quinta-feira, 16 de abril de 2020

LIVRAI-NOS, SENHOR, DOS GÉNIOS GENIAIS


Diz-se que num barco que se afunda não há ateus, mas apesar de não ser este o caso peço que me autorizem uma prece. Talvez seja uma prece desajeitada e não consiga que qualquer divindade me oiça, mas aqui fica o registo.

Sem qualquer certeza de que o Covid-19 se retire nos tempos mais próximos, tenho, no entanto, a certeza de que a todo o momento vai irromper por tudo quanto é sitio um cacharolete de génios a dar conta dos erros e das insuficiências dos decisores técnicos e políticos, quanto à forma como nos conduziram no enfrentamento da pandemia.

Muitas das criticas serão justas, outras não passarão de sofismas e muitas terão motivações que não consigo nem quero descortinar. Mas, seja como for, o que acontece é que estamos a sair exaustos de um tempo inesperado e ingrato que nos tirou o fôlego e o sorriso e, por isso, precisamos de respirar.

Precisamos de voltarmos a ser humanos, nem anjos nem demónios, simplesmente seres humanos com belos defeitos e tristes virtudes, que precisam de voltar a viver com sonhos, esperanças, tristezas e alegrias, e, por isso, o pedido é de que nos deixem em paz e não nos infernizem as estações do ano que ainda nos restam.

Sabemos que há sempre quem saiba tudo, à posterior claro, e que adora passar-nos um atestado de ignorância por coisas que devíamos ter feito porque fazem parte das profecias de Nostradamus, que tem vacinas contra todas as incompetências dos competentes e que sabe o tipo e número de rolos de papel higiénico necessários para aguentar uma pandemia.

É óbvio que temos de saber tirar lições, e não são poucas, desta experiência excecional que estamos a viver. Lições individuais e coletivas. Mas precisamos de um tempo de reflexão porque a passagem de uma “vida caótica engendrada pelo tecno-capitalismo”, como José Gil a caracterizou, a uma nova normalidade não é tarefa fácil.

Temos de reconstruir um modelo de relação de humanidade; lançar um novo e diferente olhar para o que nos rodeia; distinguir o essencial do acessório; estabelecer uma nova hierarquia de valorização da atividade profissional humana; e garantir, de imediato, que não há hesitações em fortalecer o nosso Serviço Nacional de Saúde.

Temos, também, de saber valorizar o que de bom temos vindo a fazer e de resistirmos à velha tentação lusitana de contestar os nosso méritos e de valorizar os alheios como se tivéssemos condenados a ser os patinhos feios da humanidade.

Mais ainda, temos de combater a tentação de institucionalizar qualquer pensamento único, assumindo cada um de nós com clareza o seu pensamento e a sua agenda.

Por tudo isto é fundamental, que neste mundo ilógico e perante as nossas inseguranças, evitar os génios geniais que vão aparecer em fila para nos esmagarem com as suas verdades e certezas, e, por isso peço, com humildade: Livrai-nos deles, Senhor!



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