quinta-feira, 23 de abril de 2015

ERA UMA VEZ



Para os homens e mulheres da minha geração é inevitável falar nesta altura do 25 de Abril de 74. Os acontecimentos a que assistimos e os momentos que vivemos foram de tal maneira intensos, importantes e únicos que ficaram para sempre a latejar na nossa memória e a marcar as nossas vidas. 

A questão é que não imaginávamos que esse dia se iria tornar uma simples recordação. Pensávamos que ele nunca mais acabava e que seria um dia de muitos anos, sem noites, nem negrumes. Ingenuamente, acreditámos que os cravos não morriam e confiámos que o tempo estava a nosso favor. Cheios de ilusões tínhamos a certeza de que o essencial estava assegurado e que não havia cinismo capaz de dar cabo da esperança que nos invadira.

Grandes esperanças e grandes expectativas eram companheiras diárias até que, pouco a pouco, fomos percebendo que havia quem se divertia com a nossa ingenuidade e utopia. Não sabíamos bem o que se estava a passar mas pressentíamos um inimigo silencioso que nos ia desgastando e encaminhando para uma viela tortuosa e sombria fazendo-nos acreditar que aquele era o caminho que nos levaria à grande avenida dos jacarandás floridos e, sobretudo, o único caminho possível.

E, um dia, descobrimos que nos tinham feito andar em círculo e que por pouco não estávamos a voltar ao sítio de partida. Souberam convencer que éramos ricos de pobreza, que trabalhávamos pouco e mal e que a redenção estava no trabalho precário e mal pago. Criaram uma farta bolsa de desempregados para o recrutamento fácil e sem direitos. E, até assistimos, no meio de tudo isto, ao aplauso de tantos que não perceberam que eram eles o verdadeiro alvo desta sociedade do futuro sem futuro. 

Com a inteligência perversa e a conivência prostituta de alguns, foram inculpando a política por todos os males enquanto engordavam as suas contas na Suiça ou em offshores exóticos. E até criaram uns políticos obedientes e venerandos, uns verdadeiros placebos do sistema, cuja realização pessoal se resume à “honra” de uma fotografia nos jornais ou a umas imagens na televisão. 

Hoje estamos mais desiguais do que já fomos, mais pobres do que já fomos, menos independentes do que já fomos e menos solidários do que já fomos. Ganhámos em insegurança e perdemos em esperança, tendo assistido à renúncia, quase generalizada, do heroísmo ideológico que nos alimentou e nos dava a convicção de que era possível um país melhor e uma sociedade mais justa.

Chegados aqui percebemos que os anos e a erosão de valores, da ética, do sentido de serviço público, nos colocaram frequentemente no sofá a fazer zapping para saber o preço do crude ou o movimento no Dow Jones, no Nasdak, no CAC, no Nikkei, no Dax, etc., porque é aí que está o real jogo do futuro. 

Sobre Abril, já se diz: Era uma vez… 

(Artigo publicado na edição de 23 de abril de 2015, do Diário de Coimbra)

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