Um
dos episódio de infância, que me vem ciclicamente à memória, tem
a ver com uma disputa comercial entre as duas pexineiras – para os
camponeses da região os habitantes da Nazaré eram conhecidos por
pexins (os homens) e pexineiras (as mulheres) – que vinham vender o
peixe à minha aldeia, a uma dezena de quilómetros da Nazaré.
Já
lá vão mais de seis décadas. Os tempos eram duros, muito difíceis
para aquelas comunidades, e na Nazaré, onde não havia porto de mar,
os naufrágios eram frequentes porque os pescadores na luta pela
sobrevivência se lançavam ao mar para apanhar algum peixe que
permitisse a subsistência da família, mesmo tendo consciência dos
riscos que bem conheciam.
Para
além as “sete” saias, o que distinguia as mulheres – as
pexineiras – era sobretudo a tristeza dos rostos, o sulco das
lágrimas e o preto do luto pelos pais, maridos e filhos que o mar
lhes roubava.
Sempre
que o mar mais bonançoso permitia uma faina mais serena e enchia as
redes as pexineiras partiam para as feiras das vilas vizinhas e para
as aldeias da região com as suas canastras à cabeça, para vender o
peixe.
À
minha aldeia chegavam de manhã, na camioneta da carreira, as
canastras vinham no tejadilho da camioneta que depois o cobrador
descarregava, com uma extraordinária agilidade, para o muro
fronteiro à Capela da Senhora do Amparo e dali partiam, a Arlinda e
a Vitalina, para a venda.
Não
eram bem concorrentes, tinham praticamente clientes certos a quem
tratavam como familiares, e muitas vezes nem havia dinheiro no
negócio, era uma troca por produtos do campo que iam enchendo a
canastra enquanto o peixe ia sendo esvaziado. Aliás, nos duros meses
de inverno, quando o mar não admitia incursões, elas levavam os
carapaus secos para troca ou um apelo de mãos vazias, a uma garrafa
de azeite – era o tempo da safra – ou a uma pequena tora de
toucinho – era o tempo das matanças do porco.
Claro
que nestes pequenos mundos nem tudo era “paz e amor”. Havia os
normais conflitos e disputas das pequenas comunidades e as pexineiras
apesar de uma clientela relativamente bem sistematizada não se
coibiam de algumas habilidades que dessem algum ganho para a dura
causa da subsistência da família.
Assim
eram habituais as discussões, que surgiam entre as duas, enquanto
aguardavam a camioneta de regresso a casa. Ora para os miúdos da
aldeia estes eram momentos extraordinários sobretudo pelas
coreografias que pontuavam a discussão, de que diga-se era difícil
perceber alguma coisa, fosse pelo conteúdo, fosse pelo forte
sotaque. O encanto estava no extraordinário espetáculo de as ver
desgrenhar-se, puxarem os cabelo e levantarem as saias enquanto
vociferavam uma frente a outra, num espalhafatoso combate gritado.
Depois
a carreira chegava, lá entravam as duas e a Senhora do Amparo
sossegava no seu altar e nós divertidos íamos às nossas
brincadeiras à espera da próxima sessão, que decerto aconteceria
na semana seguinte.
Destas
cenas, de que guardo a memória de infância, lembro-me muitas vezes
nos tempos das campanhas eleitorais.
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