o vice-presidente.

- Pense bem, meu caro. Se o TGV Lisboa-Porto avançasse ia haver obras em Coimbra e iam destruir a estação de Coimbra B, não é verdade? E não vê a perturbação e a confusão que isso seria!? Quer-me acabar com o sossego, no tempo que ainda por aqui vou estar? E, depois, como é que construíamos a ciclovia até a Figueira? Não vê o transtorno que as obras do TGV traziam a esse grande projecto? Por outro lado uma nova estação ferroviária em Coimbra ia alterar irreversivelmente a fisionomia da cidade e isso não é bom.  Já viu a tristeza que era acabar com o actual túnel e com a funcional praça de táxis que são verdadeiros ex-libris da cidade. Nós temos história e tradição e temos de as manter! - sublinhou, em tom decidido, o presidente.

- Senhor presidente desculpe,  mas não posso estar de acordo consigo - assumiu corajoso o vice-presidente.

- Pois é, eu bem os conheço. Mal têm uns meses de mandato começam logo a ter ideias. Serene esses seus entusiasmos. Não vê que estas coisas são para levar com calma e sem confusões. Eu, por exemplo, quando  qualquer dia for para Lisboa e quiser ir a Madrid não vou ter problema nenhum. A única coisa que me deixa um pouco triste é que sem o TGV e a nova estação não vai haver um novo centro comercial e isso é que uma pena. É que, como tenho afirmado, a modernidade da cidade passa pelos centros comerciais e eu quero deixar  uma herança de grande modernidade à cidade...

O vice-presidente manteve-se silencioso. Não se percebia se o dilema interior com que se debatia tinha a ver com o tipo de bitola a usar pelo TGV ou com qualquer outra razão.
 
Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O QI DE COIMBRA


Em 2004 fomos surpreendidos com um livro "Portugal, Hoje: O Medo de Existir", da autoria de José Gil, um filósofo - "espécimen" a que no nosso país não damos grande valor e cuja existência até dispensávamos porque nos obriga a pensar, o que implica um enorme esforço -, que acabou por se transformar num best-seller.

Aí tivemos oportunidade de perceber, no contexto de uma relação que o autor assume com o país, sem estados de alma, e que marcou a quem o leu, que : "O estado de transição actual da sociedade portuguesa, com uma passagem rápida de um regime autoritário para um regime em que a disciplina emana do sistema orgânico da funcionalidade tecnológica, cria uma situação em que o novo "princípio de acção" surge como um prolongamento natural do medo. É também invisível e ubíquo, inelutável e único. E é, como veremos, uma certa forma transformada de terror."

Mas, José Gil é hoje notícia porque dá a sua última aula na Universidade Nova de Lisboa, onde é professor. Nesta oportunidade dá uma entrevista ao Público que merece ser lida e reflectida e que é encimada por uma frase lapidar: "Há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental."

Há, contudo, um passo dessa entrevista que me suscitou particular interesse e que levou ao título deste post. Diz, a certa altura, José Gil: "Ora, numa cidade inteligente, a arte existe e o discurso artístico, a problemática artística atravessa esse espaço independentemente dos interlocutores, ganha autonomia, atinge as pessoas, incluindo os que não pensam nisso. Eu, que não sou artista, tenho uma cultura artística que vem daí. E isso é um espaço público. Um espaço que vibra, que é autónomo, em que não sou eu que falo, ele fala por si e atravessa o espaço real, as conversas habituais. Nós não temos isso." 

Sendo esta uma constatação relativamente ao que se passa no país Coimbra não é excepção mas, é óbvio, que há cidades mais ou menos inteligentes, à luz do entendimento do filósofo, e, por isso, eu atrever-me-ia a perguntar: qual o Quociente de Inteligência (QI) de Coimbra?

A resposta fica a cargo de cada um, mas não me parece que tenhamos grandes motivos de orgulho, particularmente pelo tratamento que a Cultura tem merecido do poder político da cidade. 

Como recordatória será bom reler os documentos: "O Saneamento Básico da Cultura", publicado em 2005, e "Pelo Direito à Cultura e Pelo Dever de Cultura!", de Janeiro de 2008, subscritos por um vasto conjunto de cidadãos, relembrar as respostas que os mesmos mereceram do presidente da Câmara e reflectir sobre a situação cultural de Coimbra.

COIMBRA E O EURO 2004. A HORA DA VERDADE.

No passado mês de Fevereiro dei conta do lançamento de uma Petição sobre o EURO 2004.

Considerando que vai ter lugar no próximo mês da Abril a Assembleia Municipal que irá apreciar o Relatório e as Contas da Câmara de 2009,  onde estarão reflectidas muitas das questões que são colocadas na referida Petição, entende-se que será este o momento adequado para que a Câmara e a Assembleia Municipal apresentem e analisem as consequências da realização do EURO 2004 e satisfaçam a legitima pretensão de esclarecimento dos cidadãos.

Nesse sentido vai ser remetida, nos próximos dias, por via electrónica, a referida Petição à Câmara e à Assembleia Municipal, pelo que se solicita  a todos os interessados na sua subscrição e que ainda o não fizeram, que o façam até ao próximo dia 15 de Março.

Para reavivar a memória a seguir se volta a transcrever o texto da Petição e a indicar o site onde pode ser subscrita:


Petição Pela Verdade Sobre o Euro 2004 em Coimbra 

http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2010N1256


O presidente da Câmara de Coimbra, Dr. Carlos Encarnação, tem manifestado, repetidamente, a sua discordância com a participação de Coimbra no EURO 2004, nomeadamente pelos encargos originados pela renovação do Estádio Municipal.

A ideia que transmite para a opinião pública é de que foi um investimento ruinoso para a cidade e de que as dificuldades financeiras com que a Câmara se debate, desde que é seu presidente, são culpa dos encargos com as obras no Estádio.

Com o objectivo confesso de “salvar as contas da Câmara” e de obter diversas contrapartidas, o Dr. Carlos Encarnação, adjudicou a um Grupo privado o Projecto EuroStadium, donde resultou a construção de um Centro Comercial e mais de 200 apartamentos privados em terrenos municipais adjacentes ao Estádio, de que terão resultado mais valias para o promotor estimadas em alguns milhões de euros.

Apesar da sua “visão” catastrófica sobre os custos inerentes à participação de Coimbra no EURO 2004, e aos custos com estádios, a primeira obra lançada pelo Dr. Carlos Encarnação - que classificou como “obra exemplar” –, foi a construção de um novo estádio em Taveiro – Estádio Sérgio Conceição.

Este estádio, que foi feito em terrenos privados, sem qualquer planeamento e pago na íntegra com dinheiros municipais, terá custou cerca de 1 milhão de contos à Câmara de Coimbra (não se conheçam os valores exactos), mas o Dr. Carlos Encarnação omite sempre esta sua decisão e este encargo.

Por outro lado, o Dr. Carlos Encarnação já renegociou o empréstimo feito para financiar as obras do Estádio Municipal, entretanto rebaptizado como Estádio Cidade de Coimbra, sendo importante conhecer em que termos, dado que atirou para Executivos futuros responsabilidades financeiras, porventura acrescidas.

Entretanto “entregou” à Académica/OAF o Estádio Cidade de Coimbra – que por sua vez o rebaptizou como Estádio Finibanco –, com base num processo que tem levantado algumas dúvidas e suscitado conflitualidades institucionais.

Na avaliação do EURO 2004, feita pelo Dr. Carlos Encarnação, têm sido única e exclusivamente referidos os encargos financeiros directos envolvidos com as obras no Estádio, contudo, haverá estudos sobre as mais valias resultantes para o País e, neste caso, para Coimbra que é importante conhecer para avaliar com justiça e rigor o mérito do referido evento desportivo.

Assim, vem-se pedir publicamente à Câmara de Coimbra que apresente na próxima reunião da Assembleia Municipal – órgão legislativo e de fiscalização da Câmara –, um dossier sobre o “EURO 2004 em Coimbra” onde conste:

a) Custos finais das obras de renovação do Estádio Municipal de Coimbra;

b) Valor da comparticipação recebida do Governo para as obras;

c) Valor do empréstimo celebrado com entidade bancária para financiamento da obra e subsequente renegociação das condições, com indicação do período de vigência e do período de carência;

d) Valor das contrapartidas recebidas no âmbito do Projecto EuroStadium, bem com dos encargos assumidos com infra-estruturas para construção do Centro Comercial e dos apartamentos privados e da entidade que foi responsável pelo seu pagamento;

e) Encargos assumidos com a construção do Novo Estádio – Sérgio Conceição e divulgação dos compromissos assumidos com os privados onde o Estádio foi construído;

f) Valor das mais valias para o Município de Coimbra face à sua participação no EURO 2004;

g) Divulgação do Acordo celebrado pela Câmara com a Académica/OAF para utilização/exploração do Estádio Cidade de Coimbra ou Estádio Finibanco e que vigorará até 2014.

Pede-se, finalmente, ao Sr. Presidente da Assembleia Municipal que o referido dossier seja tornado público e facultada a sua consulta por todos os interessados.