quinta-feira, 14 de julho de 2016

DEPOIS DA UNIÃO A ZARAGATA



No mesmo momento em que celebrávamos a conquista do Campeonato da Europa de Futebol, sendo consensual que um dos motivos que mais contribuiu para essa conquista foi a união e o espírito de equipa, fomos brindados com uma zaragata. 

Perante a decisão do ECOFIN de avançar com um processo de sanções por deficit excessivo em 2015, assistimos à emergência de um rápida barganha política com os partidos responsáveis pela gestão orçamental em 2015, a acusarem o atual governo de não ter sabido defender o país, nomeadamente o “legado que recebeu”. Supina afirmação!

É histórica a nossa capacidade de divisão interna, faz parte de uma idiossincrasia doentia que há muito cultivamos com esmero, assim como a ideia que os nossos políticos subordinam muitas vezes o interesse coletivo ao interesse partidário e pessoal Este é um momento exemplar que prova como essas asserções são verdadeiras. 

Com um argumentário que roça a indigência é difícil perceber como é que políticos acabados de sair do poder e em que está em causa o resultado da sua ação se atrevem, com uma velocidade estonteante e uma absoluta desfaçatez, ofender a nossa inteligência, culpando outros por aquilo que fizeram, ou não fizeram.

Percebe-se que há uma rede a nível das superestruturas europeias que trabalha contra o atual governo e que a nível interno os partidos da direita, por ressentimento, interesse partidário e sintonia com esses “donos” da Europa, se assumem como suas correias de transmissão, praticando sem pudor a cizânia e fomentando a instabilidade.

Tudo isto é ainda mais desagradável porque havendo múltiplos e poderosos interesses financeiros envolvidos, em que em última instância somos nós, simples cidadãos, os impotentes peões de um jogo em que perdemos sempre, ouvimos lições de sapiência da ex-ministra das finanças - que agora é deputada mas que tem alvará de acumulação com a administração na Arrow Global, uma empresa britânica, gestora de crédito, cuja atividade merece a pena conhecer -, sem perceber bem em que condição está a intervir e que interesses está a defender.

Temos suportado estoicamente anos de disparates de política económica e financeira pelo que o mínimo que seria exigido, numa situação como esta, era que prevalecesse o bom senso e que no mínimo guardassem de Conrado o prudente silêncio, mas não, mesmo sabendo que com união ganhamos desatamo-nos a arranhar em derrotistas zaragatas.

(Artigo publicado nas edição de 14 de julho, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 30 de junho de 2016

SOB O SIGNO DOS REFERENDOS



Em 2003 fomos ameaçados com um referendo ao projeto de cobertura da Baixa de Coimbra (ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz), pelo executivo municipal de então. Como se viu não passou de um anúncio inconsequente, determinado pelo desespero político que, como se sabe, não é bom conselheiro. 

Agora, enquanto se desenrolava a campanha referendária no Reino Unido, voltou à baila a ideia de um referendo sobre a construção da Via Central. Isto da Via Central, é uma ideia que há décadas faz parte do imaginário conimbricense e que nos últimos anos foi sendo esboçada no âmbito do traçado para o metro ligeiro de superfície. 

As confusões e os descarrilamentos do metro paralisaram as obras já iniciadas e a Baixa, que foi vendo a Alta voltar-lhe sorrateiramente as costas, ficou com mais uma grave ferida exposta. Depois do Bota Abaixo de má memória, a Baixa viu-se, assim, a braços com mais um buraco a necessitar de tratamento urgente, através de uma operação de limpeza dos tecidos mortos, seguida de uma competente cirurgia estética  

Ora, é neste contexto, em que a Baixa grita angustiada por uma rápida intervenção requalificadora, que surgem renovadas polémicas sobre a Via Central e a proposta de um referendo à sua execução. 

Acredito na bondade dos proponentes e nas suas preocupações quanto ao mérito da intervenção mas, sinceramente, tal como aconteceu com o referendo britânico parece-me que um processo desta natureza, no estado da arte em que nos encontramos, seria, se realizável, muito mais contraproducente do que favorável à causa da reabilitação da Baixa, no seu todo.

Reivindicar energicamente uma intervenção de qualidade, esse, sim, parece-me ser o bom combate, que estou certo merecerá a consideração e o apoio de todos, tanto mais que não acredito que o presidente da Câmara, seja ele quem for, perante uma intervenção desta dimensão e importância, não seja o primeiro a desejar uma obra asseada que faça perdurar, de forma positiva, a sua memória na cidade.

Este é mais um caso que me faz interrogar sobre a ação política numa cidade, que, tendo um enorme potencial de reflexão e conhecimento, que tem tanta gente boa e altamente qualificada e que tendo tantos problemas para resolver, passa a vida enredada em questiúnculas, agastamentos e desanimadoras controvérsias.

Tristemente, hoje, Coimbra é muito mais uma Lusa Bizâncio do que uma Lusa Atenas, que se dá ao luxo de andar entretida a discutir permanentemente o já discutido, para mais sob o signo de incompreensíveis referendos.

(Artigo publicado na edição de 30 de junho, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A CARTA CONSTITUCIONAL DE COIMBRA



Não deixa de ser curioso que agora, passados 15 anos sobre a sua aprovação, se volte a falar, depois de um longo período de pousio, na Carta Constitucional de Coimbra. 

Sendo um documento meritório, surgido num contexto de reflexão sobre o poder local e a democracia participativa, é estranho e merece análise o reconhecimento do Professor Boaventura Sousa Santos, um dos seus principais impulsionadores, de que foi um “insucesso”.

Para as razões deste insucesso são aventadas várias razões, todas elas respeitáveis e decerto corretas, parecendo-me, a mim, autarca na altura, que se havia um caldo de cultura teórico em Coimbra suscetível de permitir a elaboração e aprovação de um documento desta natureza e recorte houve duas coisas que obstaram à sua afirmação prática e ao surgimento dos resultados na governação autárquica que se pretendiam.

Por um lado o documento surgiu muito como a tradução de um certo descontentamento com a governação da cidade e por outro acabou por ser utilizado como um cavalo de Troia pelos partidos e forças partidárias da oposição, cada qual à sua maneira, para combater e desgastar o executivo municipal de então, do PS.

Talvez, também, os “constituintes” tivessem exagerado nas suas expectativas, sobretudo porque muitos não conheciam suficientemente bem a Coimbra profunda, não dominavam os meandros da política concreta e não conheciam os verdadeiros anseios da grande maioria dos cidadãos eleitores. 

Houve voluntarismo, temperado com alguma ingenuidade e aproveitado com sábia hipocrisia política por uns tantos, como, aliás, o tempo veio a demonstrar, e que está bem patente no gradual e pleno esvaziamento do movimento que deu origem à “Constituição”.

A questão de porquê desenterrar agora a “Constituição” é interessante porque decorreu tanto tempo sem que dela se falasse e se percebe que está em curso a preparação, pela generalidade dos partidos e forças políticas, das próximas eleições autárquicas e que este será, por isso, um bom leitmotiv para ajudar a tratar o assunto.

Penso que é pena, se assim é, porque a Carta Constitucional de Coimbra merecia ter sido objeto de uma leitura e uma atenção cívica e política despartidarizada, ao longo destes seus 15 anos de existência e transformada efetivamente numa lei fundamental, sem donos nem tutelas.

(Artigo publicado na edição de 2 de junho, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O DIABO ESTÁ NAS PEQUENAS COISAS



O turismo e as sus implicações são matéria sobejamente conhecida pelo que não há desculpas para a ausência de uma estratégia de cidade que permita não apenas a sua plena rentabilização mas também evitar os seus efeitos nefastos.

Bastará olhar para algumas cidades europeias com características idênticas à da nossa Coimbra para ver os efeitos positivos mas também devastadores, que uma atividade turística voluntarista e anárquica provocou no seu tecido urbano e na perda de valores identitários.

A classificação pela UNESCO, em 2013, de alguns espaços de Coimbra como Património da Humanidade teve um extraordinário efeito indutor na vinda de turistas, o que não terá merecido a devida consideração. É notória a ausência de uma estratégia global e se a há ela não é minimamente conhecida da generalidade dos cidadãos e de muitos dos atores económicos, que direta ou indiretamente se relacionam com esta atividade.

Aliás, a procura turística não parece que tenha a ver com Coimbra mas sim com o edificado no Polo I da Universidade e também com a singularidade do Portugal dos Pequenitos, restando um corredor de passagem ladeado por algumas lojas de “souvenirs”.

A cidade manteve-se igual a si própria, como se diz no futebol, fazendo gala de continuar a enxamear os seus espaço públicos com carros estacionados anarquicamente – a Praça do Comércio tem sido o exemplo mais gritante -, sacos de lixo estrategicamente espalhados pelo chão aos fins-de-semana, uma oferta gastronómica virada para o consumo interno (aos fins de semana é diminuta) e um comércio tradicional desmotivado e desorientado.

O que é sobretudo mais gritante é não só o desperdiçar das potencialidades da cidade no seu todo mas uma ausência da compreensão coletiva do que está em causa e, consequentemente, de que os turistas que nos procuram e que podem trazer muitos outros esperam, para além de uma magnífica Biblioteca Joanina, encontrar uma cidade capaz de honrar essa preciosidade através da qualidade das suas infraestruturas e de uma performance cívica que rejeita a degradação do espaço público, oferece beleza e conforto em cada recanto.

Perversamente para muitos Coimbra tem mais encanto na hora da despedida, isto é quando se livram dela, e não na hora da chegada em que não vislumbram o encantamento que tem condições para oferecer, assim queiram os que nela habitam e trabalham.

Não há dúvida de que o diabo está mesmo nas pequenas coisas.

(Artigo publicado na edição de 19 de maio, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 5 de maio de 2016

PROVAS DE AMOR



Li há dias que o poeta francês Pierre Réverdy dizia que “não há amor, mas provas de amor” e fiquei a pensar no assunto, nomeadamente na recorrente afirmação de amor a Coimbra, por tanta e boa gente.

Aliás, até me pareceu ter entendido recentes declarações do presidente da Câmara do Porto, sobre o centralismo lisboeta quanto á utilização dos fundos comunitários, como uma prova de amor a Coimbra, porque teve a lembrança de referir, para além do norte, o centro como um espaço prejudicado pelas políticas do poder central.

Claro que muitas vezes estas afirmações de amor são meramente circunstanciais, com o mero objetivo de ganho de escala, mas penso que apesar disso não as devemos desprezar nem desperdiçar e que será bom aproveitar o balanço para reafirmar o nosso desconforto com algum imerecido desprezo do Terreiro do Paço.

Digo algum imerecido desprezo porque nós e as nossas elites locais não somos muito convincentes em dar provas de amor à nossa cidade e por isso não temos autoridade para grandes exigências. A grande tendência, bem evidente nas redes sociais, é de valorizar o passado. São fotografias de espaços ou edifícios de outros tempos que merecem o “gosto” mais rápido e numeroso, e são poucas as referências a novas instalações ou a empresas inovadoras que são verdadeiramente estratégicas ao nosso desenvolvimento.

Aliás, nas cerimónias de exaltação pública dos nossos esquecemos, frequentemente, os promotores de futuro. Por exemplo, há uma instituição como o Instituo Pedro Nunes e um número significativo de empresas da área das novas tecnologias que ali nasceram e que têm significativa projeção internacional e este facto é praticamente desconhecido do cidadão comum pelo que seria importante que no Dia da Cidade houvesse uma fórmula de reconhecimento e de exaltação pública do mérito destes promotores de futuro.

É que este é um motor invisível de desenvolvimento da nossa cidade porque, em boa medida, muito do nosso sucesso coletivo passa por aí, e por isso devemos-lhe, como prova de amor, trazê-lo para o campo da visibilidade, mais ainda porque traduz exemplarmente uma ambicionada relação entre ensino, investigação e o mundo empresarial.

Claro que há pequenas atenções que são grandes provas de amor e que nos convocam a comportamentos de gentileza e consideração para com a nossa cidade e, agora, que aí vem mais uma Queima, seria bom que muitos daqueles que vão acabar a sua vida académica e partir daqui, e que se dizem apaixonados por Coimbra lhe dediquem mais do que uma bebedeira ou a destruição de bens públicos e que a tratem com o respeito próprio do verdadeiro amor.     

(Artigo publicado na edição do Diário de Coimbra, de 5 de maio)