sábado, 30 de janeiro de 2010

DIÁLOGOS NA CÂMARA - VI


O presidente estava mal disposto. Tinha vindo rua fora sem reparar em ninguém. Nem se lembrava se tinha esboçado algum cumprimento. Para mais tinha uma reunião com o vereador das obras.

- Bom dia, senhor presidente - saudou o vereador, quando entrou no gabinete, feliz por, finalmente, ir falar de obras com o presidente.

- Bom dia - respondeu o presidente e, depois de um compasso de espera, confidenciou - Sabe, meu caro, hoje não estou bem disposto.

O vereador ficou preocupado. Nunca tinha visto o presidente com aquele ar nem ouvido semelhante desabafo e, por isso, um pouco a medo, perguntou - Alguma coisa que comeu ao jantar. A chanfana é muito pesada para a noite.

- Não, não é nada disso. Estou bem, só que esta noite tive um sonho preocupante... Não sei se conhece a história do filósofo e do caracol - acrescentou o presidente e começou, sem esperar pela resposta: "Um dia um filósofo passeava, com os seus discípulos  junto a um rio, quando se apercebeu que entardecia e se aproximava uma tempestade, pelo que começou a andar rapidamente. Um dos discípulos, sem perceber o que se passava e vendo um caracol que caminhava tão calma e lentamente, dirigiu-se ao mestre e disse-lhe: Mestre, por que vamos tão depressa. Vê-de aquele caracol como caminha serenamente, ele é que parece um filósofo. Ao que o filósofo respondeu, sem parar: Aquele caracol não procura, como nós, respostas para o futuro nem protecção para o presente. Caminha apenas. Come a verdura que outros semearam e põe ovos para continuar a sua espécie. Podes fazer como o caracol ou caminhar depressa como homem de acção que também sabe reflectir. A escolha é tua."


Depois de alguns segundos de silêncio, que pareceram horas, o vereador atreveu-se a dizer - Mas, senhor presidente, parece-me um história banal e não percebo o que o perturbou tanto.

- Pois é, meu caro, a história não tem nada de especial o que me preocupa é que eu sonhei que era o caracol - respondeu o presidente.  Como vê hoje não é bom dia para tratarmos de obras - acrescentou - é melhor deixar-mos para outro dia. Eu depois mando chamá-lo. Veja se quer um café...

O vereador das obras retirou-se pensativo, a tentar interpretar o sonho.

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência

1 comentário:

  1. Gostei. O amigo estava inspirado. Está mesmo com graça.
    Abraço.
    Luis Fernandes

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