O professor Carlos Fiolhais, na
saudável preocupação cívica com a sua cidade, publicou na edição
do Público de 7 de março um artigo intitulado: “Um cancro levou a
senhora”, em que aborda algumas questões relativas à actividade
cultural em Coimbra e ao “seu centro histórico – Baixa –
praticamente morto.”
Partilhando, há muito, de algumas
das suas preocupações, gostaria de dar um pequeno contributo para
esse debate para mais quando se fala na necessidade de nos
reinventarmos.
Vamos por partes. Primeiro a
cultura. Partilho a ideia de que há problemas com a produção e as
manifestações culturais em Coimbra. Problemas estranhos numa cidade
com um relevante património cultural, com um histórico
universitário único no país, que durante séculos foi um dos
principais centros de cultura e de formação de elites, com uma boa
qualidade de vida, um poder de compra per capita superior à
média nacional e uma estrutura económica baseada em serviços
altamente especializados e diferenciados.
Parece, pois, que existem todos os
ingredientes necessários a uma significativa atividade no que toca
à produção e ao consumo de bens culturais. Contudo, é recorrente
a ideia de que a cidade tem uma fraca vida cultural. É uma ideia
feita, sobretudo no que toca à quantidade, e que tem origem numa
óbvia mas intrigante dificuldade de articulação, divulgação e
marketing.
Por exemplo, neste momento, para
além de diversas iniciativas autárquicas e associativas, está a
decorrer a 20ª. Semana Cultural, organizada pela Universidade, que
tem a duração de dois meses, com uma programação vasta e variada,
que percorre espaços universitários e outros espaços da cidade. O
que acontece é que muitos dos eventos, de inegável qualidade, não
são participados como seria de esperar e o que se ouve, com
frequência, é de que em Coimbra não acontece nada.
Há um estranho desprezo pelo que
aqui se faz e simultaneamente um louvor pelo estranho que revela uma
enorme falta de autoestima e se inscreve numa tradição de lamuria,
tão característica de Coimbra.
O fecho da livraria e alfarrabista
na Baixinha, que motivou o artigo do professor Carlos Fiolhais é,
aliás, um caso estranho, porque o livreiro Miguel Carvalho referiu
que vai manter a sua atividade na Figueira da Foz. Sai de uma cidade
com potencial de clientes muito superior àquela para onde se
deslocaliza. Potenciais clientes que virão agora a público
lamentar-se e rasgar as vestes por uma perda de que são os
principais culpados por falta de comparência, porque não souberam
aproveitar e acarinhar o bem que aqui tinham.
Este caso, como tantos outros que
têm ocorrido nos últimos anos, leva a pensar que a elite
universitária de Coimbra só se interessa pelas desgraças da
cidade. Uma cidade que considera demasiado pequena e desinteressante,
pelo que prefere investir noutras cidades e noutras montras.
Há um histórico de distanciamento
entre a Universidade e a Cidade que, apesar de diversas tentativas de
aproximação, não tem sido vencido. É também um problema de poder
que tem razões históricas e que leva à evidente dificuldade em
articular o poder autárquico com o poder universitário, suscitando,
não poucas vezes, acusações mútuas de falta de ambição e de uma
postura imobilista e provinciana.
Indo agora à questão da morte do
“centro histórico – Baixa”, parece-me redutor e um equívoco
falar em centro histórico de Coimbra e referir a Baixa. Não só o
centro histórico de Coimbra é muito mais vasto, como a Baixa, no
sentido em que é referida, é sobretudo um território de comércio
tradicional.
Diz o professor Carlos Fiolhais que
raramente se desloca à Baixa, por ser deprimente lá ir. Talvez seja
de perguntar se a Baixa não terá na génese da sua decadência o
facto das elites universitárias e de uma classe média/alta oriunda
da área dos serviços que povoa Coimbra, não irem à Baixa porque
preferem a ostentação de comprarem em Lisboa ou no Porto, ou,
ainda, nas cidades a que se deslocam para congressos ou reuniões
cientificas.
Durante muitos anos o comércio
tradicional na Baixa viveu graças aos clientes com menos posses, aos
trabalhadores e aos prestadores de serviços menos qualificados, que
vivem na periferia da cidade e que, com o aparecimento de novas
formas de comércio mais apelativas, abandonou esse mesmo comércio,
que por seu lado não soube ou não foi capaz de se reinventar.
Veja-se o que era o movimento há alguns anos na rua Adelino Veiga e
das lojas aí existentes porque era por aí que circulavam os
trabalhadores que iam apanhar o comboio à Estação Nova ou as
camionetas à beira rio.
Quanto a diversos aspectos de
natureza funcional e estética, referidos pelo professor Carlos
Fiolhais, não há dúvida que o panorama não é famoso, sem que,
nalguns casos, se perceba por quê. Assim como é deprimente o número
de projectos desenhados em articulação com o poder central que têm
abortado. O projecto Estações Com Vida é disso exemplo.
Noutros casos, como o do
CoimbraPolis, que foi morto e enterrado por um Executivo municipal
por razões partidárias, ficaram vazios que hoje poderiam dar uma
imagem substancialmente diferente da cidade. Mas o que parece
evidenteé a inexistência de uma visão clara e ambiciosa para a
cidade e uma galvanização colectiva para a sua realização.
Coimbra vive, sem dúvida, um
problema global de reinvenção, em que são notórios alguns nós
difíceis de desatar. É necessário acabar com a postura messiânica
de que virá aí um político salvador, ideia que vem de um passado
em que vivia à sombra de advogados poderosos que acediam facilmente
ao poder central, e, simultaneamente, alterar o paradigma relacional
da globalidade dos cidadãos com a sua cidade.
Quanto à proposta de preparação
de uma candidatura a Capital Europeia da Cultura é bom não esquecer
o que foi em 2003 “Coimbra Capital Nacional da Cultura”, um
projecto que se pretendia paradigmático, em que se pensou que
Coimbra poderia ser exemplar e motivadora e que no fim foi um palco
de problemas, conflitualidades e incompreensões pelo trabalho de
tantos e pelos resultados conseguidos. O que se anunciava como um
projecto vencedor acabou por ser um acto parcialmente falhado, que
veio a acabar com pouca glória.
A cura da “maleita coimbrã”
implica um trabalho difícil e persistente, tanto mais que é sabido
que é necessário melhorar substancialmente a qualidade política a
nível local e que a visão macro do país, com a aposta em dois
grandes núcleos urbanos, não tem ajudado, mas é preciso termos
confiança de que há aqui ciência para a cura.
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