quinta-feira, 28 de agosto de 2014

OS PAGUROS POLÍTICOS



Estava a saborear a textura da areia da praia e a digerir a tese de que as sucessivas crises que nos amachucam têm muito a ver com a degradação das instituições - como defende Niall Fergunson no seu último livro “O Declínio do Ocidente” -, quando me lembrei do paguro. O paguro, também conhecido por caranguejo-ermitão ou casa alugada, é uma espécie de caranguejo que esconde o seu mole abdómen dentro de conchas vazias e que vai mudando há medida que precisa de mais espaço para desenvolver as suas molezas. A associação entre a decadência institucional e os paguros só me surgiu porque andar para trás e viver oportunisticamente são duas pagurices de uns tantos que por aí andam e que muito têm contribuído para a degradação das nossas instituições.

Apesar da necessidade de procurarmos muitas e várias razões para uma certa decadência que sentimos estar a viver, não deixa de ser verdade que há uma ligação causal da degradação das nossas instituições (públicas e da sociedade civil) com este tempo de crise e angústia. É sabido que é difícil alcançar um conjunto de boas instituições e que quando predominam instituições desqualificadas surge: a ignorância; a pobreza; a doença; a insegurança; e a violência. Claro que as instituições não são coisas abstratas. São os homens e as mulheres que as fazem, as alimentam e as gerem e por isso elas assumem as suas qualidades e defeitos. Assim a sua critica assume, ainda que inadvertidamente, uma autocritica. Os políticos e os partidos políticos que tão ferozmente atacamos, são uma criação nossa e portanto devemos começar por avaliar e ponderar como foi possível termos permitido que sejam como são e que atuem como atuam. E, desculpem lá meus amigos, mas nós, de certa forma, ainda idolatramos Alves dos Reis e por isso não há quem não aprecie um daqueles truques partidários que faz surgir e multiplicar o Jacinto Leite Capelo Rêgo ou “trazer” um morto a pagar quotas.

Um dia, já lá vão uns anos, caí na tentação de me candidatar a um cargo partidário. Apesar de saber que a política não é coisa para gente de estômago fraco, o que vivi e assisti então – e que reservei como exclusivo património da minha memória -, imunizou-me para qualquer nova aventura nesse mundo e impeliu-me ao afastamento da atividade partidária. E hoje permite-me assistir, com enorme gozo, a declarações de pureza e gritos de revolta por ofensa, a tantos que durante anos praticaram, ou foram coniventes, com os nefandos “crimes” que agora denunciam.

Não sei se as mulheres e os homens santos que se anseia ver caminhar para as sedes partidárias existem e sobretudo não sei se aqueles que afirmam essa esperança não serão os primeiros a desafiá-los ao pecado ou a condená-los ao ostracismo, por isso, talvez uma pitada de autocrítica, seguida de algum tempo de jejum e abstinência, temperado com um banho de ética e uma ingestão de valores fossem um bom remédio. 

Um alerta ineficaz: cuidado com os paguros políticos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A UM CONIMBRICENSE IMAGINÁRIO



1. Caro amigo A.P., emitir opiniões neste estranho mês de agosto não é difícil, até porque há vasta e variada matéria para opinar e perdoe-me mas, num país em que toda a gente tem opiniões seguras sobre tudo, mal ficaria se eu não arranjasse matéria para encher esta coluna. Ainda há alguns meses, nesses fóruns radiofónicos e televisivos que a maior parte das vezes nos infernizam o dia, não havia quem não emitisse opinião definitiva sobre o Bosão de Higgs (a chamada partícula de Deus), o que, deixe-me que lhe diga, muito me alegrou porque mostrou o enorme nível de conhecimento da generalidade dos cidadãos do nosso país sobre matéria tão específica e difícil. Mas nós portugueses somos assim: sabemos tudo de tudo e se eu me angustio com a minha ignorância - permita-me a inconfidência, mas à medida que vou envelhecendo cada vez mais me sinto mais ignorante -, não é por qualquer mania, é fruto dos anos e idiossincrasia. 

Voltemos ao que nos trouxe, caro amigo A.P. Já lá vai tempo que nesta altura em Coimbra não acontecia nada e a nível nacional as revistas e jornais enchiam as suas páginas com inquéritos – às vezes bem pouco inteligentes –, que permitiam degustar os dias de férias sem angústias e com um sorriso. Este ano só se fala de dinheiro; de bancos - bons e maus; de banqueiros - bons e maus; e até de bancários. Mais, há uma campanha eleitoral a decorrer para eleições partidárias aberta a todo o tipo de clientes,  perdão, simpatizantes. Enfim uma bagunça de questões que não nos deixa estar postos em sossego. Por isso amigo A.P., deixo-lhe aqui a primeira opinião, é mais uma sugestão, entretenha-se a ler o “Livro dos Seres Imaginários”, de Jorge Luís Borges, e vai ver que para além de se divertir e se instruir ainda vai encontrar, neste turbilhão de vidas, seres que lhe vão fazer lembrar alguém conhecido. 

2. Mas, caro amigo A.P., sendo um conimbricense de gema, apesar de ter nascido cá, se quiser aproveitar este agosto para deambular pela nossa cidade e pelas questões que a atormentam. Faça-o, mas não exagere. Lembre-se que agora a Coimbra não é só nossa, tem parte que é Património da Humanidade. Na parte que é só nossa veja se descobre o Memorial a Miguel Torga e quede-se um pouco a meditar sobre o Mondego, a sua navegabilidade e a relação com a cidade. Não pense na areia nem nos paredões que o contêm, particularmente na margem direita, essas são questões há muito tratadas e não haverá inverno que perturbe. Já agora, tenha a maçada e na quietude de uma biblioteca, com todo o ripanço, leia as posições dos ativistas pró-Metro Mondego quando o projeto foi anunciado e lançado, já lá vão uns anitos. Depois requisite, se não quiser comprar: “As cidades Invisíveis” de Italo Calvino, vá saborear um café e comece logo a leitura que se inicia por um capítulo com o título “As cidades e a memória.”

Caro amigo A.P., tenho de ficar por aqui, mas deixo-lhe uma dica, pergunte onde fica o Panteão Nacional. Desejo-lhe boas respostas e boas férias! 

(Artigo publicado na edição de 14 agosto 2014, no Diário de Coimbra)