É
sabido que o diabo é imprevisível. Apesar
dos apelos à sua vinda só
aparece
quando muito bem lhe apetece.
Também
é espertalhão e conhece, como ninguém, a nossa idiossincrasia e as
nossas fraquezas. Sabe das nossas dificuldades em planear e organizar
e por isso pode dar-se ao luxo de nos visitar quando muito bem
entende com resultados infernais garantidos.
Como
está provado o demónio alimenta-se de fogo e
gosta
da província, em particular aqui da região centro, onde se refugia
porque não consegue competir com todos os diabretes que povoam a
capital e também
porque, como é sabido, por ali não há alcoólicos nem quem
tenha problemas mentais para
ser
aliciado a
andar
de noite a acender fogos.
O
diabo não
sendo um provinciano, bem pelo contrário, gosta de fazer diabruras
na
província onde vivem os mais pobres e desprotegidos, que
na sua simplicidade e ingenuidade dão excelentes imagens e
reportagens
que
sábios comentadores, maquilhados
habitantes
de estúdios, comentam, e comentam,
e comentam…E o diabo assiste a isto tudo deliciado porque os vê
alimentar-se com a desgraça alheia à sua imagem e semelhança.
Sabendo
o diabo
que Dante, na sua “Divina Comédia”, começou pelo inferno, o
seu habitat natural, era estranho que agora andássemos a apregoar,
neste tempo de ainda purgatório, a chegada do paraíso, sem que
tivéssemos provado o
sabor do inferno e por isso veio visitar-nos. Tinha a mesa posta:
calor e mais calor, desorganização e confusão; e a insaciável
vontade política de uns tantos de que alguma coisa corresse mal para
poderem levantar a crista.
Abençoado
diabo, finalmente chegaste!, terão proclamado alguns de grande
retórica e em confortável segurança, porque
as
chamas e as cinzas são um precioso alimento mediático e político
que é preciso aproveitar para ganhos circunstanciais e fator de
perturbação emocional que consome energias transformadoras e evita
reformas
essenciais.
Fechar
a porta ao mafarrico será difícil mas dificultar-lhe a entrada é
uma tarefa ingente,
que exige uma vontade férrea e uma enorme resistência a pressões
diretas e indiretas e a truques de toda a espécie. Construir uma
solução de proteção civil para o século XXI num país a várias
velocidades em que se mantêm resquícios do século passado e
interesses instalados que convivem bem com a desgraça alheia e dela
retiram dividendos, vai ser muito difícil.
Por
outro lado temos de ter em conta o cocktail lusitano em que se juntam
a incapacidade
de entendimento
no
essencial; uma
cultura
laxista e de passa culpas;
uma
elogiada chico-espertice; e
a politiquice feita critério de seleção de lideranças.
E
depois, Senhor, porque nos dás a
dor de
tanto especialista instantâneo, tanto
génio nascido nas redes sociais e de
tantos
insuspeitos
diabinhos?
O
diabo é uma visita muito imprevisível!
(Artigo publicado na edição de 19 de outubro do Diário de Coimbra)
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