quinta-feira, 5 de junho de 2014

A ESTUPIDEZ CONFIANTE DO DODÓ



1. Num processo de pura autodefesa mental tenho caminhado no sentido de me abster de debater ou de falar de resultados eleitorais logo após as eleições, sejam elas quais forem. Para além das minhas naturais limitações para compreender sofisticadíssimos raciocínios, quase sempre justificadores de grandes vitórias, tenho presente a afirmação de Confúcio de que: “O Homem tem três formas de agir com sabedoria. A primeira é a meditação, e é mais nobre. A segunda é a imitação, e é a mais fácil. A terceira é a experiência, e é a mais dolorosa.” Não sendo um meditativo, também não sou um imitador e por isso tenho acabado nas aventuras políticas, em que me tenho metido, por ter experiências dolorosas. Ao longo de muitos anos tem-me doído perder e, vejam lá, tem-me doído ganhar. Aliás, tornou-se muitas vezes intrigante a incapacidade de responder na atividade política àquela pergunta que os cientistas tantas vezes fazem: “Por que é que coisas que podiam e deviam ter acontecido não acontecem?” Pois é, eu devia estar a saborear uma grande vitória eleitoral e não é que me saiu uma vitoriazinha convertida num desatino.
 
Também nestas andanças me recordo com frequência do que aconteceu com o Dodó, uma ave existente em Madagáscar e que como é sabido acabou extinta depois do encontro com os descobridores do séc. XVI. Extinta porque era não só uma ave ingénua mas, também porque não tinha qualquer noção de medo portando-se de forma tola o que levou a deixar-se caçar, sem esboçar qualquer resistência ou fuga, pelos marinheiros. Havia no Dodó uma estupidez confiante que nos deve fazer pensar e retirar ensinamentos.

Portanto, sem qualquer intuito de falar em política, neste pós-eleições, não posso deixar de pensar que uma vitoriazinha, considerada ingenuamente e olhada sem noção do verdadeiro perigo que encerra pode levar, como aconteceu aos confiantes Dodós, à extinção de projetos políticos fundamentais ao nosso futuro.

2. Como não sou especialista em biologia evolutiva sou levado a usar os neurónios com coisas mais comezinhas e a pensar nas anunciadas primárias no PS, que me suscitam tanto de satisfação como de preocupação, porque reformas deste género, sem dúvida interessantes e importantes instrumentos modernizadores dos partidos, carecem de uma preparação cuidadosa, devem ser equacionados num contexto de sereno evolucionismo político e nunca deviam ser utilizadas como instrumentos de circunstancial combate político. É que o problema, neste momento, não está aqui, acabou por se tornar num problema de survival of the fittest (sobrevivência dos mais aptos) que traga a esperança e a convicção de um vitória de esquerda e aí  para mim, António Costa é a solução, até porque não tem nada de Dodó. 

(Artigo publicado na edição de 5 de Junho de 2014, do Diário de Coimbra

1 comentário: