quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

CARTA AO PAI NATAL



Caro Pai Natal esta é a primeira vez que lhe escrevo. Na minha infância não o conhecia, era o Menino Jesus que reinava e se encarregava de me deixar um simples mas maravilhoso pacote de bolachas, bolachas Maria se bem me lembro, no sapato que pernoitava junto ao Presépio.

Resolvi agora, depois da eleição de Donald Trump e quando já tenho a barba branca, começar a acreditar na sua existência e como tal decidi escrever-lhe porque tenho ouvido que é um poço de generosidade e que se empenha em satisfazer os pedidos dos crentes.

Os meus pedidos, resumem-se a um e não são para mim, são para a minha cidade. São para Coimbra, um lugar de nascimento, porque aprendi com Marguerite Yourcenar que: “O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós próprios.”  
Sabe, a minha cidade é muito bonita. Tem história, tradição, saber, cultura e sobretudo gente muito boa. Apesar de tudo isto é notório que vive a angústia da falta de uma ideia de futuro.

É consensual que Coimbra tem tudo para ser a grande cidade do centro do país. Grande, sobretudo numa perspetiva qualitativa, que a imponha como determinante para a região e para o país. Uma verdadeira capital regional sem necessidade de se colocar em bicos dos pés, mas que naturalmente agregue vontades e traga desenvolvimento a esta região.

Sendo uma canção de amor e tradição sente-se a urgência de que se assuma também, sem mais perda de tempo, como uma cidade criativa, inovadora e vibrante, pondo termo à sensação de que há um smog passadista que a envolve e a fecha ao futuro.

Sabe, a minha cidade tem um riquíssimo capital humano que não consegue aproveitar. Tem a sabedoria dos mais velhos, que como eu se habituaram a ser dispensados e dispensáveis, e a vitalidade, criatividade e imaginação dos mais novos que se consome no academismo e nas noites de bar.

É urgente, Pai Natal, que Coimbra seja cada vez mais cosmopolita, que arregace as mangas a lute por uma maior intensidade cultural, que faça emergir inventores “selvagens”, e que se torne naquilo que alguns apelidam cidades TGV, isto é espaços de grande inovação e mobilidade.

Por tudo isto, aqui vai o meu pedido, caro Pai Natal. Havendo eleições autárquicas no próximo ano ajude no aparecimento de grandes candidatos. Os melhores que possa encontrar, porque precisamos de um governo local capaz de nos empolgar e de realizar as grandes ambições coletivas dos que amam e vivem nesta fantástica cidade.

Grato pela atenção.
(Artigo publicado na edição de 15 de dezembro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

PORQUE HOJE É FERIADO



Depois de um interregno, em que os feriados eram considerados como um forte contributo para a grave crise económica que nos tinha atingido, hoje 1.º de Dezembro é feriado!

O entendimento dos detentores do poder e do capital, ou melhor do capital e do poder, de que vivemos numa pura sociedade de produção e de que o objetivo último da nossa existência é trabalhar muito e barato, decidiu fazer dos feriados um alibi para nos culpabilizar pelos seus desvarios e incompetência.

Retomar este feriado, que nos permite o ripanço matinal e o sorver calmo do café, para além do simbolismo próprio do dia, é também sinónimo da vitória de uma ideia essencial: a de que há alternativas políticas e que não chegamos ao fim da história portuguesa. Comemorando o Dia da Independência em termos de nacionalidade estamos também, porque hoje é feriado, a celebrar novas políticas e novos caminhos coletivos.

A diabolização dos feriados, feita por muitos dos que mais feriados gozam, não pode, também, deixar de ser entendida como o desprezo pela felicidade que o ócio dá em contraponto com o negócio de uns tantos que entendem que a generalidade dos cidadãos não passam de animal laborans ao seu serviço.

O facto de nos terem reduzido os feriados também significou, contrariamente ao que nos tentaram fazer crer, um retrocesso civilizacional, porque implicou a ideia da subordinação de uma vida feliz a uma desenfreada luta pela sobrevivência. 

Não sei, não tenho nada com isso, como é que os meus concidadãos vão passar o feriado. Se vão aos shoppings às compras, se vão passear ou correr, ou simplesmente gozar a leitura do Diário de Coimbra e, numa amena cavaqueira com os amigos, desancar nas minhas opiniões. Nada disso importa. O essencial é que possam gozar a liberdade e o prazer de um dia descomprometido. 

Ora como tantos sabiamente ensinaram precisamos de descansar, refletir, contemplar. Claro que não se pede que, como Paul Cézanne, consigamos ver a fragrância das coisas através da contemplação e de uma atenção profunda, mas, pelo menos, que se perceba que vivemos um tempo diferente que é também mais exigente.

É sobretudo um tempo de maior empenhamento e de maior exigência cívica para que não venhamos, daqui a algum tempo, a perder outra vez o feriado do 1.º de Dezembro.

(Artigo publicado na edição de 1 de dezembro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

GOD BLESS COIMBRA

Mais uma vez a realidade ultrapassou a ficção e Trump foi eleito.

Consumada a eleição de Trump – um não político como tantos desejam ver no poder – não parece que reste muito mais do que suspirar um sofrido: “God Bless America” e esperar para ver como um não ideólogo, segundo dizem, vai olhar o mundo e tratar da nossa salvação.

O que parece evidente é que o “trumpismo” não é o divertimento do velhinho “Balbúrdia no Oeste”, de Mel Brooks, mas sim algo muito sério com que vai ser muito difícil lidar, até porque emana de uma américa que apoiou a boçalidade e uma estética de ignorância e de vacuidade arrepiantes, desprezando o seu melhor e a sua intelligentsia.

Para mais a desconfiguração, em curso, da Europa e a evidente incapacidade política dos seus líderes para encontrar as respostas adequadas aos problemas existentes e emergentes, e em que a grande potência militar passa a ser a França com o seu porta-aviões, faz-nos sentir um arrepio na espinha.

Contudo, muitos perguntar-se-ão mas por quê estarmo-nos a preocupar com Trump? Ele nunca virá à Queima das Fitas, nem ver a Biblioteca Joanina, nem tão pouco se interessará por saber onde fica Coimbra. 

Pois é. Tenho de confessar que a preocupação “trumpista”, é uma desnecessidade, quando uma das grandes questões que empolga o país e que importa clarificar é se houve cuspidela ou fumo de cigarro, no embate entre dois presidentes de clubes de futebol? 

Por outro lado, cá na terra o que se discute é, sobretudo, a realização no presente de algumas intervenções no espaço público e a construção de infraestruturas elementares, sem que se conheçam ideias de futuro.

Portanto, o mais acertado será esquecer o pedido de bênçãos para a América, mesmo percebendo que dali se anuncia a solta de uma legião de demónios que, quer queiramos quer não, nos irão infernizar a vida por muitos anos.

Mas como somos gente de fé, que se acolhe num cantinho ensolarado abençoado por Deus e bonito por natureza, não devemos passar sem fazer um pedido, ainda que mais modesto e sobretudo egoísta. Proponho que nos fiquemos por um: “God Bless Coimbra”.

(Artigo publicado na edição de 17 de novembro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

EXPECTATIVAS AUTÁRQUICAS



Depois das eleições americanas, da aprovação do orçamento e enviados os votos de Boas Festas, entra-se, em força, nas eleições autárquicas do próximo ano. Vão ser nove meses de intensa atividade política para dar à luz um novo executivo e uma nova assembleia municipal, bem como novas assembleias de freguesia.

Vão ser meses de semear e de colher num terreno fértil de armadilhas e em que, antes do combate final entre os diversos protagonistas, haverá surpreendentes peripécias e “sangrentas escaramuças familiares”, cuja estratégia já está em desenvolvimento.

No que toca à batalha principal, a conquista da Câmara, podemos anotar, como ponto de partida, que há uma certeza: o candidato do PS será o Dr. Manuel Machado. Por aqui o jogo de intrigas e de golpes e contragolpes terá a ver com os restantes lugares da lista e com a tentativa de surpreender para combater o desinteresse inerente ao conhecimento que os eleitores têm do candidato.

O PSD, por seu lado, ambiciona um candidato surpresa, capaz de fazer esquecer o desaire da sua anterior gestão e da frágil oposição que realizou e pergunta-se sobre o mérito de uma aliança com um inexistente CDS. Tudo isto a ser jogado, obviamente, em Lisboa porque por aqui não parece que haja grande capacidade de entendimento.

O CDS angustia-se com a hipótese de não vir a ser requestado pelo PSD e ficar ainda mais perdido do que tem andado. Vai aguardar enquanto puder, na esperança de não ficar solteiro e indefeso, apresentando como dote os seus trunfos desportivos.

O PCP apresentar-se-á como CDU, como é dos livros, e apesar dos miados de certos gatos urbanos, tudo indica que apresentará o seu candidato, um contido protagonista, com a convicção de que o trabalho no terreno junto do seu fiel eleitorado voltará a dar-lhe um lugar no executivo.

Interessante vai ser ver como é que o BE vai olhar os Cidadãos por Coimbra (CpC) e se estes estão disponíveis para um aggiornamento formal. É que há, por aqui, muita política pura, muito ego e sede de protagonismo qb. Acresce, ainda, a dúvida sobre o resultado da avaliação que os eleitores do CpC fazem do seu exercício no atual mandato.

Já só faltam nove meses e será um exercício interessante que cada um dos leitores agarre no seu bloco e comece a tomar nota das ocorrências, tendo presente as mais primárias ou sofisticadas operações de informação e contrainformação, e as múltiplas sondagens, reais e fictícias, que aí vêm.  

Lá para o fim virão os programas eleitorais, devidamente embalados e enfeitados.   

(Artigo publicado na edição de 3 de Novembro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

PELO SUCESSO TOTAL DA CONFERÊNCIA DA M8 ALLIANCE


Quem conhecia o projeto “Coimbra Cidade da Saúde” e assistiu ao seu assassinato deve ter experimentado sentimentos contraditórios quando foi anunciado que Coimbra vai organizar em 2018 a Conferência Itinerante da Cimeira Mundial de Saúde da M8 Alliance.

Por um lado sentiram a alegria de verem que, independentemente de tudo o que aconteceu, Coimbra aguenta-se como um baluarte do país na área da saúde, por outro a tristeza de acreditarem que hoje a situação poderia ser bastante melhor, não só no que toca às condições de investigação e ensino, mas também em muitos outros aspetos, consideradas num conceito então em voga de cluster e que hoje o jargão tecnocrático apelida de ecossistema.

Fazer de Coimbra Cidade da Saúde era não só exponenciar as competências científicas e tecnológicas já existentes mas conseguir complementá-las no campo económico e numa estruturação urbana que promovia e garantia uma superior qualidade de vida.

O problema é que um projeto desta natureza e dimensão implicava uma concertação estratégica e uma prática séria de atuação multi-institucional que, num país de capelas e capelinhas e numa cidade de tantas igrejas, era difícil conseguir e, por isso, a solução mais fácil, até se pode dizer natural, foi matar a coisa.

O fado de Coimbra cumpriu-se. Este, como vários outros projetos estruturantes, finou-se no silêncio coletivo, com a naturalidade inerente a uma cidade que se procura e que vai vivendo aos repelões, pelo menos na ótica do cidadão comum, que desconfia de que haverá algures um cemitério de Planos Estratégicos de cuja elaboração ouviu falar e que não terão sido baratos, mas de que não conhece qualquer proveito.

Mas adiante. Sabendo-se do mérito com que por aqui se desperdiça a inteligência, a competência e a criatividade de tantos cidadãos também se reconhece que Coimbra sabe responder com galhardia aos desafios que lhe são colocados, particularmente quando surgem do exterior e, por isso, vai receber bem a Conferência da M8 Alliance.

Aliás, nos aspetos organizacionais e na componente científica o sucesso é garantido, o que seria excecional, particularmente para os cidadãos de Coimbra e para todos aqueles que trabalham e procuram os serviços de saúde no Polo III era que este momento fosse aproveitado para uma intervenção de requalificação daquela área da cidade, nomeadamente do que toca aos problemas de mobilidade e estacionamento que ali se verificam.

Então sim, a Conferência da M8 Alliance, em 2018, seria um sucesso total e ficaria para a história da cidade de Coimbra.

(Artigo publicado na edição de 20 de outubro, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

COIMBRA E A ECONOMIA DIGITAL



Coimbra viveu um doloroso processo de transformação do seu tecido económico com o desaparecimento, quase em simultâneo, de um conjunto de icónicas empresas tradicionais, que faziam o contraponto a uma omnipresente Universidade.  

Por outro lado, foi-se acentuando a contradição de ter uma significativa classe média e média alta, com capacidade aquisitiva e de não ter a uma oferta comercial adequada e satisfatória.

Às voltas com a recomposição do seu tecido económico, continua a sofrer com a incapacidade de uma mais rápida e consistente renovação do seu espectro comercial no que toca ao comércio tradicional e a tudo o que ele implica no campo do urbanismo comercial, de que a Baixa é paradigmática.

Há, contudo, uma nova realidade, ainda que não tão expressiva quanto as potencialidades de uma cidade universitária tão singular como esta, no que se refere à realidade económica de Coimbra que é pouco percecionada.

É verdade que, por exemplo, um relatório recente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações indica que numa distribuição das startups a nível nacional, Coimbra fica-se pelos 5% bem como Aveiro e Setúbal, Braga assume 9%, Porto 22% e Lisboa 41%. 

Ora isto é muito pouco e, obviamente, que há condições para que o empreendedorismo tecnológico assuma aqui uma dimensão mais relevante, ainda que a nível de empresas consolidadas penso que a percentagem será maior.

É sabido que para crescer na economia digital necessitamos de condições que passam pela existência de talento, pessoas preparadas e incentivos, e é aqui que a UniverCidade tem uma palavra determinante.

O Instituo Pedro Nunes é hoje o ponto de encontro entre a Cidade e a Universidade e o expoente dessa vontade de criar condições para um empreendedorismo de sucesso numa economia digital global, que não tem fusos horários nem limites de criatividade. Contudo, não podemos descurar algumas dimensões do quotidiano que permitam a fixação destas empresas de uma forma sustentada. Precisamos fazer de Coimbra uma cidade com uma superior qualidade de vida.

Talvez, por tudo isto, não fosse despiciendo que o governo da cidade fosse junto de cada uma das empresas e as ouvisse sobre os pontos fortes e os pontos fracos do Município e desenhasse uma intervenção de consolidação e desenvolvimento desta nova realidade do seu tecido económico.  

(Artigo publicado na edição de 6 de outubro, do Diário de Coimbra)