1. A abstenção e o populismo são duas das grandes preocupações
que percorrem a Europa nas eleições que se avizinham. A abstenção é um fantasma
clássico que vem assombrando desde há muito estas eleições e que se tornou
parte da sua natureza, revelando aquilo que vem sendo dito e escrito sobre a
confusão e a dificuldade de compreensão da estrutura macropolítica da União Europeia,
da ausência de validação democrática dos seus poderes e da falta de uma
liderança suficientemente visionária e mobilizadora dos cidadãos europeus. O
populismo é explicado por Daniel Innerarity, nos seguintes termos: “O êxito dos intrusos carismáticos só se
explica por um deficit nas elites dirigentes e uma derrota dos seus discursos,
que não são inteligíveis e credíveis, isto sem esquecer que os populismos não
teriam êxito se não existissem sociedades dispostas a dar-lhes crédito.”
Neste
contexto e porque não há vazios políticos, suspeita-se que vamos ter um
Parlamento Europeu não só politicamente frágil mas suscetível de permitir
incubar o “ovo da serpente” do racismo e da xenofobia, com consequências
políticas imprevisíveis, pelo medo e pelo ódio que geram. A dificuldade de
perceber a importância e o mérito da construção europeia é uma realidade e a
feudalização destas eleições não augura nada de bom. Só que a dimensão do
problema não permite a sua irradicação com uma breve campanha eleitoral mas é
um processo complexo, moroso e exigente. Há uma pedagogia democrática a fazer,
mas há sobretudo uma construção que deve ser sustentada numa participação
cívica ativa desejada, incentivada e facilitada pelos protagonistas políticos
das instituições nacionais e europeias.
2. Por cá, temos um número recorde, por boas e más razões, de
partidos e forças políticas concorrentes a estas eleições que jogam, sobretudo,
o jogo da política nacional. Talvez no atual contexto não tenham alternativa e
dificilmente teriam qualquer atenção dos eleitores se assim não fosse, o que
acaba por determinar uma óbvia leitura política lusitana dos resultados. Contudo,
face à leitura europeia também é bom que o nosso descontentamento seja
percebido por aqueles que nos elogiam como alunos aplicados mas nos
transformaram em cobaias e desprezaram quando precisávamos de solidariedade,
até porque se chegámos onde chegámos foi por seguirmos uma estratégia defendida
e apadrinhada por Bruxelas de que, cobardemente, se tem querido descartar.
Mas
como a nobreza de um ato eleitoral não é suscetível de ser alienada que ao
menos se consiga reduzir ao máximo a abstenção, se combata o populismo e se
penalize o desastre do experimentalismo a que temos vindo a ser sujeitos, com o
apoio e a conivência, diga-se, de instituições e políticos europeus.
O
que parece irrecusável é a beleza do quarto andamento da 9.ª Sinfonia de
Beethoven - o “Hino à Alegria”. Que encontremos nele a motivação para ir votar!
(Artigo
publicado na edição de 22 de Maio de 2014, do Diário de Coimbra)