quinta-feira, 28 de junho de 2018

A LENDA DOS PARTOS DE CINDAZUNDA


Aproxima-se o dia da cidade e por isso será uma boa altura para revisitar a Lenda da Cidade de Coimbra, na versão poética de Frei Bernardo de Brito.

Como nos foi transmitido a contenda de Ataces com Hermenerico, no século V, acabou numa história de amor – nem poderia ser de outra maneira tratando-se de Coimbra – em que Ataces casa com a bela princesa Cindazunda filha de Hermenerico.

Partindo daqui, será legitimo imaginar um bárbaro lar cheio de amor, com principezinhos e princesinhas (atenção que referi a forma masculina e a feminina - as duas que conheço) em alegres brincadeiras e a banharem-se no Mondego.

O que Frei Bernardo de Brito não nos disse é que atendendo ao ADN da cidade, terá havido fortes discussões no paço real sobre o local onde Cindazunda deveria dar à luz os seus rebentos. Note-se que digo dar à luz e não parir, porque estamos a falar de uma princesa e não de uma qualquer mulher do povo.

A questão, na verdade, não foi pacifica. Uns saudosos dos tempos na margem esquerda do Mondego e convencidos de que ali os ares eram melhores, havia abundância de terrenos, boas condições de acolhimento para as parturientes e seus familiares e interesse estratégico em desenvolver a cidade naquele lado do rio, pretendiam que Cindazunda fosse dar à luz naqueles territórios.

Outros, os barões e as corporações da altura construiram uma narrativa, apoiada por insuspeitos conselheiros - sempre simpáticos para com o poder -, dizendo que na margem direita havia mais e melhores curandeiros e que por isso Cindazunda tinha que dar à luz na margem direita. Na verdade, eles sabiam que ali, estando mais juntinhos, se controlavam melhor e garantiam um maior poder e influência junto do rei, o que lhes era fundamental.

Ora, esta tese acabou por ganhar vencimento e a nossa princesa teve mesmo de dar à luz numa casa enorme, ali numa zona a que hoje chamamos Celas e em que, diz a lenda (se não diz vai passar a dizer), havia uma enorme confusão de carroças e cavaleiros que se acotovelavam e disputavam agressivamente local para prender as suas alimárias.

E foi assim que a partir daquele distante século V, nesta cidade que vai celebrar o seu dia e festejar Isabel de Aragão - a Rainha Santa, grande benfeitora da margem esquerda, se consolidou a lenda de que apenas é possível haver maternidade(s) em Coimbra na margem direita do Mondego. Aliás é mesmo mais natural não haver nenhuma maternidade do que uma nova construção na, ainda hoje, longínqua zona dos Covões.

PS: Peço, humildemente, aos leitores que me desculpem algumas incongruências ou erros de natureza histórica, mas como compreenderão: trata-se de uma lenda.

SETAS CULTURAIS


Passo frequentemente pela aldeia onde nasci. Digo passo e não vou, porque permaneço lá pouco tempo e conheço cada vez menos os seus habitantes o que também motiva a minha ignorância dos motivos que levam a que os responsáveis locais não estejam a preparar uma candidatura a Capital Europeia da Cultura.

É sabido que em 2027 haverá uma Capital Europeia da Cultura portuguesa, o que está a suscitar uma intensa e até insuspeita ambição cultural que tem vindo a fazer surgir candidaturas de norte a sul, o que é digno de registo e de elogio, e que nos faz lembrar que estamos a viver um novo tempo, a nível de políticas públicas, em que a cultura assume um papel cada vez mais relevante.

Mais ainda, quando se pensa que se preparam candidaturas para um evento a realizar daqui a nove anos, num país que se identifica muito mais com o desenrasca do que com o planeamento, não podemos deixar de nos congratular com todo este movimento e de agradecer a iniciativa a Melina Mercouri e à União Europeia que lhe tem dado continuidade.

Sobre as equipas de trabalho das candidaturas confesso a minha ignorância genérica quanto à sua constituição. No que toca a Coimbra, cuja constituição foi recentemente dada a conhecer, é reconhecido o mérito pessoal e profissional de alguns dos seus membros e a surpresa de vê-la integrada por dois dirigentes políticos do PSD, um de Coimbra e outro de Leiria. Tanto quanto se percebe não há uma outra tão forte representação de dirigentes partidários.

Assim, caso a candidatura de Coimbra seja vitoriosa, o PSD reivindicará legitimamente uma vitória, e o projeto cultural que irá emergir na cidade dependerá decisivamente do seu contributo. É uma vitória política à la longue de que, face ao atual contexto político-partidário, não seria de todo expectável.

Dir-se-á que não faz sentido esta consideração de índole político-partidário, mas a verdade é que ela foi tornada evidente no exato momento em que foi conhecida a equipa e até me parece que em Leiria há quem olhe para a candidatura de Coimbra como um ato político revanchista e que fale, não sei porquê, em traição.

Vamos aguardar pela decisão final e esperar que não subsistam animosidades tão recorrentes na nossa cultura política, e, sobretudo, que a ambição cultural não esmoreça porque o que menos se deseja é que a paixão pela cultura seja efémera e utilizada como arma de arremesso.

Podendo Coimbra e Leiria constituir-se como um polo determinante na afirmação do centro do país, pelas características próprias e complementares e pela proximidade geográfica, espera-se que não haja por aí uma seta a mais que acrescente dificuldade a uma aproximação e cooperação, que é importante para as duas cidades e para o país.