Coimbra
é vítima de uma maldição. Nas últimas décadas as obras públicas
que envolveram a administração central correram mal. Claro que
outra coisa não seria de esperar uma vez que foram decidias a
contra-gosto e não numa visão prospectiva e de construção de um
forte polo urbano no centro do país, que permitisse articular e
mitigar as consequências da política de bipolarização
Lisboa/Porto.
Apesar
das declarações de aposta na descentralização e na harmonização
do território nacional, as decisões políticas de investimento são
manifestamente influenciadas pelo peso eleitoral e como Coimbra
representa poucos votos a hipocrisia decisional tem vindo a impor,
contrariamente ao que acontece com outras cidades, um diminuto acesso
ao investimento público.
Aliás,
parece mesmo que há contra esta cidade uma certa raiva da capital
por ela ter sido, durante séculos, uma maternidades das nossas
elites. Estaremos perante um castigo que tem levado ao seu gradual
esmagamento, contando, não poucas vezes, com a conivência de alguns
dos seus “ilustres filhos”, que se acobardam na relação com o
poder central, contentado-se com um sorriso e duas palmadas nas
costas dadas nos corredores do Terreiro do Paço.
Lembrem-se
os dramas com o desenvolvimento do metro ligeiro de superfície para
substituir a obsoleta linha da Lousã, que durante anos funcionou com
velhas composições “as pandeiretas” compradas no ferro-velho
espanhol; a construção da Ponte Europa, rebatizada num caricato
fait divers político-partidário;
o Hospital Pediátrico que se
mais problemas de projecto, de
construção e de fiscalização da obra houvesse mais teria tido,
para além da localização e da ausência de um adequado
acesso à
circular externa; do Polo da Saúde, onde se encavalitou a Faculdade
de Farmácia, já exígua e com um acesso vergonhoso
e um estacionamento
inexistente; etc; etc; etc.
Confrontados com a situação
insustentável das instalações das duas maternidades aqui
existentes, e num momento em que já não é possível adiar mais a
resolução do problema, os responsáveis da saúde, mais uma vez por
força da pressão dos factos e na ausência de uma visão
prospectiva , surgem com a ideia de construir uma nova maternidade no
“campus” do Hospital da Universidade Coimbra.
Verdadeiramente, o que parece é o
que se pretende ali instalar mais não é do que um serviço do
hospital e não construir uma unidade de saúde autónoma;
estruturada técnica e funcionalmente; com autonomia de gestão;
orçamento próprio; quadro de pessoal; etc.
Ora não se concebe como é que
possível construir mais um estabelecimento de saúde num espaço
saturado, que é um quebra-cabeças em termos de acessibilidades e de
estacionamento, constituindo-se um verdadeiro “polo de doença”
para os cidadãos de Coimbra que residem nas proximidades e para os
utentes e familiares que a ele recorrem.
Aliás,
se o Polo II da Universidade de Coimbra, que é uma confusão
arquitectónica, nunca viu o seu pleno desenvolvimento em termos de
envolvente e no pleno aproveitamento dos terrenos que o bordejam,
permitindo-lhe
uma qualidade ambiental própria
de um moderno campus universitário, o Polo III, o Polo da Saúde, é
verdadeiramente inqualificável no que toca à desarticulação das
instalações e equipamentos ali localizados, alguns bem recentes, à
sua inserção no tecido urbano e
aos acessos e estacionamento.
Se a cidade de Coimbra muito deve
aos seus serviços de saúde paga-o com sofrimento diário por
ausência do adequado planeamento do tecido urbano em que se inserem.
Mas
na ponderação que parece se
pretende adoptar
também não se conhece se foi tida
em conta a existência do
espaçoso terreno
envolvente do Hospital do Covões, que também faz parte do Centro
Universitário e Hospitalar de Coimbra, e
é do património do estado.
Talvez
a problemática orgânica e funcional, inerente à criação do
Centro Hospitalar de Coimbra, que levou à junção dos Hospitais da
Universidade com o Hospital dos Covões e
que obviamente tende ao encerramento deste último hospital apesar
de aí continuarem a ser feitos investimentos, leve a que não se
queira ponderar esta hipótese. Talvez, também, uma visão de poder
e de comodidade corporativa constitua um travão inconfessado a
instalar uma maternidade na margem esquerda do Mondego a alguns
quilómetros do centro da cidade e que para alguns é uma periferia
rural.
A
verdade é que se está a decidir
com enorme leviandade, no
século XXI, a construção de raiz de uma importante infraestrutura
do Serviço Nacional de Saúde e isso é preocupante. Nas
últimas eleições autárquicas o presidente da Câmara eleito,
manifestou a opinião de que a nova maternidade deve ser construída
no perímetro do Hospital dos Covões, o que não parece ter merecido
qualquer consideração.
Perante
esta situação, que configura um parto de risco, torna-se
essencial a análise e o pronunciamento de deputados,
autarcas e da
generalidade dos cidadãos, a quem a obra se destina e que os afecta
directamente e não tomar qualquer decisão que comprometa
irremediavelmente uma obra de futuro, onde vão nascer os novos
cidadãos que aqui vão viver e sofrer as consequências das decisões
que agora se tomam.
A
nova maternidade de Coimbra
tem de ser uma obra de qualidade, digna desta cidade e que honre os
obreiros do Serviço Nacional de Saúde, daqui
oriundos, concretamente
o Dr. António Arnaut e o
Professor Mário Mendes, médico obstetra, cujo nome lhe
ficaria muito bem.
(Artigo publicado no Público, em 18 de março de 2018)
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