quinta-feira, 19 de junho de 2014

O INSULTO TERAPÊUTICO



1. Um dos meus avôs tinha uma forma peculiar de praguejar. Camponês dos sete costados, que amava a terra e a acarinhou durante toda a vida, analfabeto mas letrado de ventos e luas e adivinhador de trovoadas e suões, deixou-me memórias de sabedoria mas também imagens de um praguejar muito próprio, que não era grosseiro, nem usava o vernáculo, e de que transparecia um pensamento elaborado que uma qualquer divindade lhe teria soprado ao ouvido. Confesso que o repertório - que guardo como um tesouro - não era muito vasto mas era assertivo e toda a família quando o ouvia nessas expressões de zanga, que eram proferidas em voz baixa, sabia o que estava em causa e não abria boca.

Não lhe tendo herdado os dotes praguejadores tenho muitas vezes lamentado não saber rogar devidamente uma praga ou insultar alguém, com a elegância devida e a inteligência possível. Neste momento sinto isso mais do que nunca porque já tenho o estatuto da idade e a ausência de limitações institucionais, o que me dá uma certa liberdade insultuosa. Tentando superar as minhas limitações a este nível e sem saber praguejar de forma que se veja, resolvi comprar um “Dicionário de Insultos”, obra recente da autoria da Sérgio Luís de Carvalho (Editora Planeta) e comecei o estudo. Confesso que tenho aprendido bastante. Só que agora, para além de me faltar a classe de bem insultar, descobri tantos insultos adequados a tantas figuras, figurões e situações que estou em sérias dificuldades para escolher o mais adequado. Como é sabido é muito importante insultar bem! 

Não há dúvida que a ignorância facilita a vida e evita imensos problemas existenciais o pior é quando nos deparamos diariamente com uns arrivistas que não passam de uns cabotinos, não há forma de resistir à tentação de um insulto (vejam que logo aqui consegui utilizar dois insultos e estou convencido que se foram verificar o significado concordarão comigo).
2. Peço ao Sr. Diretor do Diário de Coimbra que me desculpe pela temática escolhida, mas trata-se, na minha modesta opinião, de uma proposta terapêutica, feita de forma gratuita, aos leitores É que troika prá frente, troika pra trás. Sai troika, fica troika. Aumenta impostos, reduz regalias. Banqueiros a branquear-se e banqueiros a promover fraudes contabilísticas. Total ausência de perspetivas de futuro. Uma governação roscofe. Jovens a emigrar deixando a ausência de posteridade, etc., etc., etc., tudo regado com reações vagais, presidenciais e partidárias, e depois ainda apanhar 4 da Alemanha com umas dezenas de comentadores capazes de ganhar uns 10 campeonatos do mundo num único jogo, só se pode mesmo resistir com uns bons insultos, para lavar um pouco a alma e ajudar a sobreviver à inconstância meteorológica. 

O humorista brasileiro Juca Chaves dizia, num belo insulto, que: “Se o reino dos céus é dos pobres de espírito, então, meu Deus, estamos no paraíso.”

(Artigo publicado na edição de 19 de junho de 2014, do Diário de Coimbra)

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