quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

QUI EST CHARLIE?



A ausência de Coimbra no repúdio pelo ataque terrorista em França e o que ele representou veio, mais uma vez, demonstrar a incapacidade de reação coletiva e de protagonismo daquela que, por vezes, ainda pretende ser a terceira cidade do país. 

Quando, por esse mundo fora, as cidades vieram para a rua gritar e defender a liberdade, por aqui apenas se teve nota de uma iniciativa de estudantes do curso de jornalismo a que se associaram meia dúzia de cidadãos, numa Praça 8 de Maio vazia e frustrada. Foi pena porque nestes dias de afirmação generalizada Coimbra expressou alheamento ficando-se por um: “Qui est Carlie?”

Mas, este episódio cada vez mais convence de que terá havido um acordo com um qualquer demónio que levou Coimbra a vender a sua alma a troco de um quotidiano pachorrento e de uma existência sem chama. Sem nervo, politicamente pobre e frágil, não encontra causas que a motivem nem ofensas a princípios basilares que a espevitem. 

Infelizmente são quase exclusivamente as cervejeiras que a fazem vir para a rua, desfilar num ritual baconiano cada vez mais desbragado, sem cagança nem pilhéria.

Numa cidade universitária com pergaminhos, onde existe saber e serviços altamente qualificados e sofisticados, sente-se a dramática ausência de iniciativa e uma convicta expressão cívica que permita combater o país cada vez mais bicéfalo. O país duma Lisboa e de um Porto que se vão entendendo e repartindo entre si mais-valias e investimento.

Quando se desejava o saudável equilíbrio do desenvolvimento do país, garantindo uma maior coesão económica e social, o que tem vindo a acontecer é, sem margens para dúvidas, um alheamento de Coimbra na assunção daquilo que é a sua vocação natural - ser a capital regional do Centro. Sendo uma tarefa difícil e que exige inteligência, paciência, persistência e golpe de asa, torna-se evidente que há pequenas/grandes coisas que não podem deixar de ser assumidas com oportunidade e fibra.

Falta “alma” a Coimbra e então desde o final do século passado esta verdade tem assumido uma maior evidência. Como razão para esta queda gradual e constante, no ranking da importância política, não será estranho o facto de a nossa última figura tutelar, que o poder central ainda respeitava, ter desaparecido há duas décadas. Pois é, vai fazer 20 anos que ficámos sem Torga. Torga que via da Portagem o país e o mundo e que com a sua presciência e coragem dizia o que era preciso dizer.

Que falta nos faz Torga para nos ajudar a descobrir o caminho do futuro e a esclarecer quem é Charlie.

(Artigo publicado na edição de 15 de janeiro 2015, do Diário de Coimbra)


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