quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O ESPREITA E O ESCONDE

1. O nosso Presidente diz-nos, com inefável prazer, que a videovigilância na Baixa vai entrar no ar dentro de momentos.

Lá vou ter de pôr gravata, endireitar as costas, colocar um sorriso e caminhar com passo firme. Não quero ficar mal nas gravações. Não sei se me cruzarei com algum malfeitor ou se algum se colocará a meu lado para me comprometer. Vou ter de redobrar de atenção.

Depois terei de ter cuidado e não ter algum olhar menos próprio à passagem de uma qualquer bela e charmosa mulher que, bem enroupada para o inverno ou bem desportiva para a Primavera, enfeite a rua e chame a atenção.

Vamos todos de ter cuidado com as montras que olhamos, como os desvios “acidentais” para não encontrar quem não queremos ou não nos apetece falar e teremos, por ventura, de moderar os nossos cumprimentos a correligionários ou adversários políticos para obviar a suspeitas conspirativas.

Depois vamos de ter de evitar fazer “piscinas” ali pelo “canal” porque pode surgir a dúvida se andávamos a queimar calorias ou a congeminar qualquer “ataque” político ao nosso Prefeito.

Confesso que vou fazer o meu melhor para não ficar mal na fotografia, apesar de saber que não sou fotogénico e que não corro o risco de vir a ser recrutado por nenhuma empresa de casting. Mas, caramba, também não quero ficar muito mal na apreciação do senhor agente que na régie segue atentamente os meus passos e faz as gravações, como vimos naqueles séries americanas.

Antigamente a cidade era o espaço de liberdade por excelência. Na aldeia todos sabem da vida de todos, aqui, na cidade, podia-se ser um entre tantos, livremente.

Mas em Coimbra agora vai deixar de ser assim. Coimbra tornou-se uma grande metrópole onde há assaltos permanentes, vandalismo sem controle, destruição sem fim, particularmente na Baixa, e por isso vamos ter videovigilância. Vamos ter o “espreita”.

Nunca mais vamos ver um polícia na Baixa, o big brother, prenda de Natal do Dr. Carlos Encarnação, se encarregará de resolver os problemas. Se não resolver nada ele virá explicar que há um problema de lentas, da câmara ou dos óculos do agente que não permitiu salvar a Baixa do crime, do vandalismo e da destruição.

Vamos, portanto, ser presenteados com o “espreita”, tenha lá custado o que custou a sua instalação ou custe o que custar a sua manutenção, dinheiro para políticas de urbanismo comercial e de revitalização da Baixa isso não há.

2. O nosso Presidente diz-nos, com inefável prazer, que os jornalistas vão deixar de poder assistir às reuniões da Câmara.

Lá vamos de ter de ficar a aguardar as conferências de imprensa para conhecer a bondade das decisões, o aprumo dos edis e o método e profundidade das decisões.
Convenhamos que é tudo muito mais profissional e sofisticado. A notícia passou a ser filtrada e deixa de haver motivos para dúvidas ou descrições de controvérsia, tudo se vai passar como num aprumado conselho de administração de uma empresa que gere dinheiros privados e se preocupa com o lucro.

Claro que se percebe o inegável mérito desta decisão, depois de tantos anos de Joãos Bravos e companhia que faziam um retrato independente das reuniões da Câmara e explicavam aos munícipes quem dizia o quê e quem votava o quê, chegou o momento de dizer basta.

Mas por que é que os munícipes precisam de saber coisas ouvidas pelos jornalistas, não bastará a palavra do Presidente!?

Temos, assim, mais uma prenda de Natal. Não sejamos mal agradecidos. Agora vamos ficar com o “esconde”. É a prática dos pesos e contra-pesos tão referida. Câmaras na rua para filmar os cidadãos, trancas na porta para esconder os autarcas.

Tudo bem feito. Temos tudo para um Natal Feliz em Coimbra. Não se esqueça de olhar para as câmaras e de desviar os olhos da Câmara.


Nota: Artigo publicado no Diário de Coimbra, em 30 de Novembro de 2009

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