quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

ERA UMA VEZ O FUTURO



Houve um tempo em que conseguíamos desenhar, com alguma segurança, o nosso futuro. Depois perdemos o traço e tudo começou a ficar indefinido. 

O século começou apressado trazendo-nos um mundo mais pequeno e fazendo-nos crer que muros e barreiras já não eram mais possíveis. Aliás, disseram-nos e nós acreditámos, que uma vez isolados estaríamos perdidos. A mundividência dos mais novos, adquirida particularmente com a erasmusição, levou-nos mesmo a afirmar que podíamos, ainda que com outro lápis, voltar a desenhar caminhos de futuro.

Eis senão, tudo é posto em causa. Sem percebermos bem como, mas desconfiando de que alguém terá feito um pacto com o demónio, a ordem que se vinha consolidando há algumas décadas entra em crise: com a emergência de um terrorismo de violência extrema e incompreensível; com a confusão no próximo oriente a entrar-nos pela casa dentro; com o impensável “Brexit” a ser escolha vencedora; e com o racismo, a xenofobia, o populismo e os nacionalismos a emergirem em força.

Confusos e desorientados com a notória falta de liderança na velha Europa eis, para cúmulo, que chega uma espécie de criança mal-educada, que para ser notada faz barulho, que diz e desdiz em frases curtas o que vai mudar no mundo, à qual não demos muito crédito.

Aliás, os grandes temas em agenda eram a desvalorização da política e a crucifixão geral dos políticos, e a aposta no seu escrutínio sem reservas nem limites. Enquanto isto a tal “criança” mal comportada apresenta-se como um empresário de sucesso na organização de concursos de beleza, especialista em fugas aos impostos, campeão de mentiras e de baixezas, e é escolhido para presidir aos destinos do país mais poderoso.

Incapazes de compreender o que se tinha passado, começámos uma busca bondosa tendente a ver o que está por detrás deste fenómeno incompreensível quando na verdade não há nada para compreender, o homem é o que é. 

E, assim, o mundo começa a rodar no sentido contrário, governado pelo grande empresário que mandou às malvas a transparência e a sensatez ética e decidiu perturbar, com o todo o à vontade, o metabolismo social vigente. 

Em conclusão, aqui estamos impotentes, perante este pot-porri de tensões e problemas, para desenhar o futuro. Vamos ter de viver o dia-a-dia na angústia de que os nossos filhos e netos possam vir a ser fustigados, neste seu promissor século, com um impensável retrocesso civilizacional, portador de miséria e sofrimento.

(Artigo publicado na edição de 26 de janeiro do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

GRATIDÃO



Obviamente, OBRIGADO.

É impossível não falar, neste momento, de Mário Soares. Primeiro porque sem ele não seria quem sou (o homem e as suas circunstâncias), não teria tido os encontros e os desencontros de uma vida profissional e politicamente ativa e não estaria aqui a escrever. Depois porque o meu país, a minha cidade, a vida e os sonhos de todos nós não seriam os mesmos. 

Sinto, portanto, a obrigação de expressar a minha mais profunda gratidão a um homem extraordinário que marcou decisivamente o nosso tempo e o nosso modo de estar.

É sabido que a gratidão, que nunca foi uma filha dileta da política, bem pelo contrário, é hoje mais do que nunca desprezada por força de uma explicação marcadamente utilitária e mercantilista para os comportamentos. Desconfiamos que por detrás de qualquer postura politica e cívica empenhada está sempre a ganância de um pagamento e por isso o reconhecimento não faz parte da nossa agenda. 

Haverá quem discorde deste obrigado e que tenha uma visão negativa do homem e do político que foi Mário Soares, e que o expresse livremente. Mas, surpreendentemente, essa é uma forma de gratidão porque é a prova de que isso só é possível, em grande medida, graças ao que foi a sua ação política e o resultado dos seus bons combates. Será, talvez, o modo de expressão de gratidão dos ingratos.

A gratidão a Mário Soares também decorre da convicção de que ele se preocupou constantemente connosco, por opção, sem que a isso fosse obrigado. Deu-nos durante décadas parte substancial da sua vida, com prazer, com alegria e sem medo, e isso é raro, mais raro ainda porque o resultado do essencial que nos deu foi bom.

Muitas vezes não o compreendemos. Até estamos certos de que muitas vezes errou. Sabemos que não era um herói ou um super-homem, mas também sabemos que não tinha pretensões a sê-lo e por isso ainda mais lhe devemos agradecer, para mais depois de 40 anos de um sacralizado poder ditatorial.

Durante a nossa vida fazemos permanentes julgamentos. Avaliamos os outros, fazemos juízos de valor e, por atos e omissões, somos frequentemente injustos. No caso de Mário Soares, que nos permitiu a liberdade do que somos e que foi um amigo de Coimbra, é imprescindível inscrever, com brevidade e de forma honrosa, no nosso espaço coletivo, a sua memória. 

Que a cidade do conhecimento saiba ser, também, cidade do reconhecimento.

(Artigo publicado na edição de 12 de janeiro, do Diário de Coimbra)

domingo, 1 de janeiro de 2017

PRUDÊNCIA



É inevitável. 2016 vai ser esmiuçado e 2017 vai merecer a atenção de astrólogos, cartomantes, professores esotéricos e sábios de ciências ocultas, que nos vão dizer como vai ser e que mistérios encerra. Aliás, agora, até temos entre nós um passólogo (dirigente partidário que faz previsões tipo oráculo utilizando passagens bíblicas), que já previu a vinda, logo no início do ano, dos Reis Magos. 

Portanto não esperem avaliações do ano que finda nem previsões aterradoras para o novo ano como fazem os grandes colunistas, que por isso são bem pagos, porque por mais dramático que eu pudesse ser nunca conseguiria competir com a realidade. 

Fico-me, armado com a minha ignorância, a pensar que se o ano de 2017 vai herdar a nível internacional tanta desgraça, bem como certezas e sintomas de que muitas outras vão acontecer, que temos de ser prudentes. 

2016 ensinou-nos muitas coisas e uma delas foi a de que houve imprudência nos referendos em Inglaterra e na Itália, que houve imprudência na avaliação das hipótese de Trump ser eleito presidente, houve imprudência na avaliação da capacidade destrutiva do estado islâmico, e houve imprudência na avaliação da política russa para o médio oriente e para a Europa.

Aliás, a Europa está encurralada entre a Rússia e os EUA, porque a temem, mas está sobretudo encurralada porque não foi suficientemente prudente na análise das suas forças e das suas fraquezas, não atuando atempadamente. Agora vive a angústia das eleições francesas, das eleições alemãs, das eventuais eleições italianas, da confusão instalada com o brexit, da incapacidade de perceber a Turquia, etc.

A nível nacional porque tivemos coisas boas não podemos deslumbrar-mo-nos e começar a desbaratar o adquirido e a exigir imprudentemente o impossível. É bom ver que o primeiro ministro, depois de ter ganho com mérito e otimismo em 2016, deu sinais de prudência (o orçamento de estado é disso exemplo), esperando-se, também, que os partidos que apoiam o governo, PS incluído, tenham a prudência necessária para não dar trunfos a uma direita que, obviamente, espreita todo e qualquer deslize.

E, na batalha autárquica que vai ocorrer, há que ser mais prudente do que nunca. É preciso ter em conta a utilização das redes sociais, estar atento aos “bots” e perceber que mais do que o tempo das obras este é o tempo da palavra e da imagem.

Prudência parece-me, portanto, ser a atitude e a palavra de ordem para 2017 e, por isso, sugiro um começo de ano com a leitura da: “A Arte da Prudência”, de Baltasar Gracián. 

(Artigo publicado na edição de 29 de dezembro, do Diário de Coimbra)