quinta-feira, 28 de julho de 2016

NÃO CHATEIEM. GOSTO.



Por mera curiosidade, enquanto aguardava notícias das sanções que os nossos amigos europeus têm vindo, com muito panache, a cozinhar, resolvi investigar (?) quantos festivais de verão há por esse país. Mas, por impreparação, moleza estival e porque são tantos, sob tão diversos formatos e apelativos slogans, achei um cansaço desnecessário avançar no estudo da coisa e desisti.

Aliás, uma atitude de ignorância é uma atitude inteligente porque basta ver, por exemplo, quanto Sócrates, o filósofo, se mostrava inteligente ao afirmar que só sabia que nada sabia, assim como Descartes que punha tudo em dúvida. Claro que podemos ir pelo caminho da mistificação e arranjar umas flores inteligentes para por na nossa jarra, assim como espetarmos um pin, com a bandeira nacional, na lapela para nos mostrarmos patriotas, mas … peço desculpa distraí-me e perdi-me. 

Claro que a dimensão e qualidade da oferta festivaleira, as praias paradísicas, a quentura do sol e da água, a beleza do pôr-do-sol e aquele drink de fim de tarde não deixam grandes energias para outras folastrias e muito menos para preocupações, para mais quando vivemos uma democracia de espectadores e consumidores, e, por isso, não nos preocupemos com essa coisa das sanções e das ameaças dos burocratas europeus.

Claro que uma Europa destroçada preocupa. Nas férias preocupa apenas um bocadinho, depois na rentrée teremos tempo para vermos melhor como vão as coisas e manifestarmos a nossa ira, se for o caso. Para já - boa praia.

Há quem ainda argumente que nesta sociedade digital temos os instrumentos necessários para fazermos ouvir a nossa voz e demonstrarmos que somos uma comunidade consciente e participativa, capaz de iniciativas que demonstrem aos tais burocratas e aos seus príncipes que não estamos dispostos a um tratamento de menoridade e que somos cidadãos europeus de corpo inteiro, mas eis que chega um novo e transcendente objetivo: caçar Pokémon.

Como é que há tempo e disposição para pensar em sanções e orçamentos se temos festivais e pokémon (não sei se isto tem plural) por todo o lado!? Isso é bom para o Costa! O que interessa é não ter problemas com o smartphone porque é aí que se tem o mundo e, mais, a própria realidade aumentada.

Estava a terminar este escrito quando foi notícia da não aplicação de sanções. Boa notícia. Lá se pode continuar a caçada os tais bichos virtuais, que não constam do ”Livro dos Seres Imaginários” de Jorge Luís Borges, sem problemas de consciência.

E, como são férias, não chateiem e utilizem, sem rebuço, aquele ámen digital: Gosto.  

(Artigo publicado na edição de 28 de julho, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 14 de julho de 2016

DEPOIS DA UNIÃO A ZARAGATA



No mesmo momento em que celebrávamos a conquista do Campeonato da Europa de Futebol, sendo consensual que um dos motivos que mais contribuiu para essa conquista foi a união e o espírito de equipa, fomos brindados com uma zaragata. 

Perante a decisão do ECOFIN de avançar com um processo de sanções por deficit excessivo em 2015, assistimos à emergência de um rápida barganha política com os partidos responsáveis pela gestão orçamental em 2015, a acusarem o atual governo de não ter sabido defender o país, nomeadamente o “legado que recebeu”. Supina afirmação!

É histórica a nossa capacidade de divisão interna, faz parte de uma idiossincrasia doentia que há muito cultivamos com esmero, assim como a ideia que os nossos políticos subordinam muitas vezes o interesse coletivo ao interesse partidário e pessoal Este é um momento exemplar que prova como essas asserções são verdadeiras. 

Com um argumentário que roça a indigência é difícil perceber como é que políticos acabados de sair do poder e em que está em causa o resultado da sua ação se atrevem, com uma velocidade estonteante e uma absoluta desfaçatez, ofender a nossa inteligência, culpando outros por aquilo que fizeram, ou não fizeram.

Percebe-se que há uma rede a nível das superestruturas europeias que trabalha contra o atual governo e que a nível interno os partidos da direita, por ressentimento, interesse partidário e sintonia com esses “donos” da Europa, se assumem como suas correias de transmissão, praticando sem pudor a cizânia e fomentando a instabilidade.

Tudo isto é ainda mais desagradável porque havendo múltiplos e poderosos interesses financeiros envolvidos, em que em última instância somos nós, simples cidadãos, os impotentes peões de um jogo em que perdemos sempre, ouvimos lições de sapiência da ex-ministra das finanças - que agora é deputada mas que tem alvará de acumulação com a administração na Arrow Global, uma empresa britânica, gestora de crédito, cuja atividade merece a pena conhecer -, sem perceber bem em que condição está a intervir e que interesses está a defender.

Temos suportado estoicamente anos de disparates de política económica e financeira pelo que o mínimo que seria exigido, numa situação como esta, era que prevalecesse o bom senso e que no mínimo guardassem de Conrado o prudente silêncio, mas não, mesmo sabendo que com união ganhamos desatamo-nos a arranhar em derrotistas zaragatas.

(Artigo publicado nas edição de 14 de julho, do Diário de Coimbra)