quinta-feira, 19 de outubro de 2017

AS VISITAS DO DIABO

É sabido que o diabo é imprevisível. Apesar dos apelos à sua vinda só aparece quando muito bem lhe apetece.

Também é espertalhão e conhece, como ninguém, a nossa idiossincrasia e as nossas fraquezas. Sabe das nossas dificuldades em planear e organizar e por isso pode dar-se ao luxo de nos visitar quando muito bem entende com resultados infernais garantidos.

Como está provado o demónio alimenta-se de fogo e gosta da província, em particular aqui da região centro, onde se refugia porque não consegue competir com todos os diabretes que povoam a capital e também porque, como é sabido, por ali não há alcoólicos nem quem tenha problemas mentais para ser aliciado a andar de noite a acender fogos.

O diabo não sendo um provinciano, bem pelo contrário, gosta de fazer diabruras na província onde vivem os mais pobres e desprotegidos, que na sua simplicidade e ingenuidade dão excelentes imagens e reportagens que sábios comentadores, maquilhados habitantes de estúdios, comentam, e comentam, e comentam…E o diabo assiste a isto tudo deliciado porque os vê alimentar-se com a desgraça alheia à sua imagem e semelhança.

Sabendo o diabo que Dante, na sua “Divina Comédia”, começou pelo inferno, o seu habitat natural, era estranho que agora andássemos a apregoar, neste tempo de ainda purgatório, a chegada do paraíso, sem que tivéssemos provado o sabor do inferno e por isso veio visitar-nos. Tinha a mesa posta: calor e mais calor, desorganização e confusão; e a insaciável vontade política de uns tantos de que alguma coisa corresse mal para poderem levantar a crista.

Abençoado diabo, finalmente chegaste!, terão proclamado alguns de grande retórica e em confortável segurança, porque as chamas e as cinzas são um precioso alimento mediático e político que é preciso aproveitar para ganhos circunstanciais e fator de perturbação emocional que consome energias transformadoras e evita reformas essenciais.

Fechar a porta ao mafarrico será difícil mas dificultar-lhe a entrada é uma tarefa ingente, que exige uma vontade férrea e uma enorme resistência a pressões diretas e indiretas e a truques de toda a espécie. Construir uma solução de proteção civil para o século XXI num país a várias velocidades em que se mantêm resquícios do século passado e interesses instalados que convivem bem com a desgraça alheia e dela retiram dividendos, vai ser muito difícil.

Por outro lado temos de ter em conta o cocktail lusitano em que se juntam a incapacidade de entendimento no essencial; uma cultura laxista e de passa culpas; uma elogiada chico-espertice; e a politiquice feita critério de seleção de lideranças.

E depois, Senhor, porque nos dás a dor de tanto especialista instantâneo, tanto génio nascido nas redes sociais e de tantos insuspeitos diabinhos?

O diabo é uma visita muito imprevisível!

(Artigo publicado na edição de 19 de outubro do Diário de Coimbra)




Sem comentários:

Enviar um comentário