quinta-feira, 31 de maio de 2018

DESAFIO PERIPATÉTICO


Uma palavra que me encantou, no primeiro momento em que a ouvi, é peripatético. Pela sua estranheza e musicalidade ficou-me gravada para sempre, desde as distantes aulas de filosofia no liceu, já lá vão uns anos largos.

Não sendo um filosofo dou, contudo, muitas vezes por mim a caminhar e a reflectir, não sobre os temas que Aristóteles e os seus alunos debatiam, mas a tentar perceber alguns dos enigmas da minha cidade.

E porque as caminhadas são um excelente exercício, merecendo recomendação médica e até aconselhadas áqueles que vão ao ginásio de carro mesmo morando perto, venho recomendar (presunção não me falta) umas caminhadas reflexivas por espaços da nossa cidade, sugerindo como primeira opção uma deambulação pelo campus dos Hospitais da Universidade de Coimbra, já que está em equação a construção ali de uma nova maternidade.

Li que há um surpreendente apelo político-partidário no sentido de não discutir ou pôr em causa esta solução, mas peço que perdoem este meu apelo à desobediência. É que eu que julgava que os partidos políticos tinham, entre outras, a missão de promover o debate de intervenções relevantes no espaço público e de obras publicas estruturantes, mas, claro, estamos em Coimbra...

Pois bem, equipados de calçado adequado – atenção aos passeios degradados e ocupados por carros -, façamos uma caminhada pelo território da proposta construção da nova maternidade. Claro que o primeiro grande desafio é descobrir o local de implantação. Não vou dar pistas, porque não as tenho, mas um passeio peripatético serve para isso mesmo – descobrir coisas enquanto se caminha.

Talvez que os prescritores da construção da nova maternidade num recanto daquele espaço, possam ajudar, até porque sendo alguns médicos estou certo que terão feito (até por deformação profissional) um diagnóstico cuidado – holístico - de todo o espaço e terão entendido que há boas soluções de cura para a enorme confusão que diariamente rodeia o hospital já existente e o Polo III, sem esquecer a envolvente urbana.

Peço-lhes que, perante o olhar atento que um momento peripatético implica, não estranhem que hoje o parque industrial de uma qualquer cidade ou vila seja mais bem organizado, tratado, sinalizado e estimado do que é a área importantíssima do Polo III da Universidade de Coimbra.

Claro que haverá no meio de tudo isto uma inspirada visão de futuro que me escapa, lamento confessá-lo, em que a densificação hospitalar somada à confusão de circulação e mobilidade sejam um paradigma de sucesso.

Não sei se face à minha idade e mesmo tendo em conta o atual indicador de esperança de vida, conseguirei ver como a maldição das obras públicas em Coimbra acaba por ser um fator de sucesso.



DEPOIS NÃO SE QUEIXEM


A partir de agora passámos a uma nova categoria: somos interioridade académica. Face à concentração de alunos inscritos no ensino superior em Lisboa e Porto o ministério decidiu reduzir o número de vagas nestas cidades, procurando assim “obrigar” alunos a irem para o interior.  

Não parece que, nos tempos que correm e nesta área, imposições desta natureza produzam bons resultados. O que seria relevante era uma visão do país, e consequentes medidas políticas globais, nomeadamente a nível de investimento público, que combatessem a bipolarização que se tem vindo consistentemente a concretizar, fazendo de Lisboa e Porto um país de primeira, no restante país de segunda em que Coimbra e o centro estão transformados.

A decisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de tomar uma medida administrativa de planeamento territorial é, também, sintomática de que hoje a procura de formação superior e a realização de investigação não tem a ver apenas com a qualidade do ensino e dos projetos de investigação mas muito a ver com o ambiente urbano em que o estabelecimentos se inserem.

Já lá vai o tempo em que Coimbra era o paradigma da cidade universitária. Esse tempo acabou e se ainda há alguns fatores de atratividade eles têm vindo a desaparecer de forma preocupante.

A universidade ainda se vai aguentando nos rankings internacionais no que toca ao seu nível de ensino, facto que hoje como se percebe não é, só por si, determinante. Por seu lado a cidade tem tido uma imensa dificuldade em conseguir encontrar um caminho atrativo e entusiasmante para estudantes, investigadores e professores.

É que uma cidade de média dimensão, tratada como periférica e agora até integrada no conceito de interioridade, tem de realizar um esforço complementar e ter uma dinâmica especial para conseguir vencer os estrangulamentos de que é alvo, o que não tem vindo a acontecer.

A complicar tudo há um óbvio divórcio entre a cidade e a universidade, sendo evidente que não só não se tomam decisões concertadas e articuladas, como há uma degradação global de áreas urbanas e universitárias que é preocupante. Os polos II e III da universidade são disso um exemplo gritante.

Depois há um desaproveitamento lamentável de divulgação, com prejuízo mútuo, de iniciativas de dimensão relevante e com projeção internacional, como foi, recentemente, a realização do World Health Summit (VHS) e agora são os EUSA 2018 – Jogos Europeus Universitários 2018, que deveriam estar a ser profusamente divulgados por toda a cidade e nos sites institucionais.

Por tudo isto só apetece dizer: continuem assim e depois não se queixem.

GRATIDÃO E LEALDADE


Tenho um divida de gratidão para com Coimbra que nunca conseguirei pagar.

Na conta corrente do meu viver há um imenso débito que tenho para com ela, que vou procurando amortizar defendendo-a e tentando que lhe deem o carinho, a atenção e o cuidado de que entendo ser merecedora.

Escrevo, por isso e também por lealdade, frequentemente sobre Coimbra, sabendo que corro o risco de múltiplos entendimentos, nomeadamente os de que as minhas palavras criticas têm um destinatário preciso. Não é verdade, o que escrevo é a favor de Coimbra!

Para mais, Coimbra tem a particularidade de ser uma cidade onde coexistem diversos poderes, muitas “igrejas” e “capelas” e por isso admito que os meus escritos sejam lidos pelos crentes desses “templos” de forma variada.

A questão essencial é que a minha cidade não tem conseguido ultrapassar certos estrangulamentos e confusões e tem, por isso mesmo, ficado para trás num campeonato exigente e complexo que não permite hesitações, tibiezas e, sobretudo, inercias, o que não se pode deixar de lamentar.

Sabemos que o demasiado novo (neofilia) desconcerta e que o demasiado velho (neofobia) aborrece, mas há que saber aproveitar os contributos dos defensores dessas teses, tendo em conta que o importante é que olhemos para onde devemos e não para onde querem que olhemos.

É, igualmente, sabido que as doenças que atingem muitas cidades têm a ver com mudanças subterrâneas, quase impercetíveis, e que outras emergiram de situações difíceis e se tornaram espaços vibrantes porque houve a capacidade de escutar e ouvir, e de perceber novas realidades.

Uma outra divida de gratidão que tenho é para com o 25 de Abril. Não consigo imaginar o que seria a minha vida sem esse dia extraordinário. Se relativamente a Coimbra tenho de enaltecer os méritos do espaço onde vivo, relativamente ao 25 de Abril tenho de agradecer a liberdade e os valores que me permitiram ter futuro como cidadão. Por isso também aqui a minha gratidão e a minha lealdade.

Acontece que nas recentes comemorações do 25 de Abril, em Coimbra, um dos momentos mais destacados foi o da inauguração de um parque de estacionamento na Praça das Cortes, junto a uma entrada da cidade. Confesso a minha dificuldade em conciliar estas duas coisas. Para mim a cidade necessita de intervenções de requalificação do espaço público que tenham em conta as pessoas e um olhar para o futuro.

Colocar o carro como objeto de preocupação principal e elevá-lo a ícone, ainda que momentâneo, de uma revolução libertadora não me parece que tenha sido um contributo positivo para este dia, para mais uma Praça que tem o nome de um relevante acontecimento histórico.

Contrariamente ao que muitos dos meus concidadãos defendem, não são os carros e a profusão de estacionamento que farão de Coimbra uma cidade de futuro, bem pelo contrário. Um dia os nossos filhos e netos condenarão a nossa cegueira automóvel e o que temos destruído, ou não realizado, em seu nome.

Esta não foi a celebração que Abril e Coimbra mereciam. Digo-o por gratidão e lealdade.