Por estes dias ficámos a saber que somos quase tantos católicos como benfiquistas, ou vice-versa, e que uma conjugação "astral" leva a que haja nesta semana tantas referências a Jesus que não consigamos distinguir as de ordem teológica das puramente futebolísticas.
Para mais há, coincidentemente, uma celebração futebolística e uma celebração religiosa, que se entrelaçam e se apregoa que vão deixar "arrasados" uns oito milhões de portugueses.
Também parece que há uma crise que afecta para aí uns oitenta por cento da população o que corresponde, ainda que não de modo sobreponível, ao mesmo número de benfiquista e de católicos, ou vice-versa.
As grandes diferenças estão no facto de que num caso estamos perante uma questão de fé, noutro no campo do jogo e portanto das probabilidades e no caso da crise, no das certezas.
Aliás, a crise é uma certeza que nos persegue de há muito e que nunca nos abandona. Por vezes tem recaídas e durante uns tempos somos fustigados com a ideia de um certo desenvolvimento mas quando ouvimos isso tratamos logo de dar cabo da coisa e de arranjar uma nova crise, ainda pior do que a anterior.
Tenho de confessar que depois de já ter ficado sem o décimo terceiro mês, de ter trabalhado num fim de semana a bem da salvação financeira do país e de ter vindo paulatinamente, mas consequentemente, a perder poder de compra deixei de acreditar que vou acabar os meus dias num país sem crise.
Em certa altura pensei que a crise apenas se pegasse à minha geração e que os mais novos fossem poupados dessa moléstia, mas não. Gerações mais novas têm, desde o primeiro vagido, sido "baptizadas" na crise. Estou certo que não há hoje nenhum jovem que não tenha a convicção, mesmo quando conversa com o parceiro do lado através de um telemóvel da última geração, que vive em estado de crise.
A crise é um estado permanente que suscita a análise e a preocupação de todos e para a qual quase todos têm a solução, mas que felizmente não se resolve porque como a meteorologia é um bom tema de conversa e uma excelente desculpa para a compra de um novo carro, topo de gama, do último modelo. A única coisa que me parece discutível - peço toda a bondade e compreensão para a minha iletrada opinião - é que os mais preocupados e que melhores soluções advogam para a sua solução sejam exactamente aqueles que tendo podido não foram capazes de a evitar.
Se perguntassem a um doente, que teve alta dada por uma junta médica e que vai para casa em sofrimento, a quem pediria ajuda estou convencido de que ele não aceitaria recorrer a nenhum dos médicos da junta.
No caso da crise é o contrário. Dos oito milhões de portugueses que sofrem a crise e que não tiverem qualquer responsabilidade na sua previsão ou na tomada de decisões para a evitarem são logo chamados a analisá-la e a prescrever os necessários remédios, pelo menos dez que tiveram responsabilidades políticas objectivas e concretas no seu desenvolvimento.
Somos sem dúvida um país peculiar onde tudo se baralha e confunde, o que se prova nesta semana. Com efeito temos a certeza de que o Benfica é campeão, que vinda do Papa é uma forte probabilidade, porque o inominável vulcão islandês vai fumegar para outro lado, e temos, finalmente, fé de que os sábios que tiveram nos últimos anos a abanar o berço da crise têm a receita necessária à sua erradicação.
Contra tudo o que se pode dizer é muito bom viver em Portugal, pelo menos é um espaço político intelectualmente excitante e religiosa e futebolisticamente emocionante.
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