sexta-feira, 27 de março de 2015

DO SIGNO DO PACOTE AO TEMPO DAS LISTAS



Quando se aproxima o tempo das listas estamos a viver sob o signo do pacote. As Finanças revelando um inegável esforço de modernização e, decerto, sob influência do jargão informático, decidiram criar não uma lista de contribuintes VIP mas um pacote, um Very Importante Package. À partida não parece muito simpático meter num pacote um conjunto de contribuintes, não soa bem, mas a verdade é que não conhecemos ainda quem são os empacotados e, por isso, não podemos tirar grandes conclusões.
 
Mas, enquanto vamos vivendo as surpresas com que o governo nos vai brindando, temos de nos preparar para as certezas que vão chegar: as listas de candidatos. É uma fase que se aproxima, sem prejuízo de, no entretanto, já termos em constituição o pacote de candidatos presidências. E ainda há quem diga que somos um povo avesso ao planeamento e à organização. Mas as listas, sempre tão badaladas, de candidatos a deputados, ainda que não estejam em elaboração formal, andam já a ocupar o bestunto de muito boa gente. 

Claro que neste ínterim é bom também lembrar as listas negras em que estão aqueles que não estando enfeudados a determinados “sindicatos”, não integram grupos de interesse ou se atrevem a pensar pela sua cabeça. Alguns, para consolo, descargo de consciência e demonstração de grande abertura, são, por vezes, chamados para ornamentar as listas, sendo-lhes dada a enorme honra de fechar a lista.

Aliás, ninguém se pode surpreender que comecem a surgir, como cogumelos, ativistas partidários que depois de um período de hibernação ou de calculado eremitério se assumem como os esperançosos e exigentes representantes dos eleitores. Os seus méritos serão confirmados no apoio aos dirigentes nacionais e na presença sorridente e constante atrás do seu ombro, nas iniciativas partidárias. O desejo de serviço e o amor aos eleitores vai transbordar em declarações sonoras e imperativas e na afirmação de um passado de martírio ao serviço do povo, sem esquecer práticas franciscanas e promessas salvíficas.

Desta vez até vamos ter a necessidade de um “mapa partidário” para conseguir identificar tantos novos partidos, para além duns casamentos de circunstância, construídos tipo sistema planetário em que tudo roda à volta de uma estrela mediática. Do que não nos podemos queixar, para já, é de falta de opções eleitorais o que demonstra, paradoxalmente, que a má fama político-partidária é motivo de empenhamento e não de afastamento de atores políticos.

Na verdade, parece que vamos ter pacotes de partidos e consequentemente um mar de listas e de possibilidades de aparecimento de profetas e salvadores, pelo que temos de nos preparar para neste momento em que vivemos sob o signo do pacote começarmos a viver a campanha das listas.

(Artigo publicado na edição de 26.03.2015, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 12 de março de 2015

RELOJOARIA POLÍTICA



Ir à Baixa de Coimbra é não só um prazer mas também um exercício de perceção da nossa realidade coletiva, já para não falar na hipótese de uma excelente refeição ou numa compra surpreendente.
 
Não consigo compreender como é que há quem deteste a Baixa fazendo da Praça do Comércio e de alguns recantos mágicos parque de estacionamento. Gosto definitivamente da nossa baixa e tenho encontrado boas razões para continuar a percorrê-la. Por exemplo, é sempre com imenso agrado que vou ao relojoeiro de que sou um velho cliente, tratar da alimentação dos relógios mais recentes ou do arranjo daqueles que ainda fazem um sonoro tic-tac e cujos mecanismos apresentam maleitas de velhice, porque encontro um relojoeiro sempre afável, disponível e atencioso, que faz jus a um atendimento personalizado e tradicional, que sabe e dispõe bem. 

Há dias, enquanto aguardava para ser atendido, olhando para os relógios expostos, senti-me estranhamente num universo político-partidário. Com efeito, havia modelos de relógio mais velhos e mais novos, todos tentavam dar horas certas mas quase todos tinham, em maior ou menor grau, diferenças entre si, mesmo sendo da mesma marca. Obviamente que cada um tinha a verdade da sua hora e percebia-se que era difícil conseguir que todos ao mesmo tempo a dessem com garantida exatidão. Era uma reunião do partido do tempo que se batia por afirmar a hora exata mas em que havia uma enorme dificuldade de acerto.

Olhando com mais atenção viam-se vários modelos de diversas marcas sabendo-se que o que os distinguia e lhes garantia fiabilidade eram sobretudo as “máquinas” que cada um tinha escondido no seu interior, apesar de alguns serem obviamente mais vistosos, sofisticados ou barulhentos. Havia ainda aqueles relógios de cuco que teimam em irromper por um pequena porta e nos brindam com a fala de pássaro que tão difícil é ouvir na natureza. E os relógios de sala, majestosos, imponentes, estáticos e pesados e, por isso, inevitavelmente arrumados a um canto.

Claro que havia marcas mais clássicas e outras mais recentes, aliás, de tempos a tempos vão aparecendo novas marcas (tal como teimam em aparecer novos partidos), com novos modelos, mas sempre com o mesmo problema: é quase impossível acertá-los rigorosamente. Também por ali havia relógios que tendo uma determinada referência de origem as suas peças, mais ou menos escondidas, vinham de variados sítios.

Depois de atendido, com a habitual simpatia e cordialidade, desci à rua e de repente lembrei-me que aquela era a hora em que por ali passavam, há alguns séculos, as Procissões da Penitência e do Enterro, em que os homens imperfeitos se penitenciavam dos seus atos, palavras e omissões, acompanhados por cantos “fúnebres e sentidos huis”.

Mais ainda, era a hora a que habitualmente passam os candidatos, com o seu séquito, nas campanhas eleitorais.

(Artigo publicado na edição de 12 de março de 2015, do Diário de Coimbra)