segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O PODER DA ESTUPIDEZ

Não é difícil compreender como o poder político, económico ou burocrático aumenta o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas temos ainda de explicar e perceber o que torna essencialmente perigosa uma pessoa estúpida, ou seja, em que consiste o poder da estupidez.


Os estúpidos são perigosos e funestos principalmente porque as pessoas razoáveis acham difícil imaginar e entender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode perceber a lógica de um bandido. As acções do bandido seguem um modelo de racionalidade. Racionalidade perversa, se se quiser, mas sempre racionalidade. O bandido quer algo "mais" na sua conta. dado que não é suficientmente inteligente para cogitar m,todos com os quais obter algo "mais" para si, proporcionando ao mesmo tempo algo "mais" também aos outros, ele obterá o seu algo "mais" causando algo "menos" ao seu próximo.  Tudo isto não é justo, mas é racional e, se somos racionais, podemos prevê-lo. Em suma, podemos prever as acções de um bandido, as suas manobras e as suas deploráveis aspirações e, muitas vezes, é possível preparar as defesas apropriadas.


Com uma pessoa estúpida tudo isto é absolutamente impossível. Como está implícito na Terceira Lei Fundamental, uma criatura estúpida persegui-lo-á sem razão, sem um plano preciso, nos tempos e nos lugares mais improváveis e mais impensáveis. Não há qualquer maneira racional de prever se, quando, como e porquê uma criatura estúpida vai desferir o seu ataque. Perante um indivíduo estúpido está-se completamente vulnerável.


Dado que as atitudes de uma pessoa estúpida não são conformes às regras da racionalidade, disso resulta que:
  1. gralmente somos apanhados de surpresa pelo ataque;
  2. quando temos consciência do ataque não conseguimos organizar uma defesa racional, porque o ataque em si não tem qualquer estrutura racional.
O facto de a actividade e os movimentos de uma criatura estúpida serem absolutamente erráticos e irracionais não só torna a defesa problemática, como ainda dificulta em extremo qualquer contra-ataque - é como tentar disparar contra um objecto capaz dos mais improváveis e inimagináveis movimentos. Isto é o que Dickens e Schiller tinham em mente quando um deles afirmou que "com estupidez e boa digestão o homem pode enfrentar muitas coisas", e o outro que "contra a estupidez os próprios deuses combatem em vão".


Devemos ter ainda em conta uma outra circunstância. A pessoa inteligente sabe que é inteligente. O bandido tem consciência de ser bandido. O crédulo está penosamente ciente da sua credulidade. O estúpido, ao contrário de todos estes personagens, não sabe que é estúpido. Isso contribui decisivamente para dar maior força, incidência e eficácia à sua acção devastadora. O estúpido não é inibido por aquele sentimento a que os Anglo-Saxónicos chamam self-consciousness. Com um sorriso nos lábios, como se fizesse a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá inopinadamente para lhe dar cabo dos planos, destruir a sua paz, complicar-lhe a vida e o trabalho, fazer-lhe perder dinheiro, tempo, bom humor, apetite e produtividade - e tudo isto sem malícia, sem remorsos e sem razão. Estupidamente.


in, Allegro ma non troppo
Carlo M. Cipolla

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