segunda-feira, 4 de novembro de 2019

MEMÓRIA E DESPERDÍCIO


Por estes dias vivem-se memórias. Lembram-se familiares, amigos, conhecidos ou simplesmente rostos com que nos cruzámos e que já não estão entre nós.

Entre as celebrações religiosas e os apelos comerciais do halloween anglófono, somos convocados a momentos de recolhimento em que recordamos os seres humanos que partilharam as nossas circunstâncias e foram decisivos na consolidação daquilo que somos.

Colectivamente temos o hábito de lembrar e elogiar as qualidades e os méritos daqueles que vão partindo esquecendo as coisas menos positivas, que tantas vezes nos incomodaram ou actos que protagonizaram e que reprovámos.

Não penso que isto aconteça por hipocrisia ou mero ritual social mas, na verdade, a consciência de que perdemos um ser humano que em vida nos acompanhou, que fez parte do nosso tempo e porque sentimos de modo especial que a nossa vida tem um fim.

Talvez nestes dias possamos também reflectir se soubemos considerar e aproveitar plenamente, até ao fim das suas vidas, as capacidades, qualidades e méritos de todos os que recordamos e que nos aprestámos a elogiar quando já não é possível fazer nada.

Estabelecemos burocraticamente um tempo de vida útil, equiparámo-nos a uma máquina, a um qualquer equipamento, a um electrodoméstico, etc.; esquecendo as características humanas pessoais, os conhecimentos, a experiência acumulada, a sabedoria e a vontade e disponibilidade cidadã, desperdiçando, por isso, a partir de certo momento da vida de cada um de um somatório de saberes que poderia contribuir muito positivamente para o bem comum.

Coimbra é sem dúvida paradigmática neste aspecto. Sem medo de errar, penso que será a cidade do país que, em percentagem per capita, terá maior número de cidadãos com formação superior reformados, aposentados e jubilados, relativamente à sua população, graças à sua dimensão demográfica e fruto da composição do seu tecido económico, em que o ensino superior e os serviços altamente especializados assumem especial relevância.

Ora, acontece que, anualmente, entram aqui na situação legal de reformados dezenas de cidadãos que ficam proibidos de ser activos úteis. É verdade que muitos procuram um envelhecimento activo e continuam a fazer coisas úteis para a comunidade, mas não há dúvida que a cada ano que passa se desperdiça um imenso e precioso capital humano de experiência e de saber.

O problema não é apenas de Coimbra, é geral. Mas não poderíamos, a nosso nível, tentar encontrar soluções institucionais criativas de aproveitamento da disponibilidade de tantos desses cidadãos para colaborar na permanente construção da nossa cidade?












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