1. Um dos meus avôs tinha uma forma peculiar de praguejar.
Camponês dos sete costados, que amava a terra e a acarinhou durante toda a
vida, analfabeto mas letrado de ventos e luas e adivinhador de trovoadas e suões,
deixou-me memórias de sabedoria mas também imagens de um praguejar muito
próprio, que não era grosseiro, nem usava o vernáculo, e de que transparecia um
pensamento elaborado que uma qualquer divindade lhe teria soprado ao ouvido.
Confesso que o repertório - que guardo como um tesouro - não era muito vasto
mas era assertivo e toda a família quando o ouvia nessas expressões de zanga,
que eram proferidas em voz baixa, sabia o que estava em causa e não abria boca.
Não
lhe tendo herdado os dotes praguejadores tenho muitas vezes lamentado não saber
rogar devidamente uma praga ou insultar alguém, com a elegância devida e a
inteligência possível. Neste momento sinto isso mais do que nunca porque já
tenho o estatuto da idade e a ausência de limitações institucionais, o que me
dá uma certa liberdade insultuosa. Tentando superar as minhas limitações a este
nível e sem saber praguejar de forma que se veja, resolvi comprar um
“Dicionário de Insultos”, obra recente da autoria da Sérgio Luís de Carvalho
(Editora Planeta) e comecei o estudo. Confesso que tenho aprendido bastante. Só
que agora, para além de me faltar a classe de bem insultar, descobri tantos insultos
adequados a tantas figuras, figurões e situações que estou em sérias
dificuldades para escolher o mais adequado. Como é sabido é muito importante
insultar bem!
Não
há dúvida que a ignorância facilita a vida e evita imensos problemas
existenciais o pior é quando nos deparamos diariamente com uns arrivistas que não passam de uns cabotinos,
não há forma de resistir à tentação de um insulto (vejam que logo aqui consegui
utilizar dois insultos e estou convencido que se foram verificar o significado concordarão
comigo).
2. Peço
ao Sr. Diretor do Diário de Coimbra que me desculpe pela temática escolhida,
mas trata-se, na minha modesta opinião, de uma proposta terapêutica, feita de
forma gratuita, aos leitores É que troika prá frente, troika pra trás. Sai
troika, fica troika. Aumenta impostos, reduz regalias. Banqueiros a
branquear-se e banqueiros a promover fraudes contabilísticas. Total ausência de
perspetivas de futuro. Uma governação roscofe. Jovens a emigrar deixando a
ausência de posteridade, etc., etc., etc., tudo regado com reações vagais,
presidenciais e partidárias, e depois ainda apanhar 4 da Alemanha com umas
dezenas de comentadores capazes de ganhar uns 10 campeonatos do mundo num único
jogo, só se pode mesmo resistir com uns bons insultos, para lavar um pouco a
alma e ajudar a sobreviver à inconstância meteorológica.
O
humorista brasileiro Juca Chaves dizia, num belo insulto, que: “Se o reino dos
céus é dos pobres de espírito, então, meu Deus, estamos no paraíso.”
(Artigo
publicado na edição de 19 de junho de 2014, do Diário de Coimbra)