Aproxima-se
o dia da cidade e por isso será uma boa altura para revisitar a
Lenda da Cidade de Coimbra, na versão poética de Frei Bernardo de
Brito.
Como
nos foi transmitido a contenda de Ataces com Hermenerico, no
século V,
acabou numa história de amor – nem
poderia ser de outra maneira tratando-se
de Coimbra – em que Ataces casa com a bela princesa Cindazunda
filha de Hermenerico.
Partindo
daqui, será legitimo imaginar um bárbaro lar
cheio de amor, com principezinhos e princesinhas (atenção que
referi a forma masculina e a feminina - as duas que conheço) em
alegres brincadeiras e
a banharem-se no Mondego.
O
que Frei Bernardo de Brito não nos disse é
que atendendo ao ADN da cidade, terá havido fortes discussões no
paço real sobre o local onde Cindazunda deveria dar à luz os seus
rebentos.
Note-se
que digo dar à luz e não parir, porque estamos a falar de uma
princesa e não de uma qualquer mulher do povo.
A
questão, na
verdade,
não foi pacifica. Uns
saudosos dos tempos na margem esquerda do Mondego e convencidos de
que ali os ares eram melhores, havia abundância de terrenos, boas
condições de acolhimento para as parturientes e seus
familiares e interesse
estratégico em
desenvolver a cidade naquele
lado do rio,
pretendiam que Cindazunda fosse dar à luz naqueles
territórios.
Outros,
os
barões e as corporações da
altura
construiram
uma narrativa, apoiada
por insuspeitos
conselheiros - sempre simpáticos para com o poder -, dizendo
que na margem direita havia mais e melhores curandeiros e que por
isso Cindazunda
tinha que dar à luz na margem direita. Na
verdade, eles
sabiam que ali,
estando
mais
juntinhos,
se
controlavam
melhor e garantiam um maior poder
e influência junto do rei, o
que
lhes
era
fundamental.
Ora,
esta tese acabou por
ganhar
vencimento e a nossa princesa teve
mesmo de
dar à luz numa casa enorme, ali numa
zona a que hoje chamamos Celas e em que, diz a lenda (se não diz vai
passar a dizer), havia uma enorme confusão de
carroças
e cavaleiros que se acotovelavam e disputavam agressivamente local
para prender as suas alimárias.
E
foi assim que a partir daquele distante século V, nesta cidade que
vai celebrar
o
seu dia e
festejar Isabel
de Aragão - a
Rainha Santa, grande benfeitora da margem esquerda, se
consolidou a lenda de que
apenas
é possível haver maternidade(s) em
Coimbra na
margem direita do Mondego. Aliás
é mesmo mais natural não haver nenhuma maternidade do que uma nova
construção na, ainda hoje, longínqua zona dos Covões.
PS:
Peço, humildemente, aos leitores que me desculpem algumas
incongruências ou erros de natureza histórica, mas como
compreenderão:
trata-se
de uma lenda.