quarta-feira, 28 de julho de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 68


Fazer que compreendam.

É mais importante que fazer recordar. Algumas vezes é necessário recordar e outras aconselhar. Alguns deixam de fazer as coisas no momento mais conveniente, porque isso não lhes vem à ideia; nessa altura, a advertência de um amigo deve ajudar a ver a utilidade. Uma das maiores excelências da mente é lembrar-se com rapidez das coisas importantes. Por falta disto deixam de alcançar-se muitos sucessos. Ajude com prudência quem puder e peça ajuda, com discrição, quem dela necessite: basta uma insinuação. É necessária esta delicadeza quando afecta a quem desperta. Convém ter bom gosto e ir mais além quando não bastar. Como já se tem o não, busquemos o sim com destreza, que a maior parte das vezes não se consegue porque não se tenta.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

quinta-feira, 22 de julho de 2010

PEDRO E O LOGRO


É enternecedor ouvir o Engenheiro Ângelo Correia referir-se, de forma paternalista, ao seu "protegido", como: o Pedro.

Assumindo-se como manager político de Pedro Passos Coelho teve o mérito de o conduzir à liderança do PSD, agora mais PL (Partido Liberal) do que PPD ou PSD.

Sucedendo a uma sisuda e desgastada ex-ministra, sem carisma nem fotogenia, o Pedro rapidamente fez sucesso e trepou nas sondagens. Animado com o facto e feliz com a "boa" imprensa, que de imediato o tornou primeiro-ministro, o Pedro, sentiu-se obrigado a lançar-se na grande política e, por isso, de acordo com a habitual cartilha, que diz que quando não há propostas para os problemas devem inventar-se problemas para as propostas, resolveu, depois de consultar o seu horóscopo, que lhe disse: "Boa altura para tomar uma decisão importante.", apresentar uma proposta de revisão constitucional.

Feliz com o cumprimento deste primeiro grande desígnio, resolveu consultar de novo o horóscopo  apara o dia e leu: "Dia radioso. O sol brilha trazendo-lhe o merecido êxito.".  No entanto a manhã tinha começado nublada e havia umas nuvens preocupantes. As notícias eram confusas, havia um coro de vozes, mesmo dentro do seu partido, a contestar a proposta de revisão constitucional e o Pedro começou a ficar desconfiado das previsões astrológicas.

Contudo, no dia seguinte, não resistiu a recorrer de novo ao conselho do astrólogo de confiança e ficou a saber que: "Apesar de muita controvérsia vai conseguir dominar os acontecimentos." Mais descansado preparou-se para as notícias. Não teve que esperar muito para perceber que de repente apoiantes  da véspera e comentadores deslumbrados de há dias zurziam, sem dó nem piedade, na sua proposta.

A confusão tinha-se instalado. Teve de se desdobrar em contactos, fazer recuos, descansar uns empedernidos social-democratas que ainda por lá andavam e afirmar que era uma proposta aberta para análise e discussão.

Veio novo raiar do dia e lá estava nova e animadora previsão astrológica: "Vai ter novas oportunidades e um período ascendente.". Um pouco menos crédulo recorreu aos seus assessores e ficou alarmado, havia sussurros depreciativos e temia-se uma queda nas sondagens, a pior desgraça que lhe podia acontecer. Enquanto esteve calado, passeando a imagem tudo bem, agora que queria começar a demonstrar que era um verdadeiro político via tudo a desmoronar-se.

O Pedro sentiu-se angustiado e começou a pensar se não seria muito ingénuo. Foi consultar o seu horóscopo para o novo dia e lá vinha: "Aprecie o bom momento que está a passar.". Num acto de incontida desconfiança atirou com o horóscopo para o caixote do lixo, afundou-se na cadeira e percebeu que ainda estava muito cru e que era um logro fazer política com base em oráculos. 

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 67



Preferir as ocupações de reconhecido prestígio.

A maior parte das coisas depende da satisfação alheia. A estima é para as perfeições o que o Zéfiro é para as flores: alento e vida. Há empregos expostos à aclamação geral, e há outros, embora mais importantes; absolutamente invisíveis. Aqueles, por funcionarem à vista de todos, gozam da simpatia geral; estes, embora sejam excelentes e mais perfeitos, permanecem no segredo do imperceptível e são venerados, mas não aplaudidos. Entre os príncipes, os vitoriosos são os celebrados, e por isso os reis de Aragão foram tão aplaudidos como guerreiros, conquistadores e magnânimos. O grande homem preferirá os empregos céebres que todos entendam e conheçam de modo a ficar imortalizado com o sufrágio de todos.

Arte da Prudência
Baltasar Gracián

quarta-feira, 21 de julho de 2010

É VERÃO E TANTAS NOTÍCIAS


Hoje há um fervilhar de notícias que dão a ideia de como este país é único, multifacetado e moderno. Somos pequeninos mas temos de tudo. Há de tudo nesta Pátria portuguesa, "...a quem devemos sacrificar a nossa vida animal e transitória.", segundo Teixeira de Pascoaes, na sua Arte de Ser Português.

Apenas três excitantes exemplos. Temos a grande política com a proposta de revisão constitucional do PSD, a pretender consignar constitucionalmente as maldades do capitalismo neoliberal, no preciso momento em que as suas consequências perversas mais se fazem sentir,  sepultando algumas ténues ideias social-democratas e procurando utilizar este momento conturbado para preparar uma eventual chegada ao poder com o caminho aplainado para realização das políticas neoliberais defendidas pela sua actual direcção. 

A seguir podemos seguir as peripécias que envolvem a tourada que o CDS vai realizar nas Caldas - na cidade das Caldas e não no Largo do Caldas, note-se -, numa iniciativa em que se acredita não haverá  as "bandarilhas de esperança" de que nos fala José Carlos  Ary dos Santos na sua Tourada. Mas percebe-se que, na sequência da proposta de "coligação de governo" apresentada há dias por Paulo Portas, nada melhor do que avançar agora com uma tourada.

Também temos a notícia da prisão, pela Unidade de Combate Nacional ao Terrorismo da PJ, de um serial killer, o que dá uma dimensão espectacular ao evento e permite especular sobre o enquadramento e importância do criminoso. Enquanto nos Estados Unidos reina uma enorme confusão nos serviços de segurança, nomeadamente nos que têm por missão o combate ao terrorismo, nós por cá demonstramos a eficácia dos nossos serviços de segurança. 

Depois há uma notícia de política internacional, em que estamos envolvidos, que  coroa tão diversificadas notícias - a adesão à CPLP da Guiné Equatorial, um país de língua castelhana, com um regime ditatorial. Se não temos dado pela existência da CPLP o mesmo não acontece com o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo que a descobriu e a pretende enriquecer com os seus méritos políticos. Há, é bom ter presente que na Guiné Equatorial o português já passou a ser língua oficial e já se escreve petróleo ainda que se continue a utilizar o sinónimo castelhano oro negro.

O APRISIONAMENTO DA ESQUERDA


Na nossa vida partidária vive-se uma estranha situação que faz lembrar o "dilema do prisioneiro", um problema da Teoria dos Jogos - John Nash que me perdoe meter-me por estes caminhos -, em que cada jogador, de modo independente, tenta aumentar ao máximo a sua vantagem sem se importar com o resultado do outro.

Com efeito, olhando para a acção política dos partidos com assento na Assembleia da República, tem de se considerar, no mínimo estranho, que havendo uma maioria de esquerda ela se encontre "prisioneira" de uma direita minoritária, não por força desta mas porque cada um dos partidos de esquerda tenta aumentar ao máximo a sua vantagem sem se importar com o resultado do outro que se situa no mesmo espectro partidário.

Veja-se que o PS governa em minoria porque nenhum dos partidos de esquerda aceitou participar no governo, levando assim a uma situação de "soma nula" para a esquerda. Mas mais. Hoje considera-se que o governo só não cai porque a direita não quer, dado que há a certeza de que uma moção de censura do PSD colheria não só o apoio do CDS como a abstenção do PCP e do BE ou mesmo o seu apoio.

Isto é, a força parlamentar da direita resulta do "aprisionamento" da esquerda pela sua incapacidade de diálogo e de concertação resultante da convicção de que um entendimento seria prejudicial para as partes. Temos portanto aqui uma situação de "soma nula" à esquerda, em que cada um tenta aumentar a sua própria vantagem em detrimento não só do outro mas de uma política global de esquerda para o país.

Ver a esquerda prisioneira voluntária da direita, sabendo que não é possível perspectivar uma saída consentânea com o sentir da generalidade dos cidadãos expresso nas urnas, é qualquer coisa de doloroso e incompreensível.    

É uma realidade que tem tanto de "natural", para quem conhece a nossa história política partidária, como de bizarro e em que está patente uma situação de perturbante esquizofrenia que nem a mente brilhante de John Nash saberá resolver.

Será que, no nosso país, algum dia a esquerda se conseguirá libertar da direita, pondo fim ao "dilema do prisioneiro"? Quem souber que responda.

terça-feira, 20 de julho de 2010

OBRIGADO, PÁ!


Depois do "Porreiro, pá!", a Durão Barroso, José Sócrates deve, neste  Dia do Amigo, um "Obrigado, pá!", a Pedro Passos Coelho. 

É que o presidente do PSD demonstrou-lhe uma enorme amizade política, bem como ao partido Socialista, ao lançar, neste momento, a sua proposta de revisão constitucional.

Trazer para o debate político, num tempo particularmente difícil para a governação e numa fase pré-eleitoral para as presidenciais, propostas neo-liberalizantes da Constituição, particularmente da sua parte económica, e ainda propostas de alteração dos poderes presidenciais, infligindo desconforto ao candidato da direita, são um delicioso pitéu, para várias "refeições",  para os media e para os opinion makers, com tudo o que isso implica de distracção da necessidade de criticarem o governo.

O Pedro demonstrou, assim, ser um bom amigo, que deu um passo em frente e fez saltar um coelho que será motivo, por algum tempo, de uma  incessante saraivada de comentários, observações e sobretudo de criticas por parte de muitos que no seu próprio partido têm andado a penar, num profundo sofrimento, por o ver a subir nas sondagens.

Mas a vida é assim. Algum dia o Pedro tinha de abrir a boca, de dizer alguma coisa e de apresentar alguma proposta relevante. Foi agora e, por isso, meu caro José Sócrates é favor, num fraterno acto de amizade, um agradecimento. 

Não é preciso uma declaração lamechas ou muito elaborada, por mim, repito, bastará um "Obrigado, pá!"

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 66


Cuidado para que as coisas resultem.

Alguns colocam o seu objectivo mais numa direcção rigorosa que em alcançar o êxito, mas é sempre mais pesado o descrédito do fracasso que a utilização adequada dos meios. Aquele que vence não necessita de dar explicações. A maioria não percebe os pormenores do procedimento, apenas os bons ou maus resultados; por isso nunca se perde reputação quando se consegue o desejado. Um bom final tudo doura, ainda que o contradigam os meios incorrectos. A regra é ir contra as regras quando não se pode conseguir de outro modo um resultado feliz.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A GOLDEN SHARE DA BRITES DE ALMEIDA


Fiz a escola primária em Aljubarrota. Na altura, enquanto fazíamos apanhadas em loucas correrias pelas ruelas da vila, eu e os meus colegas, já tínhamos ouvido falar da Padeira mas não tínhamos nenhuma ideia do que seria uma golden share.

O inglês ainda não fazia parte do ensino primário e de economia não só não conhecíamos a palavra como tudo o que pretendíamos eram uns tostões para comprar uns rebuçados, lamentando não ter dinheiro para provar os afamados bolos de umas irmãs doceiras - irmãs muito avançadas para a época que andavam de bicicleta e usavam uns surpreendentes calções "inglesinhos" -, que vendiam em Alcobaça e também na sua casa, onde se tinha o privilégio de ver uma carcomida e ferrugenta pá de ferro, que era guardada num pequeno saco de serapilheira e apresentada como a pá da Padeira.

Da Padeira, a famosa Brites de Almeida, também pouco sabíamos. Desconhecíamos, como diz a lenda, que seria algarvia, corpulenta e feia e que teria seis dedos em cada mão. O que sabíamos era que no dia seguinte ao da batalha de 14 de Agosto de 1385, ali naquele lusitano lugar de Aljubarrota, ao preparar-se para acender o forno e fazer a cozedura do pão, se deparou com uns sete soldados castelhanos escondidos no forno e que por via das coisas resultou matá-los à pazada.

Sete homens de pernil esticado à frente do forno mortos por uma padeira é obra e por isso mais do que o Dom Nuno era a Padeira que preenchia o nosso imaginário. Aliás o clube da terra não se chama Don Nuno Álvares Pereira mas sim Brites de Almeida, o que diz tudo.

A maior dificuldade era perceber como é que sete homens, sete soldados, cabiam dentro dum forno de pão, mas não tínhamos dúvidas que eles tinham caído, um a um, às mãos, ou melhor dizendo à pá da nossa Brites de Almeida.

Hoje, mais velhos, bastante mais velhos, ainda que sem perceber nada de economia, pelo menos desta economia que tem como única declinação a crise, percebemos de repente que a Brites de Almeida mais não tinha feito de que utilizar, em 1385, uma golden share. A sua estratégica golden share, porque o que ela decerto pensou foi que aqueles castelhanos lhe pretendiam dar cabo do forno e que se os deixasse com vida nunca mais teria local para cozer o pão nem queimar um cavaco que fosse. 

São espantosas as lições que a história nos dá.

VIVA ESPANHA


Depois das emoções do Mundial de Futebol - o primeiro disputado em África e ganho pela Espanha com todo o mérito -, o que significou o "descobrimento" e a afirmação de um país a África do Sul e de um particular modelo de jogo, sugiro para um descanso activo e um retemperar de forças a audição de: El Nuevo Mundo - Folías Criollas.

É um CD, com um mescla de elementos hispânicos e crioulos influenciados pelas tradições indígenas e africanas,  que pela sua concepção e elaboração catalã - direcção de Jordi Savall, colaboração de La Capella Reial de Catalunya - lembra a importância do contributo para a vitória da Espanha dos fantásticos jogadores do Barcelona.

"Canta como uma calandria, danza como el pensamiento, baila como uma perdida"
Miguel de Cervantes; El Quijote (Parte 2.ª cap.XLVIII)

"Vida bona, vida bona, esta vieja es la Chacona.
De las Indias a Sevilla
ha venido por la posta."
Lope de Vega, El amante agradecido (Acto II)

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 65



Um gosto excelente.

Pode ser cultivado, da mesma forma que a inteligência. A excelente compreensão das coisas refina e aumenta depois o prazer de possui-las. Reconhece-se uma elevada capacidade pelo gosto requintado. É necessária muita matéria para satisfazer uma grande capacidade. Assim como os grandes manjares são para os grandes paladares, as matérias sublimes são para o carácter sublime. As matérias superiores temem este gosto e as mais seguras perfeições desconfiam. Como são poucas as de primeira magnitude, destacar-se-á o apreço. O gosto adquire-se com a convivência e herda-se com a continuidade: é uma sorte muito grande conviver com quem o tem na sua plenitude. Mas o desagrado em relação a tudo não se deve tornar um hábito, pois é um exagero néscio, mais odioso por ostentação que por excesso. Alguns desejariam que Deus criasse outro mundo e outras perfeições para satisfazer a sua extravagante fantasia.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A COMPREENSÃO DA POLÍTICA


Não foi por acaso que a obra  "A Transformação da Política" de Daniel Innerarity, recebeu o III Prémio de Ensaio "Miguel Unamuno", na modalidade de castelhano, outorgado pelo Ayuntamiento de Bilbao, pelo que mais uma vez recomendo a sua leitura.

Para aguçar o apetite aqui fica a transcrição de um delicioso parágrafo:

"O político parece-se muito com os varões de certas tribos do Pacifico austral que vozeiam ruidosamente dores de parto fora da cabana enquanto, lá dentro, as suas mulheres estão a parir; um simula as dores, mas quem dá à luz é a outra. As discussões políticas são vozearias, frequentemente ineficazes, enquanto não chega o último momento possível para a realização das mudanças inevitáveis. Ensinaram-nos que é isso que faz da política uma coisa frustrante, irresponsável e fraudulenta, mas devíamos habituar-nos a considerar que é isso o que a constitui."

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O ESTADO DA NOSSA INFELICIDADE


Começo por afirmar que não fui ouvido pela Gallup no inquérito que realizou em 2005/2006 a 136 mil pessoas, de 132 países, sobre "felicidade e rendimentos" e que é hoje notícia. Também, ainda, não percebi em que lugar ficou Portugal, apenas que não ficou nos 10 primeiros.

Só penso que se o inquérito fosse realizado agora - depois da eliminação no Mundial de Futebol, enquanto não se conhece a mãe do filho do Ronaldo e sem que o campeonato nacional de futebol tenha começado -, estaríamos, decerto, no último lugar da lista.

Mais infelizes ficaremos quando virmos a lista e tivermos presente que as respostas foram dadas em 2005/2006.


AMÚSICA E METROPOLITANO


Não sei porquê mas resolvi acompanhar a leitura com a audição do "Concerto para Violino No 4, em D menor" de Paganini. Talvez pelo efeito positivo que aquele começo em allegre maestoso transmite, permitindo superar as "tristezas" que a memória traz em aspectos relevantes da nossa vida colectiva.

Proporcionando, sempre, bons momentos a audição dos concertos para violino de Niccoló Paganini, a verdade é que sabem ainda melhor quando se ouvem e lêem acrisoladas declarações de amor ao Projecto do Metropolitano Ligeiro de Superfície - Metro Mondego, por parte de muitos que durante anos o combateram teórica e praticamente.

Alguns até o fazem naquele delicioso andamento rondo galante: andantino gaio, que Paganini tão bem usou. 

Mas, olhando para o passado fica a dúvida - a maldita dúvida - de perceber se a actual defesa do deste projecto é sincera ou apenas um pretexto para mais um fratricida combate partidário e de ataque ao governo.

Depois de tudo o que se passou com a co-incineração já deveríamos ter aprendido alguma coisa e não tratar coisas sérias e fundamentais para a nossa Coimbra e para a Região com segundas intenções. Espero - a bem de Coimbra - que a actual atitude seja sincera e não pretenda voltar à defesa do preconizado "enterramento" da linha. 

Para já, quer se queira quer não, estas posições são boa música para quem sempre acreditou e se bateu por este projecto e também um saudável reconhecimento público de uma passada errada postura.

Vamos agora ouvir o "Concerto No 3, em E maior", que conclui com um andantino vivace.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 64


Poupar-se a desgostos.

É útil e sensato evitarem-se desgostos. A prudência evita muitos: é a Luciana do êxito e, por isso, também do contentamento. Não se devem dar más notícias, a ainda menos recebê-las; devem ter interdita a entrada, a não ser a do remédio. A alguns corrompem-se-lhes os ouvidos ao ouvir muitos elogios doces, e a outros ao escutar muitos mexericos desagradáveis. Há quem não saiba viver sem alguma agrura quotidiana, como Mitrídates sem veneno. Também não se deve manter a regra de, por querer agradar a outrem, por próximo que seja, causar-se a si próprio um desgosto para toda a vida. Nunca se deve pecar contra a própria felicidade para agradar ao que aconselha e permanece alheio. Em qualquer eventualidade, sempre que se oponham agradar a alguém ou causar-se a si próprio um desgosto, é lição proveitosa a que diz que mais vale que o outro se aborreça agora, que tu mais tarde e sem remédio.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A SILLY SEASON ESTÁ A PASSAR POR AQUI. O PAÍS QUE SE CUIDE.


Há quem ainda acredite que Coimbra é tão provinciana que não é capaz de produzir um  pensamento político susceptível de fazer reflectir o país e de influenciar as grandes decisões nos diversos centros de poder e, pior, que a chamada silly season não passa por aqui.

Muitos desprezam a inteligência política conimbricense, apenas reconhecendo que existe um bestunto político coimbrão que não é merecedor de atenção. São ideias erróneas que a realidade se vai encarregando de desmentir. 

Por exemplo, esta semana tivemos momentos de profundo pensamento político e  de subsequente apresentação de propostas, que abanaram o país e terão motivado uma enorme preocupação no Presidente da República, no Primeiro-ministro, no Governo e nos diversos partidos. Se assim não foi é porque algo está errado.

Em primeiro lugar leu-se a entrevista do presidente da Federação de Coimbra do PS a defender um refrescamento do governo e instalou-se a dúvida: seria uma proposta para os membros do governo pararem um bocado e irem tomar uma bebida fresca, o que no actual contexto não parece boa política, ou uma elaborada teoria tendente a defender uma remodelação governamental, o que no actual contexto também não parece ser boa política, ou ainda uma mensagem encriptada de difícil compreensão?

Concluiu-se, de imediato, que o primeiro-ministro ao tomar conhecimento destas afirmações teve de alterar a sua agenda e de fazer um esforço para perceber o que estava em causa. A profundidade de pensamento, a oportunidade e as razões que estiveram subjacentes a estas afirmações terão, decerto, motivado todo um processo de decifração por parte do satff  governamental, bem como reuniões de urgência do núcleo duro do Governo e dos principais dirigentes do PS. 

Logo de seguida e dando consistência à ideia de que em Coimbra a silly season também tem expressão, o presidente da Câmara veio acrescentar que não era necessário o refrescamento governamental, preconizado, pelo citado dirigente do PS mas que bastaria, tão só, substituir o primeiro ministro.

Claro que perante este desenvolvimento de opiniões e propostas políticas todos os membros da Casa Civil do presidente da República terão sido chamados a analisar as declarações em cascata de tão reputados e  ilustres políticos e a equacionar diversos cenários tendentes a resolver uma eventual crise política.

Lisboa ficou, portanto, esta semana refém do pensamento e das afirmações produzidas ao mais alto nível em Coimbra o que deixa entender que o Presidente da República, o Governo e os estados maiores partidários não vão ter um Verão fácil e que por isso é possível que ninguém se vá refrescar estas férias.

Uma coisa para já está provada, com estes políticos e com estas intervenções, Coimbra está  muito mais cosmopolita do que alguns pensam e a silly season está a passar por aqui. O país que se cuide.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A ARTE DA PRUDÊNCIA - 63


A excelência de ser o primeiro.

E se é com eminência, a excelência será a dobrar. É uma grande vantagem ser o primeiro a jogar, pois ganha em igualdade de circunstâncias. Muitos teriam sido fénix nos seus empregos se não tivessem outros à frente. Os primeiros obtêm o morgadio da fama, enquanto os segundos têm de disputar os alimentos: por mais que trabalhem não conseguem livrar-se da acusação de imitadores. Os excelentes inventam com perspicácia novos caminhos para a eminência, mas antes devem assegurar-se da prudência das suas acções. Os sábios, pela sua inovação, garantiram um lugar no rol dos famosos. Alguns preferem ser primeiros numa posição secundária que ser segundos na primeira.

A Arte da Prudência
Baltasar Gracián