quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O POVO

Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão. 

Estes homens são o Povo. 

Estes homens sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.

Estes homens são o Povo, e são os que nos alimentam. 

Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos. 

Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem. 

Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias. 

Estes homens são o Povo, e são quem nos enriquece. 

Estes homens nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater o morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento. 

Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem. 

Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados. 

Estes homens, são o Povo os que nos servem. 

E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens, que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem? Primeiro, despreza-os ao não pensar neles, não vela por eles; trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte; cerca-os de obstáculos e de dificuldades, forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá protecção; e, terrível coisa, não os instrui; deixa-lhes morrer a alma. 

É por isso que os que tem coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo. 

E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema. 

Eça de Queiroz

Está na entrada do seu escritório.
Resolvi colocá-lo no início deste blogue.

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