quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

CONFUSÃO NA BARBEARIA



O senhor Zé olhava os passantes na expectativa de que alguém se decidisse a ser cliente. O trabalho era pouco e o negócio estava mau. Apesar de tudo sabia que daí a pouco começariam a aparecer alguns dos velhos amigos/clientes e haveria a habitual tertúlia. Um vinha, como habitualmente, com o “Crime da Manhã”, jornal de referência da rapaziada, outro com o “O Chuto”, jornal desportivo afeto a um determinado clube e por isso olhado com desconfiança por alguns dos conferencistas, e ele já ali tinha o jornal local de que era assinante desde que abrira a barbearia, já lá vão umas dezenas de anos, e a que já tinha dado uma vista de olhos, em primeiro lugar pela necrologia. 

O problema é que nos últimos tempos, contrariamente ao que era hábito, as discussões vivas e intensas e que apesar de alguns arrufos, sobretudo por causa dos árbitros, dos penalties e dos fora de jogo, acabavam em bem, as coisas agora eram diferentes. Parte do tempo era gasta em política internacional.

Ele já tinha ouvido dizer, com ar sarcástico, que é nas barbearias que se encontram os grandes génios da política, porque aí há sempre alguém que sabe de tudo e tem soluções para todos os problemas da cidade, do país e do mundo. Também é verdade que pelas suas mãos tinham passado alguns políticos, dos verdadeiros, que simpaticamente tinham ouvido as suas queixas e sugestões. Alguns, lembra-se bem, para além da barba e cabelo até lhe tinham dado o privilégio de deitar abaixo o bigode, porque iam ser candidatos e o bigode estava fora de moda.

Mas para o que não estava preparado era para ouvir as intensas discussões dos seus amigos/clientes sobre política internacional e para mais quando atiravam com aqueles arrevesados nomes gregos e alemães. Falar do Passos e do seu amor à Troika era uma coisa, da gaja da Alemanha ainda vá que não vá, agora virem lá com aqueles nomes estranhos de uns tipos que discordavam de quem mandava é que o deixava confuso. De gregos lembrava-se de uns jogadores de futebol, que até eram obedientes ao treinador e seguiam a tática à risca, agora aparecerem uns rapazes, com nome estranho, a refilar é que não estava à espera.

Pela amostra o dia ia ser fraco. Ia haver tempo para uma boa discussão. O melhor era começar já a preparar-se. Não queria ouvir falar de gregos. Assim que o grupo se compusesse, entrava matar: “Então já sabem que o Sócrates é acusado de mais três crimes!? O juiz já lá tem tudo escrito. O gajo não se safa. Olhem, esperto foi o Salgado, está em casa descansado com os seus milhões e o Carlos Costa do Banco de Portugal é que tem de ouvir. E, já agora, não me venham lá com os gregos. Não são assim tão espertos, o ministro deles dos submarinos está preso e nós por cá não temos nada disso.”

PS: Qualquer semelhança com pessoas, factos ou barbearias é pura coincidência.

(Artigo publicado na edição de 26 de fevereiro de 2015, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A ACADÉMICA NÃO TEM CULPA



Está anunciada uma assembleia geral extraordinária da Académica para análise das implicações da condenação - transitada em julgado - do clube e do seu presidente, por isso, apetecia-me republicar o que em tempo escrevi sobre as raízes desta desgraça. Tem atualidade e estou certo que hoje mereceria a atenção e a aprovação que não mereceu na altura. Aliás, tudo o que consegui então foi a ameaça com um processo judicial.
 
Não imagino o que a assembleia geral poderá vir a aprovar mas sei, como cidadão e sócio da Académica, que estamos perante uma situação que envergonha Coimbra e enxovalha a Académica.  

Quando alertei, clamei e me insurgi publicamente, como deputado municipal e cidadão, contra a situação criada pelo então presidente da Câmara, que é sem dúvida o grande responsável, foram poucos os que me acompanharam, apesar da evidência da desgraça que se adivinhava face à óbvia teia promíscua de interesses pessoais e político-partidários envolvendo a Câmara e a Académica.

Hoje temos dois condenados: a Académica e o seu presidente. Confesso a minha discordância com a decisão judicial, porque a Académica não deveria ter sido condenada. Se o presidente da Académica teve comportamentos que mereceram condenação também quem esteve por detrás da situação e dela se aproveitou merecia condenação, e nunca a Académica.

A Justiça foi injusta para com a Académica e também foi injusta pela omissão de condenação do autor principal da tramoia, conscientemente assumida e com óbvios motivos de lucro partidário, para mais num momento e num contexto de forte critica e repulsa pelas ligações promiscuas entre a política e o futebol.

Mas agora é tarde, Inês é morta. Pergunto-me, por isso, o que se pode fazer para mais quando nem a cidade nem os sócios da Académica souberam reagir no momento certo. Bem pelo contrário, o silêncio ou o aplauso abafaram qualquer repulsa cívica ou contestação societária permitindo três anos de acumulação promiscua, que tornaram este um verdadeiro case study

Coimbra e a Briosa foram desqualificadas com despudor e sem remorso. As duas foram afetadas de forma irreversível na sua honra, prestígio e imagem e a moral da história é que não só o exemplo de Pilatos é um excelente truque como frequentemente paga o justo pelo pecador.

A Académica vai pagar, já está pagar, e a Académica não tem culpa. 

(Artigo publicada na edição de 12 de fevereiro de 2015, do Diário de Coimbra)