O
comboio é um ícone da revolução industrial e o processo do metro ligeiro de
superfície no antigo ramal da Lousã, em Coimbra, a imagem das contradições e da
impotência de uma cidade.
Sendo
a linha da Lousã uma barreira na relação da cidade com o Mondego houve um dia a
ideia de a derrubar adotando uma solução urbana contemporânea, amiga da cidade
e dos utentes daquele ramal ferroviário.
O
que estava em causa era substituir uma decadente, mesmo ridícula, solução de
transporte, constituída por velhas “pandeiretas” adquiridas no ferro velho
espanhol, por uma nova forma de transporte ferroviário que aproveitaria o
traçado existente, garantindo e melhorando a mobilidade de há muito consolidada
numa periferia de Coimbra, incorporando-a, simultaneamente, no tecido urbano e
tornando-a fator de requalificação urbana.
Não
era a morte do ramal da Lousã era sim a sua ressurreição e a afirmação de que
esta era uma solução de futuro, justificada pela satisfação das populações no
seu serviço e ainda criadora de expectativas de valorização territorial num
espaço significativo, ansioso por modernidade e melhoria de qualidade de vida.
Para
mais era o tempo em que o investimento público era uma incontestada opção
política e o custo da operação não era significativo relativamente aquilo que
acontecia na área metropolitana de Lisboa e no Porto. Por essa altura os
cidadãos do Porto diziam que finalmente, apesar de um atraso de 40 anos
relativamente a Lisboa, tinham o seu metropolitano.
Mas,
como Coimbra é uma cidade ingénua, não desconfiou do modelo societário adotado,
em 1996, pelo poder central para a sociedade Metro Mondego, e também porque é
uma cidade que paulatinamente veio a degenerar de Lusa Atenas em discípula de
Bizâncio, tornando-se coletivamente frouxa e com políticos locais mais ansiosos
em utilizarem o comboio para a capital do que as desengonçadas carruagens da
linha da Lousã, ficou escrita à nascença a dúvida sobre a realização de um interessante
sonho de modernidade.
Aliás,
é sintomática uma ideia de “tutela centralista” ao incluir nos corpos socias o
Metropolitano de Lisboa como se este tivesse alguma vocação e interesse em
envolver-se num processo desta natureza. Foi um sinal de consideração da
menoridade politica e técnica de Coimbra para realizar este seu projeto específico.
No
meio das mais variadas peripécias, dos concursos lançados e anulados, das
alterações de gestores e de perspetivas de desenvolvimento do projeto, em que
se gastaram milhares de contos e milhões de euros, o que é visível é uma cratera
na Baixa de Coimbra e um canal de 42 quilómetros, onde se desconfia que circula
um comboio fantasma, carregado de boas intenções, de declarações solenes, de
despachos e decisões políticas mas, sobretudo, de frustrações e de
oportunismos.
Esse
comboio fantasma tem a particularidade de aumentar a sua atividade por altura
das campanhas eleitorais e por isso não será de estranhar que agora que se
aproximam as eleições autárquicas vá entrar em grande atividade.
É
sabido que o atual governo prometeu uma decisão definitiva (?) sobre o projeto
para o próximo mês de Junho, depois de mais um estudo de reavaliação, ora
independentemente da solução que venha a ser adotada e pensando que será mesmo
para levar à prática, há uma certeza: ninguém ficará satisfeito e o Metro
Mondego vai tornar-se numa importante arma de arremesso político.
É
que 21 anos de confusão, de indefinição e de prejuízo para populações de
Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã deixam marcas difíceis de apagar e há sobretudo
uma coisa muito valorizada e que não se sabe como poderá, neste caso, ser
reconquistada: confiança.
Será
que uma solução apresentada num tempo de pré-campanha eleitoral merecerá
crédito? Será possível acreditar que via haver mesmo uma solução real e que não
continuaremos a ter apenas um comboio fantasma a circular numa linha sem
carris, por entre ervas e lixo, com mais uma decisão ministerial sem
consequências?
Ficamos
à espera da decisão do ministro do planeamento e infraestruras Pedro Marques e
de que nos convença de que agora é que vai mesmo ser mas, por causa das
dúvidas, seria melhor que a palavra definitiva nos fosse dada pelo
primeiro-ministro António Costa, porque palavra dada é palavra honrada!
(Artigo
publicado no Jornal Público em 30 de maio)
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