quinta-feira, 8 de outubro de 2015

FAÇAM FAVOR DE CONTAR ATÉ DEZ



Durante muitos séculos persistiu a crença de que os cogumelos eram obra do demónio ou de bruxas dado que apareciam de um dia para o outro sem se conhecer sementeira. Hoje sabemos que não é assim mas enfrentamos outras perturbadoras incógnitas, é que como os cogumelos no momento seguinte às eleições aparecem profetas, magos e notários políticos que convictamente reescrevem o passado, escrevem o futuro e torturam-nos com visões apocalípticas.
 
Claro que podemos sempre ver isto numa perspetiva lúdica e até nos divertirmos, porque estes são os dias em que se solta o analista e o comentador político que há em cada um de nós, contudo, por vezes não é fácil um sorriso pelo atrevimento e despudor de alguns.

Interessante é que depois de uma campanha em que acima de tudo se discutiu e acusou o PS, se continue a discutir e a tentar condicionar o PS. Parece estar em marcha a fase 2 de um processo tendente ao seu assassinato pasokiano - patrocinado pelos mesmos e com a prestimosa colaboração de alguns distintos camaradas sempre prontos para a luta nestas ocasiões -, enquanto nos gabinetes da coligação se respira uma serena e tranquila brisa e se dá forma a um programa de governo que é filho de uma proposta eleitoral desconhecida mas maioritariamente sufragada.

Depois de uma campanha eleitoral que veio confirmar que a omissão compensa e que à esquerda não há qualquer hipótese de coligação de poder, graças às teias que a própria esquerda teceu e que serão agora complementadas com os habituais truques dos desafios retóricos, a direita almoçará em paz e jantará em sossego. Direita que se prepara para se deliciar, na sequência das presidenciais, com as trufas da próxima primavera, que os romanos acreditavam eram obra dos relâmpagos que atingiam a terra.

Fazer do PS o inimigo principal, por razões de sobrevivência ou de aproveitamento circunstancial, durante toda uma campanha e vir agora, passados dois dias, torná-lo no bom amigo soa demasiado a falso e parece politicamente pouco inteligente. É, aliás, uma forma rápida e mortal de inviabilizar qualquer verdadeira convergência política. 

Vivemos tempos politicamente muito interessantes e desafiantes que vão permitir distinguir a ingenuidade da inconsciência e a sinceridade do oportunismo e ver até que ponto os históricos e dramáticos bloqueios à esquerda são passíveis de superação tendo em conta o contexto europeu e a lição Grega.

É que mesmo num processo de alzheimer político a degradação da memória recente não pode ser tão rápida e há todo um processo de confiança que é preciso criar, o que leva o seu tempo. 

Antes de novas propostas façam favor de contar até dez.

(Artigo publicado na edição de 8 de outubro, do Diário de Coimbra.)

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