quinta-feira, 24 de março de 2016

SILÊNCIOS E BARULHOS PERIGOSOS



Um dos perigos associado à mobilidade elétrica é o silêncio. Habituados, como estamos, ao barulho dos motores a combustão evitamos instintivamente situações de risco de atropelamento ou de colisão. Com o silêncio da mobilidade elétrica vamos ter de reconfigurar os nossos alertas e os nossos mecanismos de defesa e, por isso, o silêncio tantas vezes abençoado acaba, assim, por representar um perigo. 

Perigo que é igualmente notório quando assistimos silenciosos a uma reconfiguração, ou melhor ao acentuar de uma configuração, do nosso território com o esvaziamento e estrangulamento do centro do país em que nos inserimos.

Incapaz de uma consequente afirmação de liderança regional, Coimbra vai assistindo ao estreitar do seu espaço de influência e ficando cada vez mais confinada ao seu território municipal. Também aqui o silêncio sobre este assunto, particularmente dos partidos e forças políticas, que têm a responsabilidade democrática de se baterem pela coesão territorial, económica e social do país, tem-se constituído num perigoso handicap ao nosso desenvolvimento e ao nosso futuro.

Os partidos políticos tendem a ser cada vez mais centralistas e as lideranças locais cultivam diariamente o sonho de rumar à capital, à grande política e aos holofotes mediáticos que aí estão instalados. Aliás, cada vez me convenço mais que os líderes emergentes o que desejam mesmo é a manutenção de uma mini Coimbra provinciana para fugirem daqui, com naturalidade e sem problemas de consciência. 

A política local tende, portanto, a ser cada vez mais um incomodo necessário, a que acresce um esvaziamento de valores e um acrescento de disputas mixurucas, de pequenos golpes e de ataques pessoais. É a guerra do barulho em busca dos pequenos tronos em que se assumem guerreiros que mostram uma capacidade de combate aos seus correligionários que nunca mostraram relativamente aos seus adversários.

Piores do que famílias disfuncionais são, em vários casos, coletivos de intriga e de maledicência, sabendo-se que muitos dos seus membros são hoje acusadores dos mesmos condenáveis atos que praticaram com mérito no passado.

O aviltamento da política local através de um barulhento combate público sem ideias e de índole pessoal ou de grupo é um enorme risco de que se colherão as consequências, concretamente quando se disputarem as próximas eleições autárquicas, para mais tendo em conta o nível abstenção e fragmentação política verificadas nas últimas.

O silêncio e o barulho são, assim, dois perigosos irmãos, que alimentamos de modo suicidário porque todos sabemos que com eles estamos a caminhar para a derrota. 

(Artigo publicado na edição de 24 de março, do Diário de Coimbra)

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