sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PECADORES, POBRES E IGNORANTES



1. Por curiosidade intelectual e porque me afirmavam na altura que só o conhecimento nos salvaria, resolvi comprar um Dicionário dos Santos. Queria ir um pouco além do meu pai que, com a sua sofrida terceira-classe, comprava o Borda D’Água, para saber das fases da lua, de quando devia semear os nabos e qual era o santo do dia. Devo confessar que a compra do livro foi uma boa decisão porque me ajudou a conhecer imensos santos e mártires, e alguns martírios inimagináveis - esfolava-se uma criatura com o maior à vontade, cortava-se-lhe um membro ou arrancava-se um olho sem remorso. Não é como hoje em que ninguém consegue matar e esfolar um coelho. 

Como é óbvio nos tempos que correm a santidade anda arredada das nossas ruas e praças e porque somos uma cambada de pecadores – temos o desejo perverso de querer um melhor nível de vida, uma velhice mais serena e feliz, melhores serviços públicos, melhores infraestruturas, mais futuro para os nossos filhos, etc., graves pecados desta natureza -, é preciso, de acordo com os nossos salvadores: governo e troika, mais penitência, através de um voto de pobreza que devemos aceitar com resignação e agradecimento, diminuindo vencimentos e reformas, ao mesmo tempo que devemos retornar à pureza da ignorância tal como era defendido há uns 40 anos.
2. Ao mesmo tempo se olharmos para Coimbra veremos que também a santidade não anda por aqui. Aliás, o momento atual é pautado pelo aparecimento, quase diário, de insuspeitos pecadores. Que deus nos ajude! Por outro lado o desemprego grassa e quanto ao conhecimento as coisas não estão famosas se tivermos em atenção a diminuição substancial do financiamento, em particular, do ensino superior. Há contudo uma boa nova: a emergência de um líder de uma certa direita do PS, que se vem revelando em artigos de opinião, concretamente no jornal Público, o último dos quais no passado sábado, 25 de janeiro, e que nos diz de forma lapidar que vamos ter necessidade de mais austeridade, despejada de motivação ideológica. Ora este pretenso líder de uma certa direita do PS, que foi dirigente distrital e deputado, e um dos mais acérrimos defensores da política económica e financeira seguida no consulado de José Sócrates, que em parte levou à difícil situação atual que vivemos, traz agora o chá de camomila político e económico para a nossa salvação, o que, no meio da confusão argumentativa que apresenta, propiciará uma tisana que a direita saboreará com prazer. Ora aqui está para nosso consolo, exposto à cidade e aos homens, um exemplo de percurso salvífico a que devermos estar atentos.

PS: Hoje é dia de santa Jacinta Mariscottis - de que reza a história passou grande parte da vida a infernizar a família, tendo apenas no fim da vida encontrado a conversão, que a levou à penitência e oração. Morreu em 1640. Ora esta santa faz-nos imediatamente lembrar uma figura política que também tem passado a vida a infernizar-nos e que até anda a invocar o fim de um protetorado, fazendo analogias com 1640. Só falta saber se algum dia se irá converter e fazer a penitência que o leve à santidade. Rezar, sabemos que reza.

(Artigo publicado na edição de 30 de janeiro, do Diário de Coimbra)

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