quinta-feira, 22 de maio de 2014

O QUARTO ANDAMENTO DA 9.ª SINFONIA.



1. A abstenção e o populismo são duas das grandes preocupações que percorrem a Europa nas eleições que se avizinham. A abstenção é um fantasma clássico que vem assombrando desde há muito estas eleições e que se tornou parte da sua natureza, revelando aquilo que vem sendo dito e escrito sobre a confusão e a dificuldade de compreensão da estrutura macropolítica da União Europeia, da ausência de validação democrática dos seus poderes e da falta de uma liderança suficientemente visionária e mobilizadora dos cidadãos europeus. O populismo é explicado por Daniel Innerarity, nos seguintes termos: “O êxito dos intrusos carismáticos só se explica por um deficit nas elites dirigentes e uma derrota dos seus discursos, que não são inteligíveis e credíveis, isto sem esquecer que os populismos não teriam êxito se não existissem sociedades dispostas a dar-lhes crédito.”
 
Neste contexto e porque não há vazios políticos, suspeita-se que vamos ter um Parlamento Europeu não só politicamente frágil mas suscetível de permitir incubar o “ovo da serpente” do racismo e da xenofobia, com consequências políticas imprevisíveis, pelo medo e pelo ódio que geram. A dificuldade de perceber a importância e o mérito da construção europeia é uma realidade e a feudalização destas eleições não augura nada de bom. Só que a dimensão do problema não permite a sua irradicação com uma breve campanha eleitoral mas é um processo complexo, moroso e exigente. Há uma pedagogia democrática a fazer, mas há sobretudo uma construção que deve ser sustentada numa participação cívica ativa desejada, incentivada e facilitada pelos protagonistas políticos das instituições nacionais e europeias.

2. Por cá, temos um número recorde, por boas e más razões, de partidos e forças políticas concorrentes a estas eleições que jogam, sobretudo, o jogo da política nacional. Talvez no atual contexto não tenham alternativa e dificilmente teriam qualquer atenção dos eleitores se assim não fosse, o que acaba por determinar uma óbvia leitura política lusitana dos resultados. Contudo, face à leitura europeia também é bom que o nosso descontentamento seja percebido por aqueles que nos elogiam como alunos aplicados mas nos transformaram em cobaias e desprezaram quando precisávamos de solidariedade, até porque se chegámos onde chegámos foi por seguirmos uma estratégia defendida e apadrinhada por Bruxelas de que, cobardemente, se tem querido descartar. 

Mas como a nobreza de um ato eleitoral não é suscetível de ser alienada que ao menos se consiga reduzir ao máximo a abstenção, se combata o populismo e se penalize o desastre do experimentalismo a que temos vindo a ser sujeitos, com o apoio e a conivência, diga-se, de instituições e políticos europeus. 

O que parece irrecusável é a beleza do quarto andamento da 9.ª Sinfonia de Beethoven - o “Hino à Alegria”. Que encontremos nele a motivação para ir votar!  

(Artigo publicado na edição de 22 de Maio de 2014, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

NÃO, OBRIGADO!



1. Quero, senhor primeiro-ministro, rejeitar pública e frontalmente o hipócrita agradecimento que me fez, como à generalidade dos portugueses, aquando do anúncio da pseudo saída da troika. Tudo aquilo que aconteceu nestes três últimos anos foi feito contra a minha vontade, sem o meu consentimento e sem a minha concordância. Não aceito ser cúmplice de uma verdadeira revolução neoliberal, a quem a rapaziada da escola de Chicago que ainda por aí anda não hesitará a tirar o chapéu. O senhor, sem ética e de uma forma mentirosa, feriu gravemente o estado social, em cuja construção modestamente colaborei, pondo em crise a Saúde, a Educação, a Justiça, a Investigação e o Desenvolvimento. Mais, a sua política afetou gravemente a coesão nacional, criando um país mais desigual, mais pobre, matando a esperança de futuro de uma geração e semeando a angústia nos mais idosos, nos mais fracos e desprotegidos. O famoso ajustamento de que veio falando é como se vê, apenas e tão só, a desvalorização do trabalho e a criação de uma bolsa insuportável de desempregados para garantir mão-de-obra barata, destinada a enriquecer uns tantos. Por isso, não me agradeça as tropelias que me fez e as mentiras com que me foi presenteando durante estes anos da sua governação. 
 
Peço-lhe, aliás, que tenha a hombridade de parar o processo de intoxicação dos espíritos que, com os seus conselheiros e assessores para a comunicação bem como os oportunistas encartados que sempre se lambuzam na viscosidade do poder, se entretêm a fazer defendendo políticas que não são mais do que a garantia da continuação de uma emigração qualificada a um nível verdadeiramente impensável e a da manutenção do país na cauda da Europa por muitos anos. O seu agradecimento, que recuso, é uma ofensa!

2. Coimbra integra a rede de cidades inteligentes. É uma notícia cujo significado e implicações não me parece, que até ao momento, tenham sido explicadas aos cidadãos, e estamos num tempo em que é cada vez mais importante a informação e o esclarecimento público, porque só assim será possível o indispensável envolvimento de todos. A Câmara tem de saber estar adequadamente no espaço público, que hoje é diferente, tarefa que vem descurando. Aliás, há sintomas de desarticulação política e comunicacional que começam a corroer as expectativas e as esperanças de uma nova forma de encarar e realizar o governo autárquico na nossa cidade. Obviamente que uma cidade inteligente implica uma gestão inteligente, consentânea com os tempos que vivemos e os pergaminhos que herdámos e, por isso, parece-me evidente a necessidade de uma reflexão na Praça 8 de Maio tendente a evitar a crispação, a incompreensão e a desmobilização dos munícipes na realização da tarefa coletiva de vencermos o atavismo e o provincianismo que nos manietam e de tornarmos Coimbra mais cosmopolita e luminosa. 

PS: A boa notícia, destes dias, é que nenhum dos meus amigos foi recentemente condecorado pelo presidente da República. Que alívio!

(Artigo publicado na edição de 8 de maio de 2014, do Diário de Coimbra)