Por muito que reclamemos temos de
convir que, apesar de algumas contrariedades que tantas vezes nos
atormentam, vivemos num pequeno paraíso. Aliás, os últimos tempos
têm-nos trazido boas e reconfortantes notícias, aos mais diversos
níveis.
Contrariamente, quando lançamos um
olhar mais vasto confronta-mo-nos com um mundo onde milhões de seres
humanos vivem uma existência de inaudito sofrimento. São mais do
que as sete pragas do Egipto que martirizam, sem descanso, crianças
mulheres e homens, por decisões da natureza ou de outros homens que
semeiam a desumanidade.
Para as decisões dos homens
procuramos causas e responsáveis e tentamos num contexto de um mundo
globalizado encontrar soluções de compromisso que contenham os
demónios da ganância, da ambição, ou da loucura suicida.
O
problema é que tudo acontece cada vez mais depressa, de
uma forma praticamente incontrolável, com a agravante de
que
passámos a ter verdadeiras notícias falsas, dadas por muitos dos
que deveriam ser uma fonte de verdade e rigor.
Por
estes dias tivemos um
momento exemplar das contradições deste mundo em que vivemos.
Ouvimos um homem de um pequeno país, António Guterres, fazer um
grande discurso na abertura da 72.ª Assembleia Geral da ONU, um
discurso que honra
a humanidade, e, logo a seguir, tivemos a intervenção boçal na
forma e arrepiante no conteúdo do presidente de um grande país,
Donald Trump.
O
mais dramático é que temos consciência de que o grande discurso
tenderá a ficar no papel e o praguejar do investidor
multimilionário, que não era político, mas
que ambicionou governar politicamente o mundo e está a consegui-lo,
tenderá a ter consequências.
Mas estes dois homens foram
escolhas. Uma com base mais na racionalidade, sem esquecer o trabalho
de bastidores e os compromissos que foi possível estabelecer. Outro
foi eleito com base na emoção, na mentira e na exploração de
baixos e mesquinhos sentimentos alimentados pelas tais fake news.
Por
esse mundo fora haverá cada vez mais quem se interrogue, e de forma
particular as elites norte americanas, como foi possível chegarmos
aqui e
como sair daqui. Eu, aqui, em Coimbra, no centro do mundo, não sei,
mas há uma coisa que sei: é que em todas as circunstancias não
podemos deixar de fazer escolhas ponderadas.
Não
podemos deixar que sejam os outros a escolher por nós e ao escolher
quem nos governa temos de abdicar, tanto quanto possível, de emoções
e procurar razões concretas e objetivas para a decisão que vamos
tomar, para
não cairmos naquilo a que
Ulrich Beck chamou de “irresponsabilidade organizada”, tanto
mais que não são decisões para um momento ou por um momento são
compromissos de anos e de futuro.