quinta-feira, 30 de julho de 2015

AGRADECIMENTO



Para qualquer líder partidário a elaboração de listas é sempre um enorme problema. Nestes momentos lembro-me do tio Joaquim que tendo passado parte do dia a tomar conta do neto exclamou, entre o aliviado e o cansado, quando a tarefa foi dada por extinta: “É pior do que tomar conta dum saco de pulgas”.     

Para quem assiste são momentos empolgantes em que se desfazem mitos urbanos e outros, tanto mais porque, tendo a política tão má fama e sendo o serviço público tão exigente, fica-se surpreso com a profusão de generosos interessados em nos representar e defender os nossos legítimos interesses. 

É que ser deputado, contrariamente ao que muitos pensam e dizem, não é pera doce. Primeiro há um calvário a percorrer para chegar a candidato, em que se cria meia dúzia de amigos e um rodízio de inimigos e depois, logo no dia em que se é eleito, mesmo antes de ser empossado, o pobre do deputado adquire uma série de defeitos, de vícios e de perversidades que transtornam qualquer mortal. Há adjetivos, com que nem sonha, que passam de imediato a fazer parte do seu currículo, sem esquecer que nunca mais pode ir incógnito ou sossegado a qualquer lado e que tem de engolir frequentemente, com um rasgado sorriso e sem poder ripostar, alguns piropos dignos de belzebu.

Iniciadas funções, desde a fila em que se senta, ou é mandado sentar, até ao vestido ou ao fato e gravata que usa, tudo é reparado, sujeitando-se, ainda, ao violento exercício de ter de conviver diariamente com os inimigos do seu grupo parlamentar, que lhe disputam espaço e protagonismo, e de engolir as orientações do líder parlamentar que lhe ordena como votar.

Mais, tem de ter um carro de boa gama, vestidos ou fatos a condizer, gravatas vistosas, cara sem rugas e cabelo bem penteado. Sujeita-se frequentemente a problemas articulares a nível do pulso, por andar longas horas de copo gelado na mão em cocktails, após o que vai ter de ir comer a qualquer lado, fora de horas, para sobreviver. A qualquer lado não é bem assim. Tem de ir a um restaurante da moda comer um petisco gourmet, com um ar bem-disposto e a transpirar vitalidade.

Nos fins-de-semana há sempre uma festa ou uma romaria obrigatória e uma nova promessa para fazer, para além das desculpas que tem de preparar para as promessas não cumpridas. E no fim do mandato, só tem uma certeza: é a de que o número de amigos diminuiu proporcionalmente ao crescimento do número de inimigos.

Para ser deputado é necessário, sem réstia de dúvida, ter vocação de mártir e por isso quero aqui deixar o meu público agradecimento a todos os que se propõem, tão renhida e entusiasticamente, ao suplício de me representar.   

(Artigo publicado na edição de 30 de julho de 2015, do Diário de Coimbra)

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