segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

CONTRADIÇÕES E CRISE DE REALISMO


Ao ver certa intervenções que estão a ser feitas no espaço público resolvi revisitar a publicação de novembro de 1993, da Câmara de Coimbra “Urbanismo, Coimbra, anos 90”, e pude constatar que, infelizmente, apenas algumas das intervenções urbanas ali propostas só agora, passadas mais de duas décadas, estão a ser realizadas.

Houve, por isso, uma geração que acabou por não ter a oportunidade de usufruir de benfeitorias que foram pensadas para ajudar a melhorar a sua qualidade de vida, que poderiam ter sido realizadas em tempo útil e feito de Coimbra uma cidade liderante e inovadora, não se deixando ultrapassar como veio a acontecer.

Mas não é de estranhar porque é sabido que gostamos muito mais de nos discutirmos do que fazermos – é da idiossincrasia coimbrã – e também porque como Max Weber ensinou: ”O resultado final da atividade política raramente corresponde à intenção primitiva do ator”.

Olhando agora para o que se vem passando é com pena que não vejo uma visão global de intervenção urbana como a que então foi desenhada, e o que vou ouvindo e lendo são sobretudo referências e discussões à volta de grandes projetos: um aeroporto para região centro a construir próximo de Coimbra; uma candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027; o fim da chegada dos comboios à Estação Nova e consequentemente do seu encerramento; o desenvolvimento do projeto de um sistema de transporte que resolva o fim da Linha da Lousã; e a construção, sem data, de um novo heliporto com maternidade por baixo, junto dos HUC.

Haverá mais coisas que o dia a dia nos vai trazendo mas sempre numa perspetiva avulsa e em muitos casos sem que se percebam as conexões com o construído e com uma visão, até ideológica, do modelo de cidade que pretendemos.

Aliás, queremos um aeroporto, cuja viabilidade implica um conjunto de condições que à partida não serão fáceis de conseguir, quando não somos capazes de um entendimento sobre a questão, com outras cidades da região cujo contributo é indispensável à sua viabilidade. Aliás, nós nem a nível rodoviário conseguimos ter uma rede decente de ligação a Leiria ou a Viseu, cidades que se têm vindo a afastar cada vez mais de Coimbra.

Falamos de um aeroporto quando não conseguimos regularizar um rio que há séculos nos banha e periodicamente nos engravida com água, para além de não termos uma rede de transportes públicos, que evite a entrada diária de milhares de carros na cidade e que depois estacionam em centenas de metros de passeios à volta dos hospitais.

Mesmo no momento em que a grande aposta nacional é na ferrovia – onda que devíamos aproveitar – nós andamos a discutir impossíveis, até pela recente decisão do aeroporto de Alcochete, esquecendo o destino a dar à Estação Nova, cujo desaparecimento damos por adquirido, apesar da visão do próprio ministro da área de que o comboio deve ir ao centro das cidades.

Pretendemos vir a ser Capital Europeia da Cultura, em concorrência com outras importante cidade da região: Leiria e Guarda, esquecendo o flop que foi Coimbra Capital Nacional da Cultura.

Mais ainda, queremos ser capital Europeia da Cultura quando sendo uma cidade universitária não conseguimos resolver a vergonha dos arranjos e da envolvente dos nossos polos universitários, com passeios degradados, espaços abandonados e carros por todo o lado.

Veja-se o triste espetáculo de termos uma guarda de honra automóvel na Porta Férrea, donde aliás vai partir o Rally de Portugal, repetindo uma iniciativa publicitária, que no momento em que por esse mundo fora se discute a questão da emissão de CO2, nada tem de virtuoso. Não será uma iniciativa negativa fazer da Universidade, uma das mais antigas do mundo, Património da Humanidade e onde não se come carne de vaca, capital de carros altamente poluidores?

Queremos ser Capital Europeia da Cultura mas não somos capazes de ter uma Maternidade decente para as nossas crianças nascerem e onde nem as suas entradas, contrariamente ao que acontece por vilas e cidades europeias, conseguimos apresentar com obras de arte ou, ao menos, umas simples flores?

Eu gostaria que pudéssemos ser a curto prazo, muito antes de 2027, Capital Europeia da Qualidade de Vida, mas parece-me impossível porque vivemos um portefólio de contradições e uma crise de realismo.