quinta-feira, 28 de novembro de 2019

FESTA SIM, MAS NÃO TANTO


Não sei se há algum ranking das cidades mais festivaleiras. Decerto que a nível internacional as nossas cidades ficariam bem classificadas e num ranking nacional Coimbra também não deve ficar nada mal.

Haver festa é bom, faz bem, é preciso. Claro que o ideal será haver momentos festivos integrados num contexto de permanente qualidade de vida. O que parece é que em muitos casos se fazem festas para que a alegria momentânea esconda alguma da tristeza permanente.

Aliás, quando consultamos os rankings de qualidade de vida e os inquéritos aos cidadãos dos diversos países sobre felicidade encontramos nos primeiros lugares os países nórdicos e isso não tem a ver com a existência ou a falta de festas, mas sim com um conjunto de indicadores positivos de natureza económica, social e política.

Mesmo quando se fala em cidades inteligentes e criativas não me lembro de ver entrar na classificação o número de festas que organizam. O mérito estará num investimento inteligente e numa criatividade bem aproveitada.

Mas também é verdade que há festas e festas. Muitos festivais são organizados por empresas que cobram entradas e como tal são um negócio como qualquer outro. Agora o que me parece estranho é que num país, que se debate com tantas dificuldades sociais e económicas e a falta de importantes infraestruturas, haja tantas festas suportadas com dinheiros públicos.

É sem dúvida uma opção estranha, concretamente parte dos municípios, porque estando os autarcas mais próximos das populações e conhecendo melhor as suas necessidades são os maiores promotores festivos. Será que as principais reivindicações dos cidadãos têm a ver com a necessidade de festas?

Obviamente que há quem entenda que esta política festiva rende votos e há um conjunto de empresas e empresários que ganham com este arraial. Aliás, as próprias televisões aproveitam esta “generosidade festiva” das Câmaras Municipais para os longos programas de fim de semana com que enchem as suas grelhas, poupando recursos e obtendo ganhos para os seus acionistas.

Neste momento, como vem sendo habitual e já está anunciado, está em curso uma grande operação, que envolve a competição entre municípios e cidades, para ver quem organiza a “melhor” festa de passagem de ano. É uma competição que, nalguns casos, leva a uma mobilização de meios e gasto de dinheiros municipais verdadeiramente desproporcionada em relação ao investimento realizado anualmente na cultura, no desporto, em equipamentos sociais, etc.

Repetindo o modelo do ano passado, em que gastou mais de 300.000 euros, a Câmara de Coimbra vai organizar uma festa de passagem de ano que conta com 4 palcos, em simultâneo, na zona da Baixa e fogo de artificio no Mondego. Ora se o ano passado os cidadãos de Coimbra pagaram, em média, 100.000 euros por hora para uma festa, este ano, dado o mesmo figurino, não deverão pagar menos.

Fazer uma festa, aberta a toda a gente, que tem como objectivo celebrar um momento e que no fundo se esgota nesse mesmo momento é verdadeiramente excessivo e não merece a pena falar em investimento na revitalização da Baixa porque os resultados foram nulos.

Não é uma grande festa de passagem de ano que torna Coimbra mais cosmopolita, mais culta, mais solidária, mais bonita e mais rica, como quem aqui vive e trabalha deseja. Pode haver, no dia seguinte, simpáticas parangonas nos jornais mas que, obviamente, não compensam o desconsolo dos problemas e das carências sentidas em tantos outros dias do ano.


O SURPREENDENTE PAÍS REAL

No suplemento de Economia do semanário Expresso do passado sábado, é publicado um curioso artigo: “Concelhos de pobres, carros de rico”, em que é feita uma análise comparativa, com base em dados oficiais, entre o nosso parque automóvel e o rendimento declarado pelas famílias.

Por essa análise circunstanciada conclui-se que Felgueiras é concelho que tem maior concentração de carros de luxo e premium (L&P) face ao total (28%) seguido de Miranda do Douro e Montalegre (27%), Pinhel (26%), Oeiras e Aguiar da Beira (25%).

Mais, neste segmento de carros L&P há 168 municípios onde há um número de carros superior à média nacional - que é de 1,2 carros por €100 de rendimento declarados -, destacando-se Montalegre (2,7), Aguiar da Beira (2,6), Vila Verde (2,4), Póvoa de Lanhoso, Oeiras e Felgueiras (2,).

E, ainda, dos 140 concelhos com menos rendimento declarado ao Fisco por habitante 69 estão entre os primeiros de carros L&P por habitante.

Como por aí se pode ver é no norte e cento do país, em municípios considerados deprimidos e abandonados – o dito país real -, e em que os cidadãos são apresentados como idosos e pobres, que há um parque automóvel que supera significativamente o dos cidadãos dos municípios mais ricos.

Como explicar isto? Há várias respostas, algumas que exigem a nossa imaginação, mas o que se verifica é que o afastamento das grandes áreas urbanas e, nalguns casos, a vida simples, pastoril e de alguma agricultura de subsistência são sinónimo de sucesso em carros de topo de gama.

Há, contudo, algumas situações mais claras e que se compreendem bem, como é o caso de Felgueiras, em que os carros L&P são 28% do parque automóvel local, e é também o 9º concelho do país com mais Ferrari por habitante e o município onde há mais Porsche e Jaguar por cada milhão de IRS pago, porque há aí uma relevante actividade industrial.

Claro que em muitos casos os carros estão em nome das empresas e não dos empresários que os utilizam e que se queixam das dificuldades económicas que vivem e que apelam repetidamente ao Governo por mais e mais apoio, ao mesmo tempo que contestam a decisão de aumento do salário mínimo para uns astronómicos 635 euros mensais.

Vivendo uma situação de apregoada necessidade de coesão territorial, através do reforço da coesão económica e social, parece que temos de considerar uma situação de coesão automóvel e sobretudo de justiça fiscal, para pôr cobro aquilo que os técnicos designam por efeito “Manuel Damásio” - declaração sistemática às Finanças do salário mínimo, como rendimento.





quinta-feira, 14 de novembro de 2019

FESTA SIM, MAS NÃO TANTO


Não sei se há algum ranking das cidades mais festivaleiras. Decerto que a nível internacional as nossas cidades ficariam bem classificadas e num ranking nacional Coimbra também não deve ficar nada mal.

Haver festa é bom, faz bem, é preciso. Claro que o ideal será haver momentos festivos integrados num contexto de permanente qualidade de vida. O que parece é que em muitos casos se fazem festas para que a alegria momentânea esconda alguma da tristeza permanente.

Aliás, quando consultamos os rankings de qualidade de vida e os inquéritos aos cidadãos dos diversos países sobre felicidade encontramos nos primeiros lugares os países nórdicos e isso não tem a ver com a existência ou a falta de festas, mas sim com um conjunto de indicadores positivos de natureza económica, social e política.

Mesmo quando se fala em cidades inteligentes e criativas não me lembro de ver entrar na classificação o número de festas que organizam. O mérito estará num investimento inteligente e numa criatividade bem aproveitada.

Mas também é verdade que há festas e festas. Muitos festivais são organizados por empresas que cobram entradas e como tal são um negócio como qualquer outro. Agora o que me parece estranho é que num país, que se debate com tantas dificuldades sociais e económicas e a falta de importantes infraestruturas, haja tantas festas suportadas com dinheiros públicos.

É sem dúvida uma opção estranha, concretamente parte dos municípios, porque estando os autarcas mais próximos das populações e conhecendo melhor as suas necessidades são os maiores promotores festivos. Será que as principais reivindicações dos cidadãos têm a ver com a necessidade de festas?

Obviamente que há quem entenda que esta política festiva rende votos e há um conjunto de empresas e empresários que ganham com este arraial. Aliás, as próprias televisões aproveitam esta “generosidade festiva” das Câmaras Municipais para os longos programas de fim de semana com que enchem as suas grelhas, poupando recursos e obtendo ganhos para os seus acionistas.

Neste momento, como vem sendo habitual e já está anunciado, está em curso uma grande operação, que envolve a competição entre municípios e cidades, para ver quem organiza a “melhor” festa de passagem de ano. É uma competição que, nalguns casos, leva a uma mobilização de meios e gasto de dinheiros municipais verdadeiramente desproporcionada em relação ao investimento realizado anualmente na cultura, no desporto, em equipamentos sociais, etc.

Repetindo o modelo do ano passado, em que gastou mais de 300.000 euros, a Câmara de Coimbra vai organizar uma festa de passagem de ano que conta com 4 palcos, em simultâneo, na zona da Baixa e fogo de artificio no Mondego. Ora se o ano passado os cidadãos de Coimbra pagaram, em média, 100.000 euros por hora para uma festa, este ano, dado o mesmo figurino, não deverão pagar menos.

Fazer uma festa, aberta a toda a gente, que tem como objectivo celebrar um momento e que no fundo se esgota nesse mesmo momento é verdadeiramente excessivo e não merece a pena falar em investimento na revitalização da Baixa porque os resultados foram nulos.

Não é uma grande festa de passagem de ano que torna Coimbra mais cosmopolita, mais culta, mais solidária, mais bonita e mais rica, como quem aqui vive e trabalha deseja. Pode haver, no dia seguinte, simpáticas parangonas nos jornais mas que, obviamente, não compensam o desconsolo dos problemas e das carências sentidas em tantos outros dias do ano.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

MEMÓRIA E DESPERDÍCIO


Por estes dias vivem-se memórias. Lembram-se familiares, amigos, conhecidos ou simplesmente rostos com que nos cruzámos e que já não estão entre nós.

Entre as celebrações religiosas e os apelos comerciais do halloween anglófono, somos convocados a momentos de recolhimento em que recordamos os seres humanos que partilharam as nossas circunstâncias e foram decisivos na consolidação daquilo que somos.

Colectivamente temos o hábito de lembrar e elogiar as qualidades e os méritos daqueles que vão partindo esquecendo as coisas menos positivas, que tantas vezes nos incomodaram ou actos que protagonizaram e que reprovámos.

Não penso que isto aconteça por hipocrisia ou mero ritual social mas, na verdade, a consciência de que perdemos um ser humano que em vida nos acompanhou, que fez parte do nosso tempo e porque sentimos de modo especial que a nossa vida tem um fim.

Talvez nestes dias possamos também reflectir se soubemos considerar e aproveitar plenamente, até ao fim das suas vidas, as capacidades, qualidades e méritos de todos os que recordamos e que nos aprestámos a elogiar quando já não é possível fazer nada.

Estabelecemos burocraticamente um tempo de vida útil, equiparámo-nos a uma máquina, a um qualquer equipamento, a um electrodoméstico, etc.; esquecendo as características humanas pessoais, os conhecimentos, a experiência acumulada, a sabedoria e a vontade e disponibilidade cidadã, desperdiçando, por isso, a partir de certo momento da vida de cada um de um somatório de saberes que poderia contribuir muito positivamente para o bem comum.

Coimbra é sem dúvida paradigmática neste aspecto. Sem medo de errar, penso que será a cidade do país que, em percentagem per capita, terá maior número de cidadãos com formação superior reformados, aposentados e jubilados, relativamente à sua população, graças à sua dimensão demográfica e fruto da composição do seu tecido económico, em que o ensino superior e os serviços altamente especializados assumem especial relevância.

Ora, acontece que, anualmente, entram aqui na situação legal de reformados dezenas de cidadãos que ficam proibidos de ser activos úteis. É verdade que muitos procuram um envelhecimento activo e continuam a fazer coisas úteis para a comunidade, mas não há dúvida que a cada ano que passa se desperdiça um imenso e precioso capital humano de experiência e de saber.

O problema não é apenas de Coimbra, é geral. Mas não poderíamos, a nosso nível, tentar encontrar soluções institucionais criativas de aproveitamento da disponibilidade de tantos desses cidadãos para colaborar na permanente construção da nossa cidade?