quinta-feira, 19 de maio de 2016

O DIABO ESTÁ NAS PEQUENAS COISAS



O turismo e as sus implicações são matéria sobejamente conhecida pelo que não há desculpas para a ausência de uma estratégia de cidade que permita não apenas a sua plena rentabilização mas também evitar os seus efeitos nefastos.

Bastará olhar para algumas cidades europeias com características idênticas à da nossa Coimbra para ver os efeitos positivos mas também devastadores, que uma atividade turística voluntarista e anárquica provocou no seu tecido urbano e na perda de valores identitários.

A classificação pela UNESCO, em 2013, de alguns espaços de Coimbra como Património da Humanidade teve um extraordinário efeito indutor na vinda de turistas, o que não terá merecido a devida consideração. É notória a ausência de uma estratégia global e se a há ela não é minimamente conhecida da generalidade dos cidadãos e de muitos dos atores económicos, que direta ou indiretamente se relacionam com esta atividade.

Aliás, a procura turística não parece que tenha a ver com Coimbra mas sim com o edificado no Polo I da Universidade e também com a singularidade do Portugal dos Pequenitos, restando um corredor de passagem ladeado por algumas lojas de “souvenirs”.

A cidade manteve-se igual a si própria, como se diz no futebol, fazendo gala de continuar a enxamear os seus espaço públicos com carros estacionados anarquicamente – a Praça do Comércio tem sido o exemplo mais gritante -, sacos de lixo estrategicamente espalhados pelo chão aos fins-de-semana, uma oferta gastronómica virada para o consumo interno (aos fins de semana é diminuta) e um comércio tradicional desmotivado e desorientado.

O que é sobretudo mais gritante é não só o desperdiçar das potencialidades da cidade no seu todo mas uma ausência da compreensão coletiva do que está em causa e, consequentemente, de que os turistas que nos procuram e que podem trazer muitos outros esperam, para além de uma magnífica Biblioteca Joanina, encontrar uma cidade capaz de honrar essa preciosidade através da qualidade das suas infraestruturas e de uma performance cívica que rejeita a degradação do espaço público, oferece beleza e conforto em cada recanto.

Perversamente para muitos Coimbra tem mais encanto na hora da despedida, isto é quando se livram dela, e não na hora da chegada em que não vislumbram o encantamento que tem condições para oferecer, assim queiram os que nela habitam e trabalham.

Não há dúvida de que o diabo está mesmo nas pequenas coisas.

(Artigo publicado na edição de 19 de maio, do Diário de Coimbra)

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